Liga Guineense dos Direitos Humanos

Fundada em 12 de Agosto de 1991


 

RELATÓRIO ANUAL 
 

ANO 2006 

 
 
 

 
 

  

III- Direitos Liberdades e Garantias  
 

  1. Crianças Talibés
  2. Mutilação Genital
  3. Comunicação Social

 
 

IV- Direitos Económicos Sociais e Culturais 
 

  1. Direito a Saúde e Ambiente
  2. Direito a Educação

 
 

V- Forças de Defesa e Segurança. 
 

      a) Forças Armadas

      b) Polícia de Ordem Pública

       
 

VI- Relacionamento entre os Órgãos de Soberania. Ou funcionamento das instituições democráticas 
 

VII- Sistema judicial. 
 

 
 

 
 

 
 

 
 

 
 

 
 
 

VIII- Conclusão 
 
 
 
 
 
 

Introdução 
 
 

Com a realização do III Congresso extraordinário da L.G.D.H. provocado pela crise no relacionamento entre os seus órgãos, começou-se a desenhar horizontes risonhos para o verdadeiro relançamento da organização, na medida em que testemunhou-se o imprimir duma dinâmica interventiva e menos indiferente a conjuntura que se vive, contrariando a apatia e a neutralidade que ultimamente veio caracterizando as suas moribundas actuações, perante o olhar indignante dos seus activistas e simpatizantes e a resignação dos seus utentes, advogando simplesmente o “Djito Ka Tem”. 
 

Duma vez para sempre os dirigentes ganharam a consciência de que quanto mais tempo se gasta na resolução dos problemas internos, menos se (ocupará a organização dos fins que nortearam a sua criação, razão pela qual está-se a investir na edificação duma organização mais sólida e credível susceptível de proporcionar, duma forma neutral (e isenta, mais confiança do ponto de vista do observador interno como externo. 
 

Porém, a L.G.D.H., depois de 15 (quinze) anos da sua existência, alargou a sua perspectiva de intervenção, abrangendo os direitos Económicos Sociais e Culturais assim como os Direitos Ambientais, ou seja os Direitos Fundamentais da segunda e terceira geração, superando as tradicionais intervenções da Liga, apenas no domínio dos Direitos Liberdades e Garantias, isto porque, é sabido que, a transversalidade e a interdependência dos direitos fundamentais não é compatível com o seu fraccionamento.    
 

Tudo isto foi graças à revisão pontual dos estatutos da organização que não só permitiu as referidas extensões do campo de intervenção da Liga, mas que também, reforçou duma forma inequívoca a postura de isenção e de neutralidade que deve caracterizar as suas actuações, traduzida numa nítida equidistância perante questões de natureza político-partidària. O agravamento do art. 10 º dos seus Estatutos é o reflexo do reconhecimento dos erros cometidos no passado, que tiveram como consequência evidentes a perda de confiança na instituição.    

  

Pelo exposto, agradecíamos de antemão as críticas e sugestões que nos venham a ser remetidos, confiante estamos de que o fardo da promoção e defesa dos Direitos Fundamentais é de toda a comunidade, privilegiando sempre o diálogo e a crítica construtiva, podendo, juntos potenciar a fungibilidade dos objectivos a que nos propomos.

Aliás, admitimos a possibilidade de haver falhas num ou noutro aspecto que o relatório pode não contemplar, tendo em conta que a actual direcção tomou posse no final do ano 2006 e o relatório trata do ano inteiro.   
 

Contextualização 
 

Apesar de ter sido concluído o ciclo de eleições nacionais com as últimas presidenciais realizada em 2005, cujos resultados foram considerados livres justas e transparentes, mas a situação dos direitos humanos ainda está a quem do desejado. O país enfrenta graves problemas económicos e sociais com uma justiça cada vez mais distanciada do cidadão, onde o recurso sistemático a “vendicta privata” continua a ser o privilegiado. 
 

A governação requer acções visíveis e tangíveis no plano económico, social jurisdicional; a corrupção e a impunidade por combater; a administração publica e as forças de defesa e segurança por redimensionar sem perder de vista a proliferação intencional de armas por todo o território nacional e em mãos indevidas, o aumento vertiginosa da criminalidade e abusos de poder que mantêm os cidadãos numa inquietação e alerta permanente. 
 

A arbitrariedade na detenção e prisão dos cidadãos, a falta de conhecimento dos princípios básicos dos direitos humanos, a desobediência, os atropelos as leis e as regras da democracia, são entre outros, factores que têm cristalizado a violência contra os cidadãos, e, por conseguinte situações que têm dificultado o estabelecimento de um estado de direito que se queira construir.

 

O aumento de conflitos na sub-região vem sendo o factor de preocupação, deixando o país mais frágil para o seu uso como palco de treinos e de acções terroristas internacional, aliás como já demonstrou a sua fragilidade perante ao flagelo de estupefacientes porque já não constitui dúvida para ninguém que o país tem sido palco de estacionamento e transporte de drogas para outros continentes. 
 

Acrescem a essa situação desoladora, as práticas nefastas e atentatórias a saúde da mulher e da criança, nomeadamente a mutilação genital que ainda persiste, casamentos precoces e forçados, situações de violência nas suas diferentes vertentes como: a física, a psicológica, a domestica e a sexual; o infanticídio ritual; o abandono. Todos esses males a que as mulheres e crianças são alvos fáceis conta com a inércia do Estado que por questões de interesses políticos nunca se atrevem a tomar medidas de natureza político-legislativos sérios que visem punir os praticantes desses actos e consequentemente proteger as vítimas da camada mais frágil da nossa sociedade que são sem sombra para dúvidas as crianças e as mulheres. 
 

A mulher guineense continua na luta para a sua afirmação, porque marginalizada e longe das instancias de decisão. Na grande maioria das comunidades ela é relegada a um plano secundário, exposta a exploração, restringindo-se a um mero papel de submissão porque de contrário é considerado ofensiva às práticas tradicionais e religiosas com consequências sérias. Mãe e dona de casa para além de constituir garante da vida quotidiana na grande maioria das famílias guineenses, os seus rendimentos superam uma quota de 60%, embora simplesmente ignorado pela estatística.      
 

Em suma o país enfrenta momentos que justificam e de que maneira um redobrar de esforços numa educação permanente, a formação de novas consciências, a transformação de atitudes e comportamentos tanto de cidadãos comuns como dos titulares de cargos públicos. 
 

É nesse ambiente de incerteza que, conscientes das dificuldades que se nos impõe a situação, queremos poder continuar a dar a nossa modesta contribuição para a mudança de comportamento e de atitudes dos governantes e dos governados. 
 

A publicação do presente relatório acontece num momento de particular importância para o país, por isso oferece-nos, caros leitores analisar, mesmo que de forma sucinta, alguns aspectos ligados aos seguintes sectores da vida nacional:           

  

DIREITOS LIBERDADE E GARANTIAS 
 

A Guiné-Bissau, país de mais de um milhão de habitantes, situado na costa ocidental do continente, viu-se obrigada a desencadear uma luta armada que durou 11 anos, para obter a liberdade dos seus cidadãos perante o jugo colonial português. 
 

Uma luta gloriosa que tinha como slogan estancar as barbaridades que estavam sendo cometidas pelos colonialistas portugueses de forma a assegurar a realização dos direitos fundamentais de todos os guineenses, sem excepção, venha donde vier. 
 

Antes e durante a luta, o povo viu o seu filho a ser torturado, as suas casas queimadas com todos os géneros que possam lá estar, a sua liberdade de pensamento censurada, enfim, todos os seus direitos pisados. Nessa medida a luta teve um papel fundamental no despertar da consciência dos guineenses sobre a necessidade de exigirem e protegerem os seus direitos fundamentais. 
 

Foi com este espírito que todos quantos sentiam esta Guiné no coração se envolveram nessa árdua tarefa de conquista dos direitos inerentes a todos os seres humanos. 
 

Entretanto a montanha pariu rato, pois logo após a independência assistiu-se a uma vaga de matanças, pondo em causa todos os ideais que alicerçaram a luta armada para a libertação. 
 

Instalou-se um regime de terror no qual o guineense nunca teve liberdade de expressão e de pensamento, um regime em que se concentra e se centraliza o poder numa pessoa e numa só formação política. Os direitos políticos não existiam, era reconhecida uma esfera reduzida de direitos civis, os destinos do povo eram conduzidos por um grupo de pessoas membros da única formação política existente na altura, que não soube interpretar e aplicar os anseios do povo. 
 

Este quadro negro dos direitos liberdades e garantias fundamentais permaneceu até início dos anos 90, altura em que se operou a mudança do sistema político, adoptando a democracia representativa. 
 

A partir dessa altura, operou-se mudanças legislativas no sentido de assegurar mais e melhor a expansão da personalidade dos cidadãos, reconhecendo-lhes uma esfera de intervenção relativamente mais ampla. 
 

