Liga Guineense dos Direitos Humanos
Fundada em 12 de Agosto de 1991
RELATÓRIO ANUAL
ANO
2006
III- Direitos
Liberdades e Garantias
IV- Direitos
Económicos Sociais e Culturais
V- Forças de Defesa
e Segurança.
a) Forças Armadas
b) Polícia de Ordem Pública
VI- Relacionamento
entre os Órgãos de Soberania. Ou funcionamento das instituições democráticas
VII- Sistema
judicial.
VIII- Conclusão
Introdução
Com a realização do III
Congresso extraordinário da L.G.D.H. provocado pela crise no relacionamento
entre os seus órgãos, começou-se a desenhar horizontes risonhos para o
verdadeiro relançamento da organização, na medida em que testemunhou-se o
imprimir duma dinâmica interventiva e menos indiferente a conjuntura que se
vive, contrariando a apatia e a neutralidade que ultimamente veio caracterizando
as suas moribundas actuações, perante o olhar indignante dos seus activistas e
simpatizantes e a resignação dos seus utentes, advogando simplesmente o “Djito
Ka Tem”.
Duma vez para sempre os
dirigentes ganharam a consciência de que quanto mais tempo se gasta na resolução
dos problemas internos, menos se (ocupará a organização dos fins que nortearam a
sua criação, razão pela qual está-se a investir na edificação duma organização
mais sólida e credível susceptível de proporcionar, duma forma neutral (e
isenta, mais confiança do ponto de vista do observador interno como externo.
Porém, a L.G.D.H.,
depois de 15 (quinze) anos da sua existência, alargou a sua perspectiva de
intervenção, abrangendo os direitos Económicos Sociais e Culturais assim como os
Direitos Ambientais, ou seja os Direitos Fundamentais da segunda e terceira
geração, superando as tradicionais intervenções da Liga, apenas no domínio dos
Direitos Liberdades e Garantias, isto porque, é sabido que, a transversalidade e
a interdependência dos direitos fundamentais não é compatível com o seu
fraccionamento.
Tudo isto foi graças à revisão pontual dos estatutos da organização que não só permitiu as referidas extensões do campo de intervenção da Liga, mas que também, reforçou duma forma inequívoca a postura de isenção e de neutralidade que deve caracterizar as suas actuações, traduzida numa nítida equidistância perante questões de natureza político-partidària. O agravamento do art. 10 º dos seus Estatutos é o reflexo do reconhecimento dos erros cometidos no passado, que tiveram como consequência evidentes a perda de confiança na instituição.
Pelo exposto, agradecíamos de antemão as críticas e sugestões que nos venham a ser remetidos, confiante estamos de que o fardo da promoção e defesa dos Direitos Fundamentais é de toda a comunidade, privilegiando sempre o diálogo e a crítica construtiva, podendo, juntos potenciar a fungibilidade dos objectivos a que nos propomos.
Aliás, admitimos a
possibilidade de haver falhas num ou noutro aspecto que o relatório pode não
contemplar, tendo em conta que a actual direcção tomou posse no final do ano
2006 e o relatório trata do ano inteiro.
Contextualização
Apesar de ter
sido concluído o ciclo de eleições nacionais com as últimas presidenciais
realizada em 2005, cujos resultados foram considerados livres justas e
transparentes, mas a situação dos direitos humanos ainda está a quem do
desejado. O país enfrenta graves problemas económicos e sociais com uma justiça
cada vez mais distanciada do cidadão, onde o recurso sistemático a “vendicta
privata” continua a ser o privilegiado.
A governação requer
acções visíveis e tangíveis no plano económico, social jurisdicional; a
corrupção e a impunidade por combater; a administração publica e as forças de
defesa e segurança por redimensionar sem perder de vista a proliferação
intencional de armas por todo o território nacional e em mãos indevidas, o
aumento vertiginosa da criminalidade e abusos de poder que mantêm os cidadãos
numa inquietação e alerta permanente.
A arbitrariedade na detenção e prisão dos cidadãos, a falta de conhecimento dos princípios básicos dos direitos humanos, a desobediência, os atropelos as leis e as regras da democracia, são entre outros, factores que têm cristalizado a violência contra os cidadãos, e, por conseguinte situações que têm dificultado o estabelecimento de um estado de direito que se queira construir.
O aumento de conflitos
na sub-região vem sendo o factor de preocupação, deixando o país mais frágil
para o seu uso como palco de treinos e de acções terroristas internacional,
aliás como já demonstrou a sua fragilidade perante ao flagelo de estupefacientes
porque já não constitui dúvida para ninguém que o país tem sido palco de
estacionamento e transporte de drogas para outros continentes.
