Koumba Ialá disse que é mais inteligente do que Amílcar Cabral? Só pode ser piada de mau gosto.

(Ponto de Vista)

Queres saber as qualidades que faltam a um homem? Observa as que ele gaba de possuir.

“Conde de Segur”

 

Por: Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo *

rjogos18@yahoo.com.br

Rui Jorge Semedo

09.08.2008

 

 

Esta colocação além de medíocre e criminosa para o mundo dos verdadeiros intelectuais, é acima de tudo, burra. Pois, se partirmos do pressuposto de que não existe “saber mais ou saber menos”, mas sim existem diferentes saberes, chegaremos a conclusão através do “conhecimento científico e/ou tradicional” de que não existe parâmetro para afirmarmos que um homem é mais inteligente do que outro. Entretanto, no mundo académico o que conta para o reconhecimento da capacidade dos intelectuais são as suas produções científicas, que passam pelas publicações de artigos, apresentações de palestras, seminários e desenvolvimentos de pesquisas. Nesse sentido, particularmente, desconheço se Koumba Ialá tem esses requisitos que lhe dá o estatuto de um intelectual. Alias, de acordo com os sábios, toda a qualidade que uma pessoa gaba-se ter, é realmente o que ele não possui. Obviamente, quem sabe nunca se auto-afirma com arrogância, mas é reconhecido pela sociedade, como Amílcar é nacional e internacionalmente reconhecido como um grande intelectual, um altíssimo estrategista militar, um grande humanista e um diplomata de elevada capacidade negocial.   

Conforme salientei no artigo publicado na edição no 352 do Gazeta de Notícias, Koumba Ialá é um “político” que gosta de forçar a sua aparição com discursos polémicos sem medir consequências que os mesmos podem acarretar ao frágil processo democrático em curso no país. Acredito que ele até hoje não se apercebeu que os tempos passaram e as coisas mudaram, no entanto, precisa acompanhar as coisas e, sobretudo, inovar o discurso para atrair potenciais simpatizantes. É verdade que uns tempos a traz essa estratégia medíocre o fez chegar ao mais alto nível da magistratura guineense, por descuido e falta de discernimento dos eleitores, mas pelo evoluir das coisas, a mesma situação hoje me parece difícil de se repetir (salvo caso da habitual intervenção de chefias militares). Hoje a maioria dos guineenses sabe que tem algo a faltar na postura política de Koumba Ialá como personalidade pública capaz de assumir de forma responsável os anseios deste povo.

Infelizmente na Guiné e Cabo-Verde (e não só), terras em que Amílcar Cabral dedicou a própria juventude e vida, seus ensinamentos não são postos nos colégios e academias a disposição para que os jovens estudantes possam ter a oportunidade de conhecer o seu legado e, acima de tudo, de ter o privilégio de discuti-lo em salas de aulas. Se é pelo trabalho que se conhece o trabalhador, a África e o mundo não têm dúvidas de que Amílcar é um homem que marcou o século XX com suas ideias e práticas políticas. Os exemplos a dar são imensos: desde colégio até terminar o ensino superior Amílcar Cabral sempre foi um aluno brilhante, no aspecto profissional destacou como um Engenheiro Agrónomo de reconhecido valor, e deu provas disso nos lugares por onde passou (Portugal, Guiné e Angola) e, finalmente, como revolucionário e diplomata desencadeou a luta anti-colonização mais exemplar do continente africano que permitiu a autodeterminação de países como Guiné-Bissau, Cabo-Verde, Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe, e também contribuiu no processo de afirmação de toda a África defendida pela então Organização de Unidade Africana (OUA).

Desde já gostaríamos de deixar bem claro que o propósito deste artigo não é fazer uma leitura comparativa entre Amílcar Cabral e Koumba Ialá, tendo em conta que a este segundo, apesar de ter “formação superior”, lhe falta requisitos para ser chamado de intelectual. Aliás, isso é coisa que precisamos saber distinguir, pois nem todos os “diplomados” são intelectuais, da mesma forma que tem pessoas que não tiveram a oportunidade de ter um “diploma” que são intelectuais de reconhecido valor.