Entretanto, o conhecimento dos cidadãos relativamente aos seus direitos era e continua incipiente, tendo a Liga desempenhado um importante papel na formação e informação das pessoas, através de campanhas e programas radiofónicos de educação cívica. 
 

Todavia e não obstante a abertura política, o guineense nunca teve uma verdadeira liberdade, tanto assim que em mil novecentos e noventa e oito eclodiu o conflito político-militar de sete de Junho, consequência de um longo abafar de sentimentos de revolta contra a forma autoritária como o poder vinha sendo exercido, não obstante na altura já se vivia numa pretensa democracia.  
 

Essa guerra fratricida teve consequências trágicas, a todos os níveis, nomeadamente político, económico e social, mas com maior incidência nos direitos, liberdades e garantias. 
 

Em consequência do conflito político militar de 1998 emergiu um “poder militar” que pouco respeitava direitos fundamentais e que conduziu o país até às eleições gerais de Novembro de 99 que marcou o retorno à normalidade constitucional. 
 

No entanto e apesar da constituição dos órgãos políticos eleitos democraticamente, a ingerência do “poder militar” nos assuntos políticos foi intensificando, tanto assim que entre as eleições gerais de 1998 e as últimas eleições presidenciais nas quais se elegeu o general, João Bernardo Vieira, o país foi marcado por várias tentativas, algumas concretizadas, de golpes de Estado subvertendo toda a ordem constitucional instituída. 
 
 

ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE DOIS MIL E CINCO 
 

Em 2005 fez-se eleições presidenciais nas quais se elegeu o actual presidente João Bernardo Vieira, cuja candidatura envolveu uma polémica que acabou dividindo, ainda mais, uma sociedade já de “per si” fracturada. Essa candidatura foi fortemente contestada pelo então governo do PAIGC apoiado pela direcção do próprio partido, liderado pelo Sr. Carlos Gomes Júnior, arrastando com ele uma franja considerável da população. A questão foi depois resolvida pelo Supremo Tribunal de Justiça que validou a candidatura, tendo, entretanto, a decisão sido motivos para o PAIGC realizar cerimónia fúnebre da Justiça guineense por entender que a mesma estava morta. 
 

A partir daí tornou-se notável as divergências entre o então Primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior e o actual Presidente da República, tendo este último demitido o governo dirigido por aquele vinte e oito dias depois do seu empossamento. 
 

Este mal-estar que se instalou entre estas duas figuras influentes da nossa classe política, agravado com o facto do Presidente da República ter escolhido o Primeiro-ministro contra as indicações do partido vencedor das eleições (PAIGC) e dentre pessoas dissidentes dessa formação política, afectou o normal funcionamento das outras instituições gerando em final de 2006 uma crise institucional profunda entre vários órgãos de soberania com maior incidência no Governo e Assembleia Nacional Popular. 
 

A gestão destas crises foi atraindo atenção dos actores políticos que descuraram das outras áreas ou sectores da vida pública que prendem com direitos fundamentais das pessoas. 
 

Algumas pessoas, apercebendo-se das fragilidades e incapacidade do Estado, foram aproveitando dessa situação para fazer vinganças e retaliações pondo termo à vida das pessoas através de actos bárbaros e cruéis.

 

Esse aproveitamento é extensivo à alguns agentes de segurança e das forças armadas que se abrigaram nos uniformes para ajustarem contas, matando injustamente pessoas em nome da ordem e da segurança públicas sem que lhes sejam instaurados inquéritos para apurar as circunstancias em que as mortes se ocorreram.  
 

O sector da segurança é dos mais caóticos existentes na sub-região. Os criminosos aproveitam-se da incapacidade da polícia de investigação, de braços com falta de meios de trabalho e de recursos humanos qualificados, e da escuridão que caracteriza as noites de Bissau, para cometerem crimes de mais variados móbil. 
 

Num outro prisma, são os próprios agentes de segurança, encarregues de proteger a integridade física dos cidadãos e seus patrimónios, que acabam cometendo grande parte dos crimes de ofensas corporais, em alguns casos graves contra os cidadãos. Esta situação encontrou um terreno fértil na impunidade que se tem verificado na Guiné-Bissau, quando seja um agente de autoridade a praticar barbaridades, deixando pairar a ideia de que os agentes investidos de poder de autoridade estão acima da lei. 
 

Entre as forças de defesa nacional e as de segurança tem havido um conflito positivo de competência, acabando as forças armadas por se sobrepor. Aliás em Dezembro assistiu-se um caso em que um agente de segurança foi espancado em pleno exercício da sua função supostamente a mando do Chefe de Estado-maior General das Forças Armadas e levado a frente deste que, por sua vez, o insultou com todos os vocabulários pejorativos que conhece, pelo facto de aquele ter interpelado, conforme reza o comunicado da polícia da ordem pública, tornado público por ocasião da quadra festiva do Natal e Fim do ano, o filho deste que estava a perturbar a ordem. Este é apenas um exemplo dos inúmeros casos destes tipos que acontecem frequentemente. 
 

O tráfico e consumo de droga aumenta, de dia após dia, a um ritmo assustador com a conspiração das autoridades que muitas vezes se envolvem no tráfico. Tem-se falado na existência de uma rede de tráfico de droga que integra figuras com funções de Estado, tendo sido denunciada uma vez a perda de uma grande quantidade de cocaína apreendida e guardada no tesouro público. 
 

Em termos políticos o ano 2006 foi marcado por um retrocesso nas conquistas já alcançadas relativamente aos direitos políticos. Os opositores são cobardemente perseguidos e espancados por causa das opiniões políticas emitidas, fazendo recrudescer a violência contra os fazedores de opinião. 
 

O regime político tem mostrado uma certa inflexibilidade em reconhecer a diferença de ideologias políticas, considerando simplesmente todos quantos têm uma visão política diferente como sendo criadores de instabilidade. 
 

O governo tem conduzido o país com prepotência e arrogância, ignorando os parceiros sociais na tomada de decisões que prendem com direitos fundamentais dos trabalhadores, mostrando-se insensível aos mecanismos de concertação social e reage de forma hostil ao exercício de direito de manifestação pública por parte das organizações da sociedade civil, o que representa um golpe duro desferido contra a democracia amputando-lhe algumas faculdades fundamentais. 
 

Ora no Estado de Direito Democrático, de que a Guiné-Bissau faz parte, a tendência actual é de alargar ao máximo possível o âmbito da esfera privada através da concessão a todos os níveis (político, do pensamento, da criação intelectual e artística, entre outros) duma margem considerável de liberdade, reduzindo ao máximo a sua intervenção na esfera privada das pessoas na estrita medida do necessário. Todavia tal não pode nunca servir de pretexto para cada qual fazer o que entender sem respeitar o exercício de direito do seu próximo, devendo o Estado manter-se vigilante em relação a qualquer conduta violadora dos direitos humanos provenientes também dos poderes sociais de facto ou entidades privadas dominantes.  
 

Assiste-se a uma instrumentalização dos órgãos de comunicação social públicos e privados. Relativamente aos primeiros, alguns nomeadamente a televisão e a RDN não cobrem grande parte de actividades promovidas pelas instituições com visão diferente ou oposta ao do regime, alegadamente por falta de meios. 
 

Hoje vê-se uma tendência clara de bipolarização das duas grandes rádios privadas do país, uma funcionando a favor do regime outra a favor da oposição e outras organizações da sociedade civil. 

 

Fanado (Excisão femenina) 
 

A excisão feminina ou fanado da mulher é uma prática cultural muito antiga dos povos islâmicos e islamizados que consiste na mutilação de um dos membros do órgão genital da mulher (clítoris). Esta prática constitui uma das formas mais atrozes e cruéis da violação da saúde e dignidade da mulher. Como quase todas as práticas culturais tem os seus aspectos positivos e negativos, não se pretende aqui fazer uma critica generalizada a todo o fanado na sua vertente cultural mas simplesmente, demonstrar até que ponto algumas práticas ferem ou entram em contradição com a lei. 
 

No fanado em especial excisão (das raparigas), práticas de ofensas corporais e a falta da liberdade na adesão a essa prática, são alguns dos elementos em que ao nosso ver o costume entra em choque com o direito positivo.  
 

Este ano foi catastrófico em termos de números de raparigas excisadas, embora não haja dados concretos, sabe-se que o número de barracas de fanado aumentou consideravelmente em comparação com o igual período dos anos transactos, aliás presume-se que só no ano 2006, mais de duas mil crianças foram excisadas na cidade de Bissau. Alguns analistas justificam este aumento com o facto de Ministério do Interior ter dado autorização por escrita as fanatecas para levarem a cabo este ritual.   
 

As autoridades nacionais tem mantido uma postura de indiferença perante esta atrocidade, evitando de adoptar medidas que possam colidir com interesses duma parte do eleitorado, pois tal teria repercussões negativas na carreira política de quem tenha tomado a decisão.   
 