Acrescem a essa
situação desoladora, as práticas nefastas e atentatórias a saúde da mulher e da
criança, nomeadamente a mutilação genital que ainda persiste, casamentos
precoces e forçados, situações de violência nas suas diferentes vertentes como:
a física, a psicológica, a domestica e a sexual; o infanticídio ritual; o
abandono. Todos esses males a que as mulheres e crianças são alvos fáceis conta
com a inércia do Estado que por questões de interesses políticos nunca se
atrevem a tomar medidas de natureza político-legislativos sérios que visem punir
os praticantes desses actos e consequentemente proteger as vítimas da camada
mais frágil da nossa sociedade que são sem sombra para dúvidas as crianças e as
mulheres.
A mulher guineense
continua na luta para a sua afirmação, porque marginalizada e longe das
instancias de decisão. Na grande maioria das comunidades ela é relegada a um
plano secundário, exposta a exploração, restringindo-se a um mero papel de
submissão porque de contrário é considerado ofensiva às práticas tradicionais e
religiosas com consequências sérias. Mãe e dona de casa para além de constituir
garante da vida quotidiana na grande maioria das famílias guineenses, os seus
rendimentos superam uma quota de 60%, embora simplesmente ignorado pela
estatística.
Em suma o país enfrenta
momentos que justificam e de que maneira um redobrar de esforços numa educação
permanente, a formação de novas consciências, a transformação de atitudes e
comportamentos tanto de cidadãos comuns como dos titulares de cargos públicos.
É nesse ambiente de
incerteza que, conscientes das dificuldades que se nos impõe a situação,
queremos poder continuar a dar a nossa modesta contribuição para a mudança de
comportamento e de atitudes dos governantes e dos governados.
A publicação do presente relatório acontece num momento de particular importância para o país, por isso oferece-nos, caros leitores analisar, mesmo que de forma sucinta, alguns aspectos ligados aos seguintes sectores da vida nacional:
DIREITOS LIBERDADE E GARANTIAS
A Guiné-Bissau, país de
mais de um milhão de habitantes, situado na costa ocidental do continente,
viu-se obrigada a desencadear uma luta armada que durou 11 anos, para obter a
liberdade dos seus cidadãos perante o jugo colonial português.
Uma luta gloriosa que
tinha como slogan estancar as barbaridades que estavam sendo cometidas pelos
colonialistas portugueses de forma a assegurar a realização dos direitos
fundamentais de todos os guineenses, sem excepção, venha donde vier.
Antes e durante a luta,
o povo viu o seu filho a ser torturado, as suas casas queimadas com todos os
géneros que possam lá estar, a sua liberdade de pensamento censurada, enfim,
todos os seus direitos pisados. Nessa medida a luta teve um papel fundamental no
despertar da consciência dos guineenses sobre a necessidade de exigirem e
protegerem os seus direitos fundamentais.
Foi com este espírito
que todos quantos sentiam esta Guiné no coração se envolveram nessa árdua tarefa
de conquista dos direitos inerentes a todos os seres humanos.
Entretanto a montanha
pariu rato, pois logo após a independência assistiu-se a uma vaga de matanças,
pondo em causa todos os ideais que alicerçaram a luta armada para a libertação.
Instalou-se um regime
de terror no qual o guineense nunca teve liberdade de expressão e de pensamento,
um regime em que se concentra e se centraliza o poder numa pessoa e numa só
formação política. Os direitos políticos não existiam, era reconhecida uma
esfera reduzida de direitos civis, os destinos do povo eram conduzidos por um
grupo de pessoas membros da única formação política existente na altura, que não
soube interpretar e aplicar os anseios do povo.
Este quadro negro dos
direitos liberdades e garantias fundamentais permaneceu até início dos anos 90,
altura em que se operou a mudança do sistema político, adoptando a democracia
representativa.
A partir dessa altura,
operou-se mudanças legislativas no sentido de assegurar mais e melhor a expansão
da personalidade dos cidadãos, reconhecendo-lhes uma esfera de intervenção
relativamente mais ampla.
Entretanto, o
conhecimento dos cidadãos relativamente aos seus direitos era e continua
incipiente, tendo a Liga desempenhado um importante papel na formação e
informação das pessoas, através de campanhas e programas radiofónicos de
educação cívica.
Todavia e não obstante
a abertura política, o guineense nunca teve uma verdadeira liberdade, tanto
assim que em mil novecentos e noventa e oito eclodiu o conflito político-militar
de sete de Junho, consequência de um longo abafar de sentimentos de revolta
contra a forma autoritária como o poder vinha sendo exercido, não obstante na
altura já se vivia numa pretensa democracia.
Essa guerra fratricida
teve consequências trágicas, a todos os níveis, nomeadamente político, económico
e social, mas com maior incidência nos direitos, liberdades e garantias.
Em consequência do
conflito político militar de 1998 emergiu um “poder militar” que pouco
respeitava direitos fundamentais e que conduziu o país até às eleições gerais de
Novembro de 99 que marcou o retorno à normalidade constitucional.