Koumba Ialá afirmou que tem mais nível académico do que Amílcar Cabral e ainda que conhece melhor a Guiné-Bissau do que este. Para dizer a verdade, as duas afirmações só podem ser concebidos por jumentos. Por isso, julgamos necessário fazer seguintes leituras: primeiro, o próprio Koumba Ialá usa o título de “Dr” que não é dele, pois não o conquistou na academia, ele é apenas um graduado. E os “três ou dez cursos” que anda a dizer que tem e que muitas pessoas também têm, não significam nada em termos de domínio do conhecimento em respectivas áreas de que se diz é formado. Aliás, o que não falta na Guiné-Bissau são formados sem diplomas que usurpam o título de “Dr” como ele. Amílcar também era graduado em Ciências Agrárias, mas sabemos que nenhum “Dr pé de chinelo” ousa desafiá-lo ou colocar a sua formação em questão, tudo que ele conquistou foi por dedicação e merecimento, como: titulo Dr. Honoris Causa concedido pelo Instituto Africano de Academia de Ciência da ex-União Soviética e recentemente assistimos na França a inauguração de uma Avenida que levou o seu nome, além de vários outros títulos e reconhecimentos que aqui por limitações não poderemos citar.

Segundo, a serviço do governo colonial português, Amílcar Cabral foi enviado à Guiné-Bissau para fazer um levantamento sobre o recenseamento agrícola do país, facto que o permitiu conhecer palmo a palmo a realidade viva da Guiné-Bissau. Além do mais, como Chefe de Guerra percorreu toda a área conquistada militarmente pelo PAIGC, que até 1968 totalizava mais de dois terços de todo o território nacional, para acompanhar e, principalmente, desenvolver políticas públicas nas ditas regiões libertadas. Esses dois factos, inegavelmente, mostram que Amílcar conhece a Guiné-Bissau de pé a cabeça. E mesmo se não a conhecesse, como afirmou Koumba Ialá, isso não era relevante, o relevante para Amílcar Cabral se acentuava em dois pontos: libertar a Guiné e Cabo-Verde do jugo colonial e criá-los mecanismos de desenvolvimento. Infelizmente, pessoas de índole semelhante a de Koumba Ialá o assassinou, mas mesmo assim, os guerrilheiros formados por ele conseguiram conquistar as independências dos dois países e, posteriormente, só na Guiné-Bissau por ambição assassina de certos indivíduos corruptos, o processo de desenvolver o país se estagnou anos a fio.

E uma outra coisa, os guineenses precisam derrubar de uma vez por todas a tentativa separatista de Koumba Ialá que insistentemente procura passar a imagem de que ele e o seu PRS são de Campo. Bem, não sei se ser do campo é ter apelido Ialá, Có, Djaló, Sanca, Sanhá, Té, etc, se não é isso, precisamos rever a nossa classificação de quem é do campo. Quem na Guiné-Bissau não tem suas raízes no campo? Qual é a diferença de ser da Cidade e do Campo na nossa terra? A meu ver, as condições e oportunidades de vida, num e noutro não diferem muito, ou seja, em ambos as pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. Não obstante, é insensato criarmos uma categoria de Campo e Cidade com base nos apelidos das pessoas, porque tem pessoas com apelidos tradicionais que não nasceram no campo e que tiveram oportunidades, como é o caso de Koumba Ialá, que estudou, e hoje goza de um elevado status social.  

Para terminar, mais uma vez, gostaria de chamar a atenção dos guineenses para ficarem atentos aos comportamentos e práticas que possam criar instabilidades indesejáveis que podem comprometer o nosso bem-estar.

“Si nô ka pudi gardici Cabral pa kê ku nô sedu ahôs, ka nô sedu n´gratu pa rel – Murcegu kuma i na misa Deus i rábida i misa si kabeça”.

 

 

*Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil


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