 

Ensino da religião (escolas corânicas) Crianças Talibés

  

Existem muitos casos relacionado com situações de maus tratos que tem a ver com deslocação de alunos para o estudo de religião no interior ou no estrangeiro.

Segundo o entendimento de algumas famílias, o envio dos filhos junto a grandes mestres em corão a fim deles poderem aprender os ensinamento dos grande Alá, é uma obrigação dos pais muçulmanos o que lhes dá acesso directo à glória, explicações como esta e outras servem de justificação, para que muitas crianças atravessem a fronteira do lar materno anualmente com destino a maus tratos dos mestres do corão, com pretexto de serem educados conforme os costumes islâmicos. 
 

Não se põem aqui em causa a questão da educação religiosa porque se só disso se tratasse, não levantaria seguramente grandes problemas de conflito uma vez que é a própria lei que garante a liberdade de ensino de qualquer religião, desde que praticado no âmbito da respectiva confissão (CRGB art.52 nº3 e CDC art.14 nº 2). 
 

Mas a questão que se coloca é que a maior parte dessas crianças são obrigadas a trabalhar para sustentar ou pagar a escola, e  são vítimas de todas as formas possíveis de maus-tratos. Aliás há quem diga que esta é uma nova forma de escravatura que a nossa sociedade implicitamente aceitou. Elas são quase que abandonadas na medida em que não conseguem voltar a casa ou porque não podem ou porque temem faze-lo, visto que um acto deste género pode ser considerado como uma ofensa à honra da família. Este é um exemplo nítido de exploração de menor sob disfarce da religião.  
 

Já houve casos de crianças que acabaram por morrer devido aos maus tratos nesta forma invulgar de relação laboral com alguma simbiose de trabalho infantil em que o empregador não proporciona aos menores, as mínimas condições de trabalho nem se quer se têm em conta a idade, o que afecta grandemente o desenvolvimento físico psíquico do próprio menor.  
 

Não obstante a Guiné-Bissau ter aderido, à semelhança de muitos outros Estados africanos e do mundo, a uma série de tratados internacionais, entre outros, podemos citar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada, Transnacional Relativo à Prevenção à Repressão e à Punição de Tráfico de Pessoas, em especial de mulher e criança, a Convenção nº 182 da OIT, a Conferencia Ministerial Regional da CEDEAO/ECCAS sobre a Luta Contra o Tráfico de Pessoas, Acordo de Cooperação multilateral de Luta Contra o Tráfico de Pessoas na Africa Central e Ocidental, a problemática da Defesa dos direitos das Crianças não passa de uma mera intenção política que nunca se concretiza por falta de vontade política. 
 

A aprovação em 20 de Novembro de 1989 duma Convenção sobre os Direitos das Crianças (CDC) pela Assembleia-geral das Nações Unidas, e a sua consequente ratificação pela Guiné-Bissau através da Resolução 20/90 de 18 de Abril de 1990, constitui um compromisso importante em direcção a promoção protecção e defesa dos direitos das crianças guineense. Alias, significa a adopção por parte do Estado de mecanismos que visam a protecção das crianças. 
 

Não obstante a ratificação destes importantes diplomas legais, centenas de crianças guineenses, sob pretexto de aprender o alcorão, atravessam anualmente a fronteira entre a Guiné-Bissau, Senegal e a Gambia onde são expostas a mendigagem nas ruas e trabalhos forçados com sérios riscos para os seus crescimentos físico e psíquico, tornando-se vulnerável aos males como prostituição, delinquência juvenil, droga e má nutrição. 
 

Essas crianças são submetidas a uma autentica exploração por parte dos seus mestres onde diariamente são obrigadas a entregar uma receita de 300 a 500 Francos cfa (trezentos a quinhentos Fcfa) em dias normais de expediente e 1000 Fcfa (Mil francos cfa) em todas as sextas-feiras, por ser um dia santo onde a maioria dos muçulmanos costuma fazer gestos de caridade. 
 

Segundo Aicha Thiam (Forut 2003), produtora do filme sobre crianças Talibés nas ruas de Dakar, (um filme que fez retrato de como os Talibés são explorados pelos seus mestres) estima-se a existência de 12.000 (doze mil) crianças Talibés no Senegal, oriundas de Guiné-Conakri, Gambia e Guiné-Bissau, sendo a maioria esmagadora, aproximadamente 80%, provenientes do nosso país. 
 

As principais localidades de concentração de crianças Talibes provinientes da Guiné-Bissau são: Dakar, Saint Louis, Tchies, Kaolac, Bindjona, Kolda e Zinguinchor, ambas cidades e vilas da República do Senegal. 
 

A maior parte dessas crianças pertencem à etnia fula predominante na província leste do país, concretamente nas regiões de Bafatá e Gabú. 
 

Estima-se que em cada ano mais de 500 (quinhentas) crianças talibés com idade compreendida entre os sete e 15 anos, são transportadas para a República vizinha do Senegal e Gambia com a finalidade acima mencionada.

No final do mês de Dezembro de 2006, duas crianças Talibés, fartas de maus-tratos a que eram submetidas pelos seus mestres, decidiram fugir, percorrendo a pé o longo caminho que separa Senegal da Guiné-Bissau em busca de amparo junto da família no país de origem. No meio de percurso em direcção a Bissau, essas crianças foram sucessivamente socorridas pelos condutores de transportes públicos que fazem ligação Bissau-Dakar e vice-versa que as conduziram directamente para a Sede Nacional da LGDH, onde receberam assistência. Essas crianças contaram a triste história do falecimento de um dos seus colegas nos subúrbios de Dakar que caiu numa varanda alta onde partiu a garganta.  
 

Em colaboração com a Associação de Amigos das Crianças (AMIC) as famílias das vitimas foram identificadas e entregues os respectivos membros onde são acompanhadas regularmente por estas duas organizações. Este caso de revolta e de desespero das crianças Talibés contra os maus-tratos a que são submetidos é apenas um exemplo de muitas loucuras já cometidas em sinal de desespero. Um grupo de crianças Talibés originários da Guiné-Bissau, cansadas da vida que levam, decidiram assassinar o mestre para assim escaparem da escravidão a que estão votadas.

Apesar de ter a consciência clara desta questão o governo da Guiné-Bissau, nunca tomou diligencias para pôr cobro a este contrabando das crianças, eximindo de forma grosseira das suas responsabilidades enquanto entidade responsável pelo respeito dos direitos das crianças . 
 

Há uma relação nítida entre o fenómeno das crianças Tálibés com a problemática do tráfico das pessoas na medida em que dezenas dessas crianças, são dadas como desaparecidas. Aliás o Protocolo Adicional da Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade Organizada Transnacional relativo a Prevenção, repressão e a Punição de trafico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, no seu artigo 3º alínea c) considera tráfico de pessoas “ o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou acolhimento duma criança para fins de exploração”. 
 

Ora se tomarmos em consideração a forma dolosa como os pais e encarregados de educação são convencidos a deixarem partir seus filhos/educandos e a exploração infantil com que estas crianças são confrontadas, conclui-se que o acto enquadra-se no tráfico das pessoas, lamentavelmente a Guiné-Bissau não possui leis internas sobre esta matéria muito menos uma lei que proteja os menores contra este tipo de práticas.
 

IV- Direitos Económicos Sociais e Culturais 
 
 

DIREITO À EDUCAÇÃO 
 
 

O Direito à educação encontra-se inserido na constituição da República da Guiné-Bissau, no seu artigo 49º, a educação surge como área nobre e vital da intervenção protectiva  do Estado, e é, fundamentalmente, sob o prisma do ensino que o Estado se ocupa. 
 

Mas, a educação na Guiné-Bissau é o sector que vem confrontando ao longo dos anos pós independência, com variadíssimos problemas, alguns dos quais crónicos, cuja solução dependerá sempre de uma melhor visão e engajamento do governo. 
 

Os objectivos estabelecidos pela convenção internacional sobre os direitos da criança (CDC) relativamente à educação, estão muito bem sintetizados no art. 16º da constituição. 
 

Porém, a sua plena concretização só será possível quando ao nível nacional forem criadas as condições mínimas para a adequação do sistema do ensino as realidades do país em termos de quantidade e qualidade. 
 

Para alem dos aspectos intrínsecos do sistema do ensino, é necessário que os princípios de respeito pelos direitos fundamentais, nomeadamente de solidariedade e de fraternidade, defendida nos discursos políticos e consagrados na lei fundamental do país e nas convenções e pactos ratificados, sejam observados pelas diferentes instituições nacionais ou que as bases democráticas em que assentam estes princípios sejam uma realidade. 
 

As estratégias do desenvolvimento do ensino aprovadas pelo decreto nº60/88 de 30 de Dezembro apontam, entre outras as seguintes linhas de orientação: 
 

    1. a unificação da escolaridade de base de seis classes, eliminando a estruturação desse nível em ciclos (ensino básico elementar e ensino básico complementar);
    2. Introdução do sistema de três fases (primeira fase, segunda fase e terceira fase), em ordem a uma melhor retenção dos efectivos   
    3. Produção e distribuição de materiais didácticos aos alunos e professores.