No entanto e apesar da
constituição dos órgãos políticos eleitos democraticamente, a ingerência do
“poder militar” nos assuntos políticos foi intensificando, tanto assim que entre
as eleições gerais de 1998 e as últimas eleições presidenciais nas quais se
elegeu o general, João Bernardo Vieira, o país foi marcado por várias
tentativas, algumas concretizadas, de golpes de Estado subvertendo toda a ordem
constitucional instituída.
ELEIÇÕES
PRESIDENCIAIS DE DOIS MIL E CINCO
Em 2005 fez-se eleições
presidenciais nas quais se elegeu o actual presidente João Bernardo Vieira, cuja
candidatura envolveu uma polémica que acabou dividindo, ainda mais, uma
sociedade já de “per si” fracturada. Essa candidatura foi fortemente contestada
pelo então governo do PAIGC apoiado pela direcção do próprio partido, liderado
pelo Sr. Carlos Gomes Júnior, arrastando com ele uma franja considerável da
população. A questão foi depois resolvida pelo Supremo Tribunal de Justiça que
validou a candidatura, tendo, entretanto, a decisão sido motivos para o PAIGC
realizar cerimónia fúnebre da Justiça guineense por entender que a mesma estava
morta.
A partir daí tornou-se
notável as divergências entre o então Primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior e o
actual Presidente da República, tendo este último demitido o governo dirigido
por aquele vinte e oito dias depois do seu empossamento.
Este mal-estar que se
instalou entre estas duas figuras influentes da nossa classe política, agravado
com o facto do Presidente da República ter escolhido o Primeiro-ministro contra
as indicações do partido vencedor das eleições (PAIGC) e dentre pessoas
dissidentes dessa formação política, afectou o normal funcionamento das outras
instituições gerando em final de 2006 uma crise institucional profunda entre
vários órgãos de soberania com maior incidência no Governo e Assembleia Nacional
Popular.
A gestão destas crises
foi atraindo atenção dos actores políticos que descuraram das outras áreas ou
sectores da vida pública que prendem com direitos fundamentais das pessoas.
Algumas pessoas, apercebendo-se das fragilidades e incapacidade do Estado, foram aproveitando dessa situação para fazer vinganças e retaliações pondo termo à vida das pessoas através de actos bárbaros e cruéis.
Esse aproveitamento é
extensivo à alguns agentes de segurança e das forças armadas que se abrigaram
nos uniformes para ajustarem contas, matando injustamente pessoas em nome da
ordem e da segurança públicas sem que lhes sejam instaurados inquéritos para
apurar as circunstancias em que as mortes se ocorreram.
O sector da segurança é
dos mais caóticos existentes na sub-região. Os criminosos aproveitam-se da
incapacidade da polícia de investigação, de braços com falta de meios de
trabalho e de recursos humanos qualificados, e da escuridão que caracteriza as
noites de Bissau, para cometerem crimes de mais variados móbil.
Num outro prisma, são
os próprios agentes de segurança, encarregues de proteger a integridade física
dos cidadãos e seus patrimónios, que acabam cometendo grande parte dos crimes de
ofensas corporais, em alguns casos graves contra os cidadãos. Esta situação
encontrou um terreno fértil na impunidade que se tem verificado na Guiné-Bissau,
quando seja um agente de autoridade a praticar barbaridades, deixando pairar a
ideia de que os agentes investidos de poder de autoridade estão acima da lei.
Entre as forças de
defesa nacional e as de segurança tem havido um conflito positivo de
competência, acabando as forças armadas por se sobrepor. Aliás em Dezembro
assistiu-se um caso em que um agente de segurança foi espancado em pleno
exercício da sua função supostamente a mando do Chefe de Estado-maior General
das Forças Armadas e levado a frente deste que, por sua vez, o insultou com
todos os vocabulários pejorativos que conhece, pelo facto de aquele ter
interpelado, conforme reza o comunicado da polícia da ordem pública, tornado
público por ocasião da quadra festiva do Natal e Fim do ano, o filho deste que
estava a perturbar a ordem. Este é apenas um exemplo dos inúmeros casos destes
tipos que acontecem frequentemente.
O tráfico e consumo de
droga aumenta, de dia após dia, a um ritmo assustador com a conspiração das
autoridades que muitas vezes se envolvem no tráfico. Tem-se falado na existência
de uma rede de tráfico de droga que integra figuras com funções de Estado, tendo
sido denunciada uma vez a perda de uma grande quantidade de cocaína apreendida e
guardada no tesouro público.
Em termos políticos o
ano 2006 foi marcado por um retrocesso nas conquistas já alcançadas
relativamente aos direitos políticos. Os opositores são cobardemente perseguidos
e espancados por causa das opiniões políticas emitidas, fazendo recrudescer a
violência contra os fazedores de opinião.