Essas linhas de orientação foram traduzidas numa lei,  chamada lei de base ou lei-quadro, carece de um enquadramento mais globalizante, preciso e sistemático.  
 

O sistema nacional de ensino encontra-se estruturado de seguinte forma:

a) Educação pré-escolar

b) Ensino básico

c) Ensino técnico e profissional

d) Educação de adultos e alfabetização

e) Ensino superior 
 

Os esforços até aqui feitos no sentido da melhoria do sistema nunca tiveram em conta a globalidade dos elementos que o compõem, o qual já conheceu intervenções, ainda que temporário, apenas nalguns dos seus elementos, tornando-o assim desconexo e disfuncional. 
 

Essa deficiência é agravada pela ausência duma lei de base do sistema educativa indispensável para uma necessária articulação e coordenação, tanto dos seus próprios componentes como das iniciativas e actividade educativas. 
 

A desarticulação do sistema educativa é também notória no que respeita a relação que devia existir entre a educação, a formação e o sistema do emprego (saídas profissionais) e outros sistemas sociais, tendo em conta a inexistência da informação e orientação escolar.  
 

Esta vertente importante da politica educacional é inexistente no país, apesar da sua utilidade sobretudo no nosso contexto em que a formação profissional e superior se processam mais em função das oportunidades que se oferecem do que da aptidão ou vocação do próprio jovem formando. 
 

A educação, fazendo parte integral do sector social do país, nunca poderá funcionar isoladamente e nem furtar-se aos pesados constrangimentos impostos pela precariedade desse sector e pela complexidade dos seus problemas. O país é, sem dúvida, jovem com mais de 45% da população com idade inferiores aos 15 anos, sendo que a taxa média de analfabetismo ronda os 70% e mais de 80% nas mulheres.  
 

Do ponto de vista do acesso pré-escolar, apenas 19% das crianças, dos 3 aos 6 anos, beneficiam dos serviços existentes. Para as crianças de 0 a 3 anos não existem serviços específicos públicos, mas sim de iniciativas privadas.  
 

Do ponto de vista dos recursos humanos, as condições de incentivos sócio-educativos, tais como baixos salários, carência habitacional, etc.… têm contribuído para a sua precariedade, dificultando o recrutamento dos docentes qualificados para as regiões, sobretudo as mais carenciadas e distantes.  
 

Por outro lado, a qualificação do corpo docente é bastante baixa. Pouco mais de 10% de professores de ensino básico são diplomados. Aliada a fuga de quadros da educação para outros sectores de vida nacional e para o estrangeiro. Como exemplo mais flagrante, é o caso dos docentes que concluíram o curso na escola nacional superior “Tchico Té” , cuja  maioria se encontra a leccionar em Cabo Verde.

Considerado o sector prioritário em todos os governos, os orçamentos afectos a educação nunca justificaram esta consideração. Por exemplo, 99% das despesas de investimento são suportadas por financiamentos externos. A dotação orçamental atribuída ao sector, cerca de 97% são utilizadas para o pagamento do pessoal, sem possibilidades de suportar outras despesas correntes e muito menos de investimento na reabilitação e manutenção de edifícios e espaços educativos bastante degradados quer em Bissau assim como nas regiões.        
 

A baixa taxa de escolarização a nível do ensino primário, a insuficiente rede escolar, a insuficiência de professores e a desmotivação do pessoal, a precariedade das infra-estruturas escolares, a insuficiente quantidade de matérias didácticos, incluindo manuais e outros meios da educação e do ensino, as grandes distâncias que separam as crianças das escolas que elas frequentam, em condições de uma quase inexistente rede de transportes públicos e escolares, são grandes barreiras que a criança encontra e que torna o ensino pouco acessível, infelizmente para a maioria das crianças deste país. 
 

A estrutura do sistema educativo não oferece no seu interior muitas opções em termos de formação e o acesso aos limitados níveis existentes é também bastante difícil. As opções a nível superior são poucas e a capacidade de acolhimento das reduzidas instituições de formação superior é ainda muito limitada comparativamente as solicitações. As oportunidades de formação no exterior são cada vez mais raras.

O plano curricular é obsoleto em comparação com a sub-região, precisando por isso duma reforma profunda capaz de relançar a competitividade de que outrora o nosso ensino gozava.  
 

A gratuitidade do ensino básico estabelecida pela Constituição no seu artigo 49º deve abranger mesmo as propinas, as taxas e emolumentos relacionados com as matrículas, frequência e certificação e até mesmo a concessão de livros e material escolar, de transporte, de alimentação e alojamento principalmente para as crianças mais desfavorecidas.  

 

DIREITO À SAÚDE E AMBIENTE 
 
 

Não obstante a consagração constitucional do direito à saúde e a consequente incumbência que a constituição comete ao Estado, a situação de saúde pública continua a constituir um problema para o país,

O decreto 32-a/92 de 30 de Dezembro que aprova o estatuto hospitalar, concebe a saúde como um bem público. Dele se extrai que o direito a protecção da saúde é assegurado pelo serviço da medicina curativa e de reabilitação.  
 

Este desiderato está longe de ser cumprido visto que até a presente data o Estado não é capaz de proporcionar a todos os cidadãos uma saúde condigna, um serviço de saneamento básico, água potável, higiene, centros de saúde com qualidade de atendimento e tratamento dos doentes. 
 

Tudo isso aliado a pobreza extrema que assola a população e, apesar de haver medidas conjunturais que possam contribuir para o alívio da pobreza e das diferentes intervenções no domínio social postas em práticas dentro do plano do programa de saúde, esta continua muito aquém das solicitações da população.

O sistema nacional de saúde é confrontado com várias deficiências, nalguns casos graves, pondo em causa a vida das pessoas.

A cobrança de comissões ilícitas aos utentes, a fixação ilegal de taxas moderadoras, a falta de observância de ética e deontologia profissionais por parte de alguns médicos e enfermeiros, a corrupção continuam a ser factores caracterizadores do sistema de saúde guineense, colocando as populações mais vulneráveis em maiores riscos de vida. O mais agravante é a ausência de uma política nacional de saúde no país que devia inspirar do programa nacional de desenvolvimento sanitário aprovado pelo governo.

Assiste-se hoje no hospital nacional Simão Mendes, Maior centro hospitalar de referência no país, um “tsunami” sanitário onde as grávidas são obrigadas a pagar a quantia exorbitante de 50.000 Francos cfa na maternidade para serem submetidas a uma intervenção cirúrgica (cesariana) mesmo nos casos de manifesta ausência de meios por parte dos pacientes.

Aliás já houve relatos nos órgãos de comunicação social que dão conta que ainda este ano uma senhora cujo parto não correu bem, foi obrigada a pagar os tais 50.000 Francos cfa, caso contrário não sairia nem levaria o cadáver do nado morto para enterrar.

O governo, entidade incumbida de promover o bem-estar social dos cidadãos, revelou-se impotente na resolução destes e demais outros problemas que o nosso sistema sanitário enfrenta, colocando o país com maiores índices de taxas de mortalidade materno-infantil.  
 

Este quadro negativo do sistema nacional de saúde tende a perdurar por mais tempo na medida em que no orçamento geral de Estado a saúde publica representa apenas 8%, O que corresponde a 1% do PIB, sendo metade do nível dos outros países africanos com baixas receitas sendo que o país não dispõe mais do que um médico por 6.667 habitantes. 
 

As situações de água e saneamento não são também as mais favoráveis para as nossas populações, sobretudo nestes últimos anos marcado por um acentuado declínio da pluviosidade com consequências directas sobre os lençóis subterrâneos Já sujeito as infiltrações da água salgada em certos pontos do país. 
 

As águas superficiais, dos rios, das fontes e dos poços tradicionais poucos profundos, foram até 2006 a principal fonte de abastecimento de 90% da população rural. 
 

Porém, a acentuada diminuição das chuvas originou o desaparecimento de muitas das fontes de abastecimento referidas, facto agora comprovado pela necessidade dos poços serem mais profundos para assim poder ter agua suficiente para abastecer as famílias durante todo o ano; o crescimento da população é alguns dos factores que explicam a difícil situação hoje vivida. 
 

O saneamento no Sector Autónomo de Bissau (SAB) levanta problemas muito complexos com tendência a agravar-se com a forte pressão demográfica sobre as suas já precárias infra-estruturas.  
 

A rede de esgotos além de serem já obsoletos apresentam nalguns pontos misturas entre as fossas sépticas e as águas pluviais. 
 

Nos bairros da capital, as condições de saneamento são incompatíveis com o seu acelerado crescimento demográfico. Muitas casas construídas clandestinamente nestes últimos anos têm apenas fossas sépticas simples e outras apenas latrinas mal construídas. As águas utilizadas, os lixos e os detritos são regra geral lançados para as valetas ou para as estradas. Os depósitos de lixos em decomposição nos vazadouros públicos constituem focos permanentes de contaminação principalmente das crianças. 
 

Porém, com a então Direcção da Câmara Municipal de Bissau, liderada pelo Dr. José Mário Vaz, essa situação melhorou bastante, porque todos os dias nas principais artérias do SAB são removidos os lixos. 
 

Nos centros semi-urbanos, as redes de águas residuais são praticamente inexistentes. 
 

No meio rural, as casas nem sempre são munidas de latrinas e nas existentes são mal construídas. 
 

Assim, estima-se que as doenças de origem hídricas são responsáveis por ¾ das doenças transmissíveis e de mais da metade de óbitos. 
 

Para o bem-estar físico e mental da população, segundo o art. 15º da Constituição da Republica, é necessário garantir o estrito equilíbrio entre complementos essenciais da qualidade de vida (agua – Higiene – Saúde). 
 

Regista-se uma escassez de agua nos estabelecimentos estatais, principalmente nas escolas onde as crianças passam muitas horas do dia, para as necessidades de milhares de trabalhadores e crianças, aliás, uma parte considerável dos citadinos de Bissau é obrigada a andar de porta em porta ou de bairro em bairro a pedir aos vizinhos ou são obrigados a utilizar agua imprópria para o consumo.  
 

DEFICIENTES 
 

O Progresso e a conquista da igualdade entre deficientes e pessoas normais constitui uma questão de direitos humanos e uma condição para a justiça social, o que significa que, não deve ser encarado isoladamente como mero assunto dos deficientes e não da sociedade. Este assunto deve merecer a atenção de todos, sem excepção, pois só assim podemos construir uma sociedade desenvolvida, justa e sustentável. 
 

O acesso ao ensino, saúde, poder, etc.… pelos deficientes e a igualdade entre estes e pessoas normais são igualmente pré-requisitos para alcançar a segurança social, politica, económica, cultural e ambiental entre todos os cidadãos. 
 

A deficiência em geral e muito particularmente nas crianças deve passar necessariamente por uma ampla campanha de sensibilização e educação das populações no sentido de um melhor conhecimento das deficiências, da sua prevenção e do apoio a dispensar aos portadores da mesma. 
 
 

Um programa de educação cívica integrado no programa de alfabetização, educação e informação dos cidadãos fortemente apoiado pelos órgãos da comunicação social, particularmente a rádio e televisão poderia ser um meio acessível desde que as partes intervenientes se disponham a coordenar os esforços e a orientá-los para os objectivos e metas bem definidos. 
 

Esta campanha de educação cívica é bem necessária no país tanto mais que a deficiência é integrada ainda a luz de um certo misticismo e o deficiente tratado de forma discriminatória. Para certos grupos étnicos, a deficiência pode ser fruto da irra do irã, a violação de um pacto, o resultado de adultério, etc…a ignorância em relação a criança deficiente pode chegar mesmo ao ponto de ela ser abandonada a margem do rio como teste da sua autenticidade como ser humano ou como um ser maléfico, prova que já tiveram desfechos bastante dramáticas com o desaparecimento da criança devorada por animais ferozes, como, entretanto poucos, desenlaces felizes com a recolha oportuna da criança por parte das pessoas mais lúcidas. 
 
 

EDUCAÇÃO DA CRIANÇA DEFICIENTE 
 

Embora o ensino especial pode ser encarado como um objectivo ao longo prazo, as atenções da Liga, a curto prazo, são dirigidas para não só para as organizações de apoios educativos especiais para as crianças deficientes que apesar de todas as adversidades conseguem, por meios próprios e com ajuda dos pais ou encarregados de educação, ter acesso as instituições de formação no país, como também para aqueles que podendo frequentar o ensino, mas não o fazem por carecerem de certos meios como por exemplo, os de locomoção, os didácticos ou de apoios alimentares e medicamentosas. 
 

Portanto, uma primeira etapa ao alcance das nossas limitadas possibilidades, poderiam visar o aumento do grau de acessibilidades dos deficientes aos estabelecimentos do ensino, no quadro de uma politica de integração visando conferir aos deficientes as mesmas condições de realização e de aprendizagem sócio-cultural independentemente das suas condições ou dificuldades. 
 

Deve-se pautar por uma politica de ensino e educação democrática no país, isto é, o país terá que adaptar-se gradualmente a variedade das características das nossas crianças. Como instituição para o progresso social não poderá continuar a rejeitar, a escorraçar ou segregar aquelas crianças que não aprendem como as outras, a excluir sistematicamente os deficientes ou a ignorar a sua presença e o seu direito de participar no processo educativo. 
 

Para o efeito, necessário se torna encarar a formação dos professores e a consequente introdução de conteúdo programáticos específicos no curriculum das escolas normais de formação. 
 

O reforço da capacidade das associações dos deficientes e ONG’s, deve merecer a preocupação do Governo, cabendo-lhe a criação de condições propícias para o desenvolvimento das suas acções.

Os deficientes em geral não gozam na Guiné-Bissau, dos necessários apoios públicos especiais que tenha em conta a natureza das suas deficiências. 
 

Uma das lacunas neste capítulo é a falta de uma politica nacional de prevenção, reabilitação e enquadramento sócio-profissional dos deficientes e também de uma legislação específica.  
 

Na Constituição da República a única alusão ao deficiente é feita no seu artigo 5º, porém num quadro restrito ao Combatente da Liberdade da Pátria, o que reflecte a insensibilidade do estado para com esta questão. 
 
 

SISTEMA JUDICIAL GUINEENSE 
 
 

Trinta e três anos passaram depois do 24 de Setembro de 1973 que a Guiné-Bissau tornou-se um país livre e independente, em Madina de Boé, aliás, foi assim que ficou assinalado o cumprimento do programa mínimo do PAIGC, partido que dirigiu a luta armada. 
 

Com mais de 30 anos de independência foram feitas varias conquistas, na medida em que hoje se proclama um Estado Soberano, Laico, de Direito, Social, Democrático e Pluralista, assente no princípio de separação de poderes e respeito pela protecção dos valores Humanos e, como é regra, não podia deixar de assumir como um Estado de pleno direito no concerto das nações e, em contrapartida, assumindo as correspondentes obrigações de respeitar os valores mundialmente aceites, ao contrário dos Estados absolutos, autocráticos e ditatoriais onde ninguém verdadeiramente tem direito, face ao Estado. Aliás, nestes últimos, o Estado dá emprestado os direitos e liberdades, ficando com poderes de, a qualquer momento, retira-los ao seu bel-prazer.

Nesses tipos de Estado não se pode falar de protecção ou garantia de segurança, uma vez que não existem tribunais independentes. Em suma o Estado come os seus próprios filhos. 
 

A Guiné-Bissau assume hoje o compromisso interno e internacional, através da sua lei fundamental, (a “Constituição”) e Leis Internacionais, – de respeitar esses valores inerentes a pessoa humana, digno da sociedade moderna, criando e aceitando normas que vão neste sentido. Mas não basta que se crie as normas, elas requerem uma aplicação correcta.

 

Hoje é pacificamente aceite que os Direitos Humanos não são apenas e só, uma questão interna dos Estados, como defendia os que comungavam a corrente da “ DOMESTIC AFFAIR”, mas interessa também a comunidade internacional, na senda dos que alimentam a “INTERNACIONAL CONCERN”, em que a Guiné-Bissau também faz parte. Tem se assistido a um movimento internacional no sentido de criar um sistema que melhor garante a protecção dos direitos fundamentais, do qual a Guiné-Bissau não está à margem, devendo criar condições objectivas e subjectivas para que o sistema funcione, e bem. 
 

No entanto e com todos esses compromissos, a Guiné-Bissau não deixou de ser um país violador dos Direitos Humanos, tem um sistema judiciário e da administração da justiça em geral que deixa ainda muito a desejar e, em consequência, a concretização dos Direitos fundamentais são postos em causa. 
 

Os direitos humanos só serão reforçados e bem protegidos quando o sistema funciona convenientemente. Há factores endógenos e exógenas que impedem que, realmente, o sistema da justiça Guineense seja funcional, a começar na própria organização e funcionamento das duas magistraturas, nas leis, nos quadros que asseguram o seu funcionamento etc.…  
 
 
 

ALGUNS FACTORES DO ESTRANGULAMENTO E INSUCESSOS DO SISTEMA JUDICIÁRIO 
 

Nos tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo, cfr. O artigo 119º da Constituição da Republica. Através deles os direitos fundamentais obtêm uma protecção concreta, através da sua aplicação e concretização correcta, ou seja, a base para uma boa sentença ou acórdão, jurisprudência está numa boa interpretação e aplicação da norma sendo que, para o efeito, os magistrados e outros actores judiciais devem estar todos preparados. 
 