O regime político tem
mostrado uma certa inflexibilidade em reconhecer a diferença de ideologias
políticas, considerando simplesmente todos quantos têm uma visão política
diferente como sendo criadores de instabilidade.
O governo tem conduzido
o país com prepotência e arrogância, ignorando os parceiros sociais na tomada de
decisões que prendem com direitos fundamentais dos trabalhadores, mostrando-se
insensível aos mecanismos de concertação social e reage de forma hostil ao
exercício de direito de manifestação pública por parte das organizações da
sociedade civil, o que representa um golpe duro desferido contra a democracia
amputando-lhe algumas faculdades fundamentais.
Ora no Estado de
Direito Democrático, de que a Guiné-Bissau faz parte, a tendência actual é de
alargar ao máximo possível o âmbito da esfera privada através da concessão a
todos os níveis (político, do pensamento, da criação intelectual e artística,
entre outros) duma margem considerável de liberdade, reduzindo ao máximo a sua
intervenção na esfera privada das pessoas na estrita medida do necessário.
Todavia tal não pode nunca servir de pretexto para cada qual fazer o que
entender sem respeitar o exercício de direito do seu próximo, devendo o Estado
manter-se vigilante em relação a qualquer conduta violadora dos direitos humanos
provenientes também dos poderes sociais de facto ou entidades privadas
dominantes.
Assiste-se a uma
instrumentalização dos órgãos de comunicação social públicos e privados.
Relativamente aos primeiros, alguns nomeadamente a televisão e a RDN não cobrem
grande parte de actividades promovidas pelas instituições com visão diferente ou
oposta ao do regime, alegadamente por falta de meios.
Hoje vê-se uma tendência clara de bipolarização das duas grandes rádios privadas do país, uma funcionando a favor do regime outra a favor da oposição e outras organizações da sociedade civil.
Fanado (Excisão
femenina)
A excisão feminina ou
fanado da mulher é uma prática cultural muito antiga dos povos islâmicos e
islamizados que consiste na mutilação de um dos membros do órgão genital da
mulher (clítoris). Esta prática constitui uma das formas mais atrozes e cruéis
da violação da saúde e dignidade da mulher. Como quase todas as práticas
culturais tem os seus aspectos positivos e negativos, não se pretende aqui fazer
uma critica generalizada a todo o fanado na sua vertente cultural mas
simplesmente, demonstrar até que ponto algumas práticas ferem ou entram em
contradição com a lei.
No fanado em especial
excisão (das raparigas), práticas de ofensas corporais e a falta da liberdade na
adesão a essa prática, são alguns dos elementos em que ao nosso ver o costume
entra em choque com o direito positivo.
Este ano foi
catastrófico em termos de números de raparigas excisadas, embora não haja dados
concretos, sabe-se que o número de barracas de fanado aumentou consideravelmente
em comparação com o igual período dos anos transactos, aliás presume-se que só
no ano 2006, mais de duas mil crianças foram excisadas na cidade de Bissau.
Alguns analistas justificam este aumento com o facto de Ministério do Interior
ter dado autorização por escrita as fanatecas para levarem a cabo este ritual.
As autoridades
nacionais tem mantido uma postura de indiferença perante esta atrocidade,
evitando de adoptar medidas que possam colidir com interesses duma parte do
eleitorado, pois tal teria repercussões negativas na carreira política de quem
tenha tomado a decisão.
Ensino da religião (escolas corânicas) Crianças Talibés
Existem muitos casos relacionado com situações de maus tratos que tem a ver com deslocação de alunos para o estudo de religião no interior ou no estrangeiro.
Segundo o entendimento
de algumas famílias, o envio dos filhos junto a grandes mestres em corão a fim
deles poderem aprender os ensinamento dos grande Alá, é uma obrigação dos pais
muçulmanos o que lhes dá acesso directo à glória, explicações como esta e outras
servem de justificação, para que muitas crianças atravessem a fronteira do lar
materno anualmente com destino a maus tratos dos mestres do corão, com
pretexto de serem educados conforme os costumes islâmicos.
Não se põem aqui em
causa a questão da educação religiosa porque se só disso se tratasse, não
levantaria seguramente grandes problemas de conflito uma vez que é a própria lei
que garante a liberdade de ensino de qualquer religião, desde que praticado no
âmbito da respectiva confissão (CRGB art.52 nº3 e CDC art.14 nº 2).
Mas a questão que se
coloca é que a maior parte dessas crianças são obrigadas a trabalhar para
sustentar ou pagar a escola, e são vítimas de todas as formas possíveis de
maus-tratos. Aliás há quem diga que esta é uma nova forma de escravatura que
a nossa sociedade implicitamente aceitou. Elas são quase que abandonadas na
medida em que não conseguem voltar a casa ou porque não podem ou porque temem
faze-lo, visto que um acto deste género pode ser considerado como uma ofensa à
honra da família. Este é um exemplo nítido de exploração de menor sob disfarce
da religião.