  1. A organização judiciária Guineense

 

  1. O Ministério Público

 
 

O Ministério Público, cujo papel fundamental, também neste processo de administração da justiça lhe cabe, quer através de desempenho das suas funções como fiscal da legalidade, quer enquanto titular da acção penal. É uma magistratura unitária que ainda carece de quase tudo para se afirmar enquanto tal, nomeadamente carência dos magistrados formados em direito, falta de condições de trabalho, o que só ajuda a premiar a impunidade, pondo em causa os direitos fundamentais.  
 
 

  1. Independência dos Magistrados (dos tribunais e do Ministério Público)

 
 

É um valor ainda por conquistar, não obstante estar prevista formalmente na Constituição, porque nem os tribunais, nem a magistratura do ministério público serão livres sem que antes os seus magistrados estejam livres. Muitas das vezes esta independência depende tão exclusivamente dos factores intra pessoal dos magistrados que apenas deveriam estar comprometidos com a lei e orientado pelo desígnio da justiça, não permitindo ingerência de quem quer que fosse no exercício soberano da sua nobre função, embora em alguns casos possa ser também condicionada pelos factores externos, nomeadamente a pressão dos órgãos do poder político. 
 

Um dos exemplos da supra referenciada falta de independência resulta do facto do Procurador-geral da Republica, ser nomeado e exonerado pela mera conveniência do Presidente da Republica, o que já por si só constitui um factor da limitação da sua intervenção e independência, uma vez que esta magistratura é hierarquizada. O facto de não ter um mandato ou seja ele pode ser a qualquer momento destituído ou exonerado, sobretudo quando esteja a constituir entraves para quem ou aqueles que o nomearam. Este facto prejudica o sistema, atento o papel do Ministério Publico no funcionamento do sistema, pelo que urge alterar este quadro.  
 

  1. Acesso à Justiça.

 
 

Não deixa de ser verdade que os cidadãos não têm acesso a justiça, não obstante, ser um direito constitucionalmente consagrado. Temos escassez dos Tribunais Regionais para responder as necessidades das populações nas zonas rurais, obrigando as pessoas a recorrerem a justiça privada como forma de verem reconhecidos os seus direitos. O desconhecimento dos mecanismos de obtenção do patrocínio judiciário constitui também outro dos motivos justificam as dificuldades de acesso a justiça. 
 

      5- As Leis 
 
 

Não constitui segredo que a Guiné-Bissau neste momento está a contar com varias leis que regem a vida dos seus cidadãos, mas que já não acompanham a dinâmica e a evolução da sociedade, carecendo assim de revisões, em alguns casos urge até a criação de novas leis, isto para acompanhar e reajusta-las aos novos valores universalmente exigidos. 
 

Os códigos Penal e processo penal, Códigos Civil, das Custas, do processo civil e do procedimento administrativo são algumas das legislações que carecem de revisão. 
 

Com isso não se pretende tirar mérito aos esforços que estão sendo levados a cabo pelo Instituto da Reforma Legislativa da Faculdade de Direito de Bissau, que pelo contrário devia ser apoiado.  
 

  1. Execução das Penas.

 
 

Aqui está o grande “handicap” do nosso sistema judicial, porque de nada vale uma justiça que se resume apenas na interpretação e aplicação de leis, sem condições objectivas para punir os infractores. Parece caricato, mas é real, a Guiné-Bissau, em pleno século XXI, tecnicamente não possui nenhuma prisão neste momento, o que fomenta e incentiva a criminalidade e alimenta a impunidade.  
 

Alguns daqueles que foram privados da liberdade são presos em condições desumanas e chocantes, ferindo seriamente os princípios universais dos direitos humanos subjacentes ao direito penal, porque como é sabido, hoje, as penas não visam uma medida retributiva para reprimir os violadores da ordem jurídica (leis), mas sobretudo visa objectivos de ressocialização ou seja de reinserção social. 
 

      6- Corrupção e Impunidade 
 

Hoje não constitui motivo de aberração nem é segredo para ninguém que na Guiné-Bissau a corrupção é generalizada, alias o último relatório da ONU reafirma esta realidade em pura evidência. 
 

A corrupção tem vindo a ser um flagelo para esta sociedade, com o agravante de que tomou corpo e alma nos próprios administradores da justiça, para não falar de todo o aparelho administrativo, que acaba sendo apenas a consequência da causa mãe, “a justiça”.  
 

A promiscuidade dos militares na arena politica, as constantes ondas de instabilidades no país tem criado condições favoráveis para a impunidade, e sobretudo nos típicos crimes de colarinho branco, nomeadamente, peculato e administração danosa etc. 
 

Hoje, esses crimes não são punidos pelo facto de terem como agentes, governantes, políticos, militares e paramilitares, que engrossam e lideram a lista dos intocáveis, dando panos para a manga a impunidade desses agentes perfilando um leque cada vez mais longo dos crimes não puníveis, e consequentemente imunes as censuras jurídico-penais. 
 
 

AS FORÇAS DE DEFESA E SEGURANÇA 
 

A Constituição da República define claramente que as Forças Armadas são instrumento de libertação nacional ao serviço do povo, e são instituição primordial de defesa da nação. 
 

Incumbe-lhes defender a independência a soberania e a integridade territorial. São apartidárias e devem obediência aos órgãos da soberania constitucionalmente constituídos. 
 

AS Forças de segurança por sua vez têm por missão, defender a legalidade democrática, garantir a segurança interna e proteger os direitos e patrimónios dos cidadãos.   
 

Contrariamente ao preceituado na Constituição da Republica, as Forças de Defesa e segurança constituem factores de definição do rumo político do país. As sistemáticas interferências nos assuntos correntes da governação, no Poder judicial e os abusos de poder, são factos notórios que continuam a marcar de forma negativa a conduta de alguns dos seus efectivos ao mais alto nível, contribuindo para a instabilidade permanente e a ausência de paz no país. 
 

Corroboram nessa conclusão, as sucessivas subversões e alterações de ordem constitucional protagonizadas pela classe castrense com alguma manipulação politica, o que tem causado prejuízos incalculáveis a Guiné-Bissau. 
 

A crise de comando na hierarquia castrense, a existência de facções internas, as detenções abusivas e arbitrárias de alguns soldados e oficiais superiores sem culpa formada, os assassinatos continuam a ser factos caracterizadores da instituição militar. 
 

Nos últimos tempos tem-se notado algum esforço de reconciliação interna, reintegrando alguns efectivos que foram arbitrariamente afastados dos seus postos por mera conveniência de um ou outro Chefe de Estado-maior, ou núcleo de pressão emergente. A liga considera que a suposta reconciliação peca por defeito, por apenas se circunscrever as forças de defesa e segurança e não envolver as organizações representativas da sociedade civil, aliás para sustentar o argumento ou tese que defende a frouxidão desta tentativa de reconciliação, pode-se apontar como exemplo o facto de o próprio Governo, enquanto responsável pela politica de defesa e segurança, nunca assumiu este processo deixando-o a mercê dos caprichos da hierarquia militar, integrando ou não pessoas conforme a conveniência do regime castrense. 
 

Do outro lado, não se pode falar de reconciliação e ao mesmo tempo o Chefe de Estado-maior General das Forças Armadas, por mero despacho, expulsa mais de três dezenas de Oficiais Superiores e Subalternos, acusados de corrupção, sem que haja nenhum processo disciplinar e judicial que prova os factos alegados, o que faz ressuscitar os argumentos da existência de ajustes de contas no seio da classe castrense. 
 

Reforça esta possibilidade o facto de os senhores exonerados ilegalmente pelo Chefe do Estado-maior General das Forças Armadas na sequencia do caso seis (6) de Outubro que culminou com o assassinato cruel do então Chefe de Estado-maior General das Forças Armadas, Veríssimo Correia Seabra e Domingos de Barros, fazem parte dos quadros superiores militares com reconhecida formação e qualificação. 
 

No quadro de conflito militar na zona fronteiriça de São-Domingos, em que as Forças Armadas da Guiné-Bissau, defenderam a integridade territorial, cumprindo assim com os objectivos traçados pela constituição, desalojando os elementos da facção independentistas de Casamance (MFDC), liderado pelo dissidente Salif Sadjo, prenderam nos finais de Abril e princípios de Maio, doze (12) pessoas entre as quais cinco (5) militares e sete (7) civis acusados de colaboração com os independentistas factos que nunca foram provados no juízo. Estes indivíduos continuam presos ilegalmente, sem culpa formada encontrando alguns num estado crítico de saúde, sendo que um deles já faleceu (Bubacar Tonton Badji).  
 

O fenómeno do contrabando dos estupefacientes começou a generalizar-se um pouco por todo o território nacional com o cunho e protecção das Forças de Defesa e Segurança caminhando a passos largos para a sua institucionalização no país. Aliás este facto vem sendo denunciado pelos diferentes responsáveis políticos e organizações da sociedade civil incluindo o próprio Presidente da Republica. Há informações de alegado vai e vem de pequenas aeronaves (avionetas) na zona sul do país concretamente nas localidades de Cufar transportando quantidades de drogas.     
 