Já houve casos de
crianças que acabaram por morrer devido aos maus tratos nesta forma
invulgar de relação laboral com alguma simbiose de trabalho infantil em que o
empregador não proporciona aos menores, as mínimas condições de trabalho nem se
quer se têm em conta a idade, o que afecta grandemente o desenvolvimento físico
psíquico do próprio menor.
Não obstante a
Guiné-Bissau ter aderido, à semelhança de muitos outros Estados africanos e do
mundo, a uma série de tratados internacionais, entre outros, podemos citar a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, Carta Africana dos Direitos do Homem
e dos Povos, Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra a
Criminalidade Organizada, Transnacional Relativo à Prevenção à Repressão e à
Punição de Tráfico de Pessoas, em especial de mulher e criança, a Convenção nº
182 da OIT, a Conferencia Ministerial Regional da CEDEAO/ECCAS sobre a Luta
Contra o Tráfico de Pessoas, Acordo de Cooperação multilateral de Luta Contra o
Tráfico de Pessoas na Africa Central e Ocidental, a problemática da Defesa dos
direitos das Crianças não passa de uma mera intenção política que nunca se
concretiza por falta de vontade política.
A aprovação em 20 de
Novembro de 1989 duma Convenção sobre os Direitos das Crianças (CDC) pela
Assembleia-geral das Nações Unidas, e a sua consequente ratificação pela
Guiné-Bissau através da Resolução 20/90 de 18 de Abril de 1990, constitui um
compromisso importante em direcção a promoção protecção e defesa dos direitos
das crianças guineense. Alias, significa a adopção por parte do Estado de
mecanismos que visam a protecção das crianças.
Não obstante a
ratificação destes importantes diplomas legais, centenas de crianças guineenses,
sob pretexto de aprender o alcorão, atravessam anualmente a fronteira entre a
Guiné-Bissau, Senegal e a Gambia onde são expostas a mendigagem nas ruas e
trabalhos forçados com sérios riscos para os seus crescimentos físico e
psíquico, tornando-se vulnerável aos males como prostituição, delinquência
juvenil, droga e má nutrição.
Essas crianças são
submetidas a uma autentica exploração por parte dos seus mestres onde
diariamente são obrigadas a entregar uma receita de 300 a 500 Francos cfa
(trezentos a quinhentos Fcfa) em dias normais de expediente e 1000 Fcfa (Mil
francos cfa) em todas as sextas-feiras, por ser um dia santo onde a maioria dos
muçulmanos costuma fazer gestos de caridade.
Segundo Aicha Thiam (Forut
2003), produtora do filme sobre crianças Talibés nas ruas de Dakar, (um filme
que fez retrato de como os Talibés são explorados pelos seus mestres) estima-se
a existência de 12.000 (doze mil) crianças Talibés no Senegal, oriundas de
Guiné-Conakri, Gambia e Guiné-Bissau, sendo a maioria esmagadora,
aproximadamente 80%, provenientes do nosso país.
As principais
localidades de concentração de crianças Talibes provinientes da Guiné-Bissau
são: Dakar, Saint Louis, Tchies, Kaolac, Bindjona, Kolda e Zinguinchor, ambas
cidades e vilas da República do Senegal.
A maior parte dessas
crianças pertencem à etnia fula predominante na província leste do país,
concretamente nas regiões de Bafatá e Gabú.
Estima-se que em cada ano mais de 500 (quinhentas) crianças talibés com idade compreendida entre os sete e 15 anos, são transportadas para a República vizinha do Senegal e Gambia com a finalidade acima mencionada.
No final do mês de
Dezembro de 2006, duas crianças Talibés, fartas de maus-tratos a que eram
submetidas pelos seus mestres, decidiram fugir, percorrendo a pé o longo caminho
que separa Senegal da Guiné-Bissau em busca de amparo junto da família no país
de origem. No meio de percurso em direcção a Bissau, essas crianças foram
sucessivamente socorridas pelos condutores de transportes públicos que fazem
ligação Bissau-Dakar e vice-versa que as conduziram directamente para a Sede
Nacional da LGDH, onde receberam assistência. Essas crianças contaram a triste
história do falecimento de um dos seus colegas nos subúrbios de Dakar que caiu
numa varanda alta onde partiu a garganta.
Em colaboração com a Associação de Amigos das Crianças (AMIC) as famílias das vitimas foram identificadas e entregues os respectivos membros onde são acompanhadas regularmente por estas duas organizações. Este caso de revolta e de desespero das crianças Talibés contra os maus-tratos a que são submetidos é apenas um exemplo de muitas loucuras já cometidas em sinal de desespero. Um grupo de crianças Talibés originários da Guiné-Bissau, cansadas da vida que levam, decidiram assassinar o mestre para assim escaparem da escravidão a que estão votadas.
Apesar de ter a
consciência clara desta questão o governo da Guiné-Bissau, nunca tomou
diligencias para pôr cobro a este contrabando das crianças, eximindo de forma
grosseira das suas responsabilidades enquanto entidade responsável pelo respeito
dos direitos das crianças .
Há uma relação nítida
entre o fenómeno das crianças Tálibés com a problemática do tráfico das pessoas
na medida em que dezenas dessas crianças, são dadas como desaparecidas. Aliás o
Protocolo Adicional da Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade
Organizada Transnacional relativo a Prevenção, repressão e a Punição de trafico
de pessoas, em especial de mulheres e crianças, no seu artigo 3º alínea c)
considera tráfico de pessoas “ o recrutamento, o transporte, a transferência, o
alojamento ou acolhimento duma criança para fins de exploração”.
Ora se tomarmos em
consideração a forma dolosa como os pais e encarregados de educação são
convencidos a deixarem partir seus filhos/educandos e a exploração infantil com
que estas crianças são confrontadas, conclui-se que o acto enquadra-se no
tráfico das pessoas, lamentavelmente a Guiné-Bissau não possui leis internas
sobre esta matéria muito menos uma lei que proteja os menores contra este tipo
de práticas.
IV- Direitos
Económicos Sociais e Culturais
DIREITO À EDUCAÇÃO
O Direito à
educação encontra-se inserido na constituição da República da Guiné-Bissau, no
seu artigo 49º, a educação surge como área nobre e vital da intervenção
protectiva do Estado, e é, fundamentalmente, sob o prisma do ensino que o
Estado se ocupa.
Mas, a educação na
Guiné-Bissau é o sector que vem confrontando ao longo dos anos pós
independência, com variadíssimos problemas, alguns dos quais crónicos, cuja
solução dependerá sempre de uma melhor visão e engajamento do governo.
Os objectivos
estabelecidos pela convenção internacional sobre os direitos da criança (CDC)
relativamente à educação, estão muito bem sintetizados no art. 16º da
constituição.
Porém, a sua plena
concretização só será possível quando ao nível nacional forem criadas as
condições mínimas para a adequação do sistema do ensino as realidades do país em
termos de quantidade e qualidade.
Para alem dos aspectos
intrínsecos do sistema do ensino, é necessário que os princípios de respeito
pelos direitos fundamentais, nomeadamente de solidariedade e de fraternidade,
defendida nos discursos políticos e consagrados na lei fundamental do país e nas
convenções e pactos ratificados, sejam observados pelas diferentes instituições
nacionais ou que as bases democráticas em que assentam estes princípios sejam
uma realidade.
As estratégias do
desenvolvimento do ensino aprovadas pelo decreto nº60/88 de 30 de Dezembro
apontam, entre outras as seguintes linhas de orientação:
Essas linhas de
orientação foram traduzidas numa lei, chamada lei de base ou lei-quadro, carece
de um enquadramento mais globalizante, preciso e sistemático.
O sistema nacional de ensino encontra-se estruturado de seguinte forma:
a) Educação pré-escolar
b) Ensino básico
c) Ensino técnico e profissional
d) Educação de adultos e alfabetização
e) Ensino superior
Os esforços até aqui
feitos no sentido da melhoria do sistema nunca tiveram em conta a globalidade
dos elementos que o compõem, o qual já conheceu intervenções, ainda que
temporário, apenas nalguns dos seus elementos, tornando-o assim desconexo e
disfuncional.
Essa deficiência é
agravada pela ausência duma lei de base do sistema educativa indispensável para
uma necessária articulação e coordenação, tanto dos seus próprios componentes
como das iniciativas e actividade educativas.
A desarticulação do
sistema educativa é também notória no que respeita a relação que devia existir
entre a educação, a formação e o sistema do emprego (saídas profissionais) e
outros sistemas sociais, tendo em conta a inexistência da informação e
orientação escolar.
Esta vertente
importante da politica educacional é inexistente no país, apesar da sua
utilidade sobretudo no nosso contexto em que a formação profissional e superior
se processam mais em função das oportunidades que se oferecem do que da aptidão
ou vocação do próprio jovem formando.
A educação, fazendo
parte integral do sector social do país, nunca poderá funcionar isoladamente e
nem furtar-se aos pesados constrangimentos impostos pela precariedade desse
sector e pela complexidade dos seus problemas. O país é, sem dúvida, jovem com
mais de 45% da população com idade inferiores aos 15 anos, sendo que a taxa
média de analfabetismo ronda os 70% e mais de 80% nas mulheres.