 

FUNCIONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES 
 

Com a realização das últimas eleições presidenciais, consideradas livres justas e transparentes o país voltou a normalidade constitucional na medida em que todas as instituições políticas passaram a ter a legitimidade popular. 
 

No entanto como resultado das exageradas metas politicas ocorridas no período da campanha eleitoral, o Presidente da República, General João Bernardo Vieira, apoiado por um espaço de concertação criado pelos seus apoiantes, denominada “ Fórum de Convergência democrática” derrubaram o então governo de PAIGC, liderado pelo Sr. Carlos Gomes Júnior, igualmente líder do partido vencedor das eleições legislativas com maioria relativa. 
 

Os ideólogos desta forma de interpretar a constituição com base numa lógica duma maioria superveniente, viram os seus intentos materializados com um esperado decreto presidencial que exonerou o então chefe do governo e consequente queda do mesmo invocando uma grave crise política, abrindo assim caminhos para a formação de um novo executivo com base representativa dos partidos e individualidades que apoiaram a materialização dos projectos político do actual Presidente República. 
 

Com a formação e entrada em funcionamento deste governo chefiado pelo Sr. Dr. Aristides Gomes, ex-director de campanha do presidente eleito, o país começou a ensaiar ciclos de crises se calhar de dimensões mais acentuadas das que foram invocadas para o derrube do governo do PAIGC, por um lado entre o governo e a Assembleia Nacional Popular (ANP), por outro entre este último e o poder judicial, para alem de constantes conflitos sócio-laborais, entre o governo e as organizações representativas dos trabalhadores. 
 

O executivo é acusado de arrogância, ausência de dialogo entre os diferentes actores da vida politica e social por falta do seu impulso, falta de transparência na gestão dos fundos públicos, factos que estão a dificultar sobremaneira o seu relacionamento com as instituições da Breton Woods, nomeadamente o FMI e o Banco Mundial, aliás este último suspendeu o apoio multi-sectorial de infra-estrutura devido a indícios de corrupção. 
 

A mesa de Assembleia Nacional Popular (ANP) por sua vez recusou acatar a sentença do Tribunal Regional de Bissau que ordenou a substituição de alguns deputado independentes do PAIGC, PRS, e do PUSD, facto que levou um grupo de deputados avançar embora de forma ilegal com a substituição da Mesa da ANP.

 

Assim, todas as instituições democráticas vão se fragilizando cada vez mais pondo em causa a imagem e credibilidade do país a olhos da comunidade internacional. 
 

Não obstante o agudizar da crise política e social na Guiné-Bissau, houve momentos em que o Presidente da República enquanto o primeiro Magistrado da Nação, se embrulha num silêncio absoluto eximindo-se, assim das suas nobres funções de garante da unidade e de equilíbrio nacional, ensombrando sobremaneira o seu magistério. 
 
 

Neste cenário de ausência de diálogo entre as instituições da soberania, as incertezas sobre o futuro risonho aumentou para os guineenses enquanto a estrema pobreza, a má gestão da coisa pública, a violação sistemática dos direitos humanos, ganhou proporções alarmantes ameaçando a paz e estabilidade nacional que o país tanto almeja.

 

Relatos de Violação dos Direitos Humanos nas Regiões do País 
 
 

REGIÃO DE GABÚ 
 

Em Janeiro deste ano registou-se nesta região um tipo de assassinato que o país nunca conheceu desde a independência: uma mulher de 30 anos, Fatu Sane foi encontrada morta, degolada no seu próprio quarto, por um jovem de nome Amadu Mane, alegando razões amorosas. A Liga acompanhou o triste cenário, fez as suas denúncias e, foram julgados no tribunal regional todas as pessoas ligadas ao assassinato. Caso julgado mas ate de momento Gabu não conheceu a sentença do autor confesso do crime. Também no mês de Março de 2006, a irmã mais velha mata o mais novo com punhaladas de arma branca.

Nesta região é muito frequente o crime de Homicídio entre os populares, isto por causa de ladroes, casamentos precoces e ilegais, proprietários das quintas, comercialização da castanha de caju, pastores de gado e principalmente na altura da colheita. Ainda no sector de Pirada uma mãe desesperada porque o marido não reconheceu o seu filho como pai resolveu administrar uma substância venenosa e matou o filho. Num outro sector ainda na mesma região de Gabu, é frequente ver os caçadores a confundirem as pessoas a noite com os macacos e nesta situação já ceifaram muitas vidas humanas, e ninguém fez nada para sanar esta situação apesar de receberam varias denuncias. E por fim um jovem matou a queima-roupa a sua cunhada e pós em fuga e refugiou-se nas matas de colinas de Boe mas que veio a falecer mais tarde porque permaneceu la 90 dias com a esposa e o filho de 4anos. 
 

REGIÃO DE QUINARÁ 
 

A região de Quinará uma das mais remotas do país onde certas práticas consideradas hediondas no mundo civilizado, ainda continuam a ser consideradas correntes e aceites por uma sociedade onde cada qual cuida de si, onde o Estado providência é considerado uma blasfémia e Estado autoridade é apenas uma utopia psiquiátrica e ridícula. 
 

No ano 2006, por causa de acusações de feitiçaria ou seja, num bom português, de bruxaria, um senhor que respondia por Cinho Bissotchna, foi brutalmente assassinado na sua própria residência por grupo de jovens identificáveis da aldeia de Bissasma-Cima. 
 

No mês de Novembro do mesmo ano, o mesmo grupo de jovens da mesma aldeia voltaram a assassinar Fidaiba Bidamba, na sua própria residência. As duas vítimas tinham uma idade de aproximadamente 55 aos 62 anos. 
 

Arafam Indjai, depois duma acesa discussão com o próprio irmão de nome Braima Indjai, decidiu tirar-lhe o bem mais precioso que é a vida. 
 

N`ban Bissaba de 76 anos de idade, foi morto por um grupo de jovens de Bissasma alegadamente por prática de actos de bruxaria. 
 

Ainda em Outubro do ano 2006 o cidadão Balaque Tchughana, foi medonhamente espancado até a morte por ter cometido o “crime “ de bruxaria. O “tribunal” de jovens da aldeia de Ojufa, aplicou a pena máxima encarregando-se os mesmos de axecução da sentença. A mesma sorte tiveram os malogrados Sumba Dam, de 78 anos de idade, Sana Natchende de 38 anos de idade.  
 

O sector de Tite é caracterizado por ser o que maior índice se apresenta em termos de homicídios por acusação de bruxaria, os autores quase nunca são chamados a responder em tribunal alias até por sinal nem se quer existe tribunais em todo a sector. 
 
 

REGIÃO DE OIO 
 

A situação dos direitos humanos na Região de Oio continua a merecer uma grande preocupação por parte dos activistas da liga na Região. Não obstante se tenha reconhecido que houve alguma melhoria no que diz respeito à actuação das autoridades nomeadamente polícia e o tribunal, ao contrário do que se verificava antes, graças aos trabalhos de sensibilização que a Liga tem levado a cabo no tocante aos direitos liberdades e garantias.  
 

A maior parte de situações de violações dos direitos humanos no que tange aos direitos liberdades e garantias se verificam entre as populações. 
 

Júlia Quasse, de 18 anos de idade, no dia 24 de Janeiro de 2006, foi vítima de açoites e amarada pela Tia e o marido desta com uma corda na garganta que a causou sérios ferimentos, assim como também foi obrigada a abandonar os estudos. Tudo isso pelo facto dela se ter recusado casar com o marido da própria Tia segundo os usos e costumes da sua etnia.  
 

Pansau Simão, um jovem de apenas 20 anos de idade, foi violentamente espancado até a morte pelos senhores Tambura Bsau e Sumba Bsau no dia 22 de Novembro de 2006, no sector de Nhacra, situado há 30Km de Bissau, por alegadamente ter furtado um gado. Os autores deste crime hediondo alegaram que já tinham avisado a vítima dias antes para se evitar as movimentações que tinha estado a fazer nas imediações da tabanca.

Não obstante as sucessivas denuncias que a Liga tem feito, o Ministério Público, enquanto titular de acção penal, nunca ordenou alguma diligência no sentido responsabilizar criminalmente os autores deste acto bárbaro e desumano. 
 

Safiatu Djassi, menor foi vítima de abuso sexual por parte do senhor quécuto Sissé, maior de 27 anos  de idade no dia 14 de Janeiro de 2007.

 

REGIÃO DE BIOMBO 
 

Mariano Ié, de tabanca de Quita, foi vítima de ofensas corporais com arma branca (catana) pelo senhor Cesário Cá, onde ficou amputada de um dos membros do corpo (perdeu o braço direito). Tudo aconteceu quando Mariano tentava proteger a mulher do Cesário que estava em briga com o marido, o que lhe valeu a perda dum braço. 
 

Uma jovem de nome Elsa Té, foi espancada no mês de Novembro por ter recusar um casamento a que os seus familiares lhe impuseram. Esta prática é muito frequente na região, sendo esta apenas um dos vários casos do tipo que diariamente acontecem na região.

 

SECTOR AUTÓNOMO DE BISSAU 
 

Em Fevereiro do ano 2006, as forças de defesa e segurança, lançaram uma operação denominada “caça ao homem” em Bissau, efectuando vistorias e buscas ilegais nas residências dos cidadãos na calada da noite, perturbando a privacidade das pessoas sem que tenham para o efeito qualquer mandado judicial. 
 

Na sequencia da operação militar levado a cabo pelas forças armadas da Guiné-Bissau, alegadamente para expulsar os elementos da facção das forças independentistas de Casamance (MFDC) liderado pelo Salif Sadjo, do nosso território, o Estado-maior das Forças Armadas, procedeu a detenções de pessoas nos meados de Março à Maio do ano 2006, entre os quais cinco militares e sete civis, foram encarcerados nas prisão da Base Aérea de Bissau. Estas pessoas se encontram já há cerca de um ano em condições infra-humanas sem contudo serem apresentadas a justiça. Depois da pressão da Liga três deles foram acusados, tendo a Liga já conseguido, através da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau, dois advogados oficioso para os defenderem já que não têm meios financeiros para suportar os encargos relativos aos honorários advocatícios. Igualmente a Liga conseguiu um advogado pela mesma via para o efeito de procedimento de habeas corpus para os restantes nove detidos sem culpa formada (vide a lista em anexo). 
 

Nos meados de Maio de 2006 quatro cidadãos Gambianos foram presos em Bissau, acusados de tentativa de desistabilizar o regime de Iaia Jameh. Desde esta data, estes cidadãos se encontram em regime de incomunicabilidades, havendo pressões por parte das autoridades Gambianas com vista as suas extradições possibilidade já vedada    pelo Tribunal Regional de Bissau que através de uma sentença datada de 24 de Janeiro de 2006, dá por improcedente o pedido, por ser inconstitucional (vide a lista em anexo). 
 

No dia 28 de Agosto 2006, o comodoro Mohamed lamine Sanha e Tenente Coronel Almame Alam Camará , foram detidos nas suas respectivas residências a mando do tribunal Regional Militar de Bissau, sem qualquer mandado de detenção, acusados de atentarem contra a segurança de Estado e contra a integridade física do Chefe de Estado Maior General das forças Armadas, General Tagmé na Waye. Dois dias depois foram postos em liberdade sem que sejam instaurados quaisquer processos judiciais. É de salientar que os dois vinham sendo perseguidos desde o caso 22 e 23 de Outubro  de 2001, que culminou com a morte brutal do brigadeiro Ansumane Mané líder da ex-junta militar. 
 

No passado dia 21 de Novembro de 2006, mariama Candé, de 13 anos de idade, filho de amadou Candé, foi sexualmente violada por um homem de 47 anos de idade de nome Pate Balde. O caso foi entregue ao tribunal de sector de Bairro Militar que por sua vez remeteu o processo ao Tribunal Regional de Bissau, mas até a presente data não foi feita a justiça. 
 

Duas crianças Talibés, nomeadamente Ussumane Balde de 11 anos e Braima Balde de 10 anos respectivamente, que tinham sido levadas para Senegal no sentido de aprenderem o alcorão, abandonaram os seus mestres em Dakar, no passado dia 20 de Novembro de 2006 devido aos maus-tratos que lhes foram submetidas pelos respectivos mestres, fizeram uma longa trajectória a pé para fugir dos seus cativeiros o que lhes causaram feridas nos pés antes de serem resgatadas por um motorista e activista da liga que as entregou na nossa sede Nacional. Neste momento as duas crianças encontram –se nas casas dos sues familiares sob vigilância da Liga e apoio financeiro da AMIC. 
 

No dia 3 de Dezembro de 2006 Drª Catarina Ribeiro Shwarz da Silva foi violentamente espancada por um grupo de militares afecto a Marinha de Guerra Nacional, alegadamente por estarem a efectuar rusgas para detectar uma operação de narcotraficantes. A agressão resultou em sérios prejuízos no seu estado de saúde nomeadamente contusão craniana, contusão na bacia, hematomas na região accipital etc…, para além de ter sido roubada os seus objectos de uso pessoal tais como um telemóvel e uma máquina de fotografia digital. Os autores destes crimes continuam a deambular impunemente apesar da denúncia da Liga.

No dia 14 de Dezembro de 2006, um grupo de indivíduos supostamente fardadas tentaram assassinar o Dr. Silvestre Alves, líder do Movimento Democrático Guineense (MDG), a agressão causou ferimentos graves a vitima para além da destruição parcial da sua viatura. Os autores puseram-se em fuga sem que haja qualquer iniciativa por parte  das autoridades competentes no sentido de serem perseguidos e consequentemente capturados para enfrentarem a justiça. É de salientar que Dr. Silvestre Alves vem protagonizando contestação contra o actual regime pela forma como tem conduzido o país.

REGIÃO DE TOMBALI 
 
 

A situação dos Direitos Humanos continua a ser preocupante nesta região sul do Pais.

No passado dia 17 de Janeiro de 2006 um grupo de jovens da tabanca de Botche Cul sector de Bedanda, região de Tombali raptaram três indivíduos desta mesma tabanca, acusados de bruxaria contra uma criança que entretanto faleceu, e levaram-nos para um lugar onde os espancaram fortemente.  
 

Dias depois, isto é no dia 25 de mesmo mês a noite, um Senhor de nome Sene Câmara abusou sexualmente de uma criança de 14 anos de idade, mas o caso foi comunicado imediatamente ao tribunal daquela jurisdição. Por isso a Liga apela e exige o Governo no sentido de implantar os tribunais nos sectores de Bedanda, Komo e Cacine, que sejam julgados todos os processos crimes pendentes no tribunal regional de Buba e ainda que sejam implantados um tribunal regional no Tombali, uma esquadra de polícia e melhorar sobretudo as condições precárias das prisões. 
 

Conclusões/ Recomendações  
 

Em termos de conclusão, temos a dizer que, a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, continua a ser preocupante pelo que urge tomar medidas por forma a criar uma maior consciencialização do dever do respeito pelos direitos humanos na medida em que se tal não acontecer o processo de desenvolvimento tão falado e almejado estará cada vez mais comprometido, aliás como é sabido as constantes violações dos direitos humanos é o principal factor de instabilidade política e social na Guiné-Bissau, isso para não falar da pobreza urbana e rural. 
 

A reconciliação da família Guineense deve constituir um projecto nacional e prioritário a ser abraçado por todas as franjas da sociedade. Ao Governo caberá definir uma política nacional eficaz e séria de defesa e protecção dos direitos humanos onde serão criados mecanismos e condições para a sua materialização através das organizações não governamentais que actuam no sector, com isso para obviar que a preocupação da defesa e protecção dos direitos humanos, não deve ser apenas e exclusivamente das ONG(s), mas sim de toda a sociedade que deve inspirar na sobredita política nacional. 
 

A Liga guineense dos Direitos Humanos, como no passado tem um papel primordial no processo de sensibilização de todas as forças vivas da nação, e em especial aos potenciais violadores dos direitos humanos, isto apesar de os sucessivos governos teimam em não reconhecê-la o estatuto de organização de utilidade pública.  
 

A Guiné-Bissau continua, infelizmente, a ser um dos países onde a violação dos direitos fundamentais é perpetrada de forma abusiva e flagrante sem que as vítimas tenham mecanismos eficientes de se ressarcirem da violação de que foram alvos. 
 

A Liga Guineense dos Direitos Humanos tem feito tudo para ser a voz daqueles que não a tem. Temos a consciência das dificuldades que nos esperam pela frente, tendo em conta a falta de meios com que nos deparamos, (trabalhamos com meios próprios de cada membro da Direcção,) mas é nossa determinação defender os direitos humanos independentemente da condição de que dispomos. 
 

Tem havido perseguições e pressões psicológicas exercidas pelo poder contra os membros da Direcção Nacional da Liga, todavia é nossa convicção ser a voz e o escudo dos mais fracos ainda que isso custe a nossa vida. 
 

No que concerne ao respeito pelos direitos, liberdades e garantias, manifestamos o nosso receio, tendo em conta os últimos acontecimentos que marcaram o fim do ano dois mil e seis. 
 

Prevê-se uma agravação da crise institucional entre os órgãos da soberania, uma vez que o grupo de deputados que exigem as suas substituições prometem executar a sentença judicial que decretou as suas substituições, caso a mesa não o fizer até ao inicio da próxima sessão parlamentar prevista para Fevereiro de 2007, destituindo toda a mesa da ANP incluindo o seu presidente.  
 
 

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