Do ponto de vista do
acesso pré-escolar, apenas 19% das crianças, dos 3 aos 6 anos, beneficiam dos
serviços existentes. Para as crianças de 0 a 3 anos não existem serviços
específicos públicos, mas sim de iniciativas privadas.
Do ponto de vista dos
recursos humanos, as condições de incentivos sócio-educativos, tais como baixos
salários, carência habitacional, etc.… têm contribuído para a sua precariedade,
dificultando o recrutamento dos docentes qualificados para as regiões, sobretudo
as mais carenciadas e distantes.
Por outro lado, a qualificação do corpo docente é bastante baixa. Pouco mais de 10% de professores de ensino básico são diplomados. Aliada a fuga de quadros da educação para outros sectores de vida nacional e para o estrangeiro. Como exemplo mais flagrante, é o caso dos docentes que concluíram o curso na escola nacional superior “Tchico Té” , cuja maioria se encontra a leccionar em Cabo Verde.
Considerado o sector
prioritário em todos os governos, os orçamentos afectos a educação nunca
justificaram esta consideração. Por exemplo, 99% das despesas de investimento
são suportadas por financiamentos externos. A dotação orçamental atribuída ao
sector, cerca de 97% são utilizadas para o pagamento do pessoal, sem
possibilidades de suportar outras despesas correntes e muito menos de
investimento na reabilitação e manutenção de edifícios e espaços educativos
bastante degradados quer em Bissau assim como nas regiões.
A baixa taxa de
escolarização a nível do ensino primário, a insuficiente rede escolar, a
insuficiência de professores e a desmotivação do pessoal, a precariedade das
infra-estruturas escolares, a insuficiente quantidade de matérias didácticos,
incluindo manuais e outros meios da educação e do ensino, as grandes distâncias
que separam as crianças das escolas que elas frequentam, em condições de uma
quase inexistente rede de transportes públicos e escolares, são grandes
barreiras que a criança encontra e que torna o ensino pouco acessível,
infelizmente para a maioria das crianças deste país.
A estrutura do sistema educativo não oferece no seu interior muitas opções em termos de formação e o acesso aos limitados níveis existentes é também bastante difícil. As opções a nível superior são poucas e a capacidade de acolhimento das reduzidas instituições de formação superior é ainda muito limitada comparativamente as solicitações. As oportunidades de formação no exterior são cada vez mais raras.
O plano curricular é
obsoleto em comparação com a sub-região, precisando por isso duma reforma
profunda capaz de relançar a competitividade de que outrora o nosso ensino
gozava.
A gratuitidade do ensino básico estabelecida pela Constituição no seu artigo 49º deve abranger mesmo as propinas, as taxas e emolumentos relacionados com as matrículas, frequência e certificação e até mesmo a concessão de livros e material escolar, de transporte, de alimentação e alojamento principalmente para as crianças mais desfavorecidas.
DIREITO À SAÚDE E
AMBIENTE
Não obstante a consagração constitucional do direito à saúde e a consequente incumbência que a constituição comete ao Estado, a situação de saúde pública continua a constituir um problema para o país,
O decreto 32-a/92 de 30
de Dezembro que aprova o estatuto hospitalar, concebe a saúde como um bem
público. Dele se extrai que o direito a protecção da saúde é assegurado pelo
serviço da medicina curativa e de reabilitação.
Este desiderato está
longe de ser cumprido visto que até a presente data o Estado não é capaz de
proporcionar a todos os cidadãos uma saúde condigna, um serviço de saneamento
básico, água potável, higiene, centros de saúde com qualidade de atendimento e
tratamento dos doentes.
Tudo isso aliado a pobreza extrema que assola a população e, apesar de haver medidas conjunturais que possam contribuir para o alívio da pobreza e das diferentes intervenções no domínio social postas em práticas dentro do plano do programa de saúde, esta continua muito aquém das solicitações da população.
O sistema nacional de saúde é confrontado com várias deficiências, nalguns casos graves, pondo em causa a vida das pessoas.
A cobrança de comissões ilícitas aos utentes, a fixação ilegal de taxas moderadoras, a falta de observância de ética e deontologia profissionais por parte de alguns médicos e enfermeiros, a corrupção continuam a ser factores caracterizadores do sistema de saúde guineense, colocando as populações mais vulneráveis em maiores riscos de vida. O mais agravante é a ausência de uma política nacional de saúde no país que devia inspirar do programa nacional de desenvolvimento sanitário aprovado pelo governo.
Assiste-se hoje no hospital nacional Simão Mendes, Maior centro hospitalar de referência no país, um “tsunami” sanitário onde as grávidas são obrigadas a pagar a quantia exorbitante de 50.000 Francos cfa na maternidade para serem submetidas a uma intervenção cirúrgica (cesariana) mesmo nos casos de manifesta ausência de meios por parte dos pacientes.
Aliás já houve relatos nos órgãos de comunicação social que dão conta que ainda este ano uma senhora cujo parto não correu bem, foi obrigada a pagar os tais 50.000 Francos cfa, caso contrário não sairia nem levaria o cadáver do nado morto para enterrar.
O governo, entidade
incumbida de promover o bem-estar social dos cidadãos, revelou-se impotente na
resolução destes e demais outros problemas que o nosso sistema sanitário
enfrenta, colocando o país com maiores índices de taxas de mortalidade
materno-infantil.
Este quadro negativo do
sistema nacional de saúde tende a perdurar por mais tempo na medida em que no
orçamento geral de Estado a saúde publica representa apenas 8%, O que
corresponde a 1% do PIB, sendo metade do nível dos outros países africanos com
baixas receitas sendo que o país não dispõe mais do que um médico por 6.667
habitantes.
As situações de água e
saneamento não são também as mais favoráveis para as nossas populações,
sobretudo nestes últimos anos marcado por um acentuado declínio da pluviosidade
com consequências directas sobre os lençóis subterrâneos Já sujeito as
infiltrações da água salgada em certos pontos do país.
As águas superficiais,
dos rios, das fontes e dos poços tradicionais poucos profundos, foram até 2006 a
principal fonte de abastecimento de 90% da população rural.
Porém, a acentuada
diminuição das chuvas originou o desaparecimento de muitas das fontes de
abastecimento referidas, facto agora comprovado pela necessidade dos poços serem
mais profundos para assim poder ter agua suficiente para abastecer as famílias
durante todo o ano; o crescimento da população é alguns dos factores que
explicam a difícil situação hoje vivida.
O saneamento no Sector
Autónomo de Bissau (SAB) levanta problemas muito complexos com tendência a
agravar-se com a forte pressão demográfica sobre as suas já precárias
infra-estruturas.
A rede de esgotos além
de serem já obsoletos apresentam nalguns pontos misturas entre as fossas
sépticas e as águas pluviais.
Nos bairros da capital,
as condições de saneamento são incompatíveis com o seu acelerado crescimento
demográfico. Muitas casas construídas clandestinamente nestes últimos anos têm
apenas fossas sépticas simples e outras apenas latrinas mal construídas. As
águas utilizadas, os lixos e os detritos são regra geral lançados para as
valetas ou para as estradas. Os depósitos de lixos em decomposição nos
vazadouros públicos constituem focos permanentes de contaminação principalmente
das crianças.
Porém, com a então
Direcção da Câmara Municipal de Bissau, liderada pelo Dr. José Mário Vaz,
essa situação melhorou bastante, porque todos os dias nas principais artérias do
SAB são removidos os lixos.
Nos centros
semi-urbanos, as redes de águas residuais são praticamente inexistentes.
No meio rural, as casas
nem sempre são munidas de latrinas e nas existentes são mal construídas.
Assim, estima-se que as
doenças de origem hídricas são responsáveis por ¾ das doenças transmissíveis e
de mais da metade de óbitos.
Para o bem-estar físico
e mental da população, segundo o art. 15º da Constituição da Republica, é
necessário garantir o estrito equilíbrio entre complementos essenciais da
qualidade de vida (agua – Higiene – Saúde).
Regista-se uma escassez
de agua nos estabelecimentos estatais, principalmente nas escolas onde as
crianças passam muitas horas do dia, para as necessidades de milhares de
trabalhadores e crianças, aliás, uma parte considerável dos citadinos de Bissau
é obrigada a andar de porta em porta ou de bairro em bairro a pedir aos vizinhos
ou são obrigados a utilizar agua imprópria para o consumo.
DEFICIENTES
O Progresso e a
conquista da igualdade entre deficientes e pessoas normais constitui uma questão
de direitos humanos e uma condição para a justiça social, o que significa que,
não deve ser encarado isoladamente como mero assunto dos deficientes e não da
sociedade. Este assunto deve merecer a atenção de todos, sem excepção, pois só
assim podemos construir uma sociedade desenvolvida, justa e sustentável.
O acesso ao ensino,
saúde, poder, etc.… pelos deficientes e a igualdade entre estes e pessoas
normais são igualmente pré-requisitos para alcançar a segurança social,
politica, económica, cultural e ambiental entre todos os cidadãos.
A deficiência em geral
e muito particularmente nas crianças deve passar necessariamente por uma ampla
campanha de sensibilização e educação das populações no sentido de um melhor
conhecimento das deficiências, da sua prevenção e do apoio a dispensar aos
portadores da mesma.
Um programa de educação
cívica integrado no programa de alfabetização, educação e informação dos
cidadãos fortemente apoiado pelos órgãos da comunicação social, particularmente
a rádio e televisão poderia ser um meio acessível desde que as partes
intervenientes se disponham a coordenar os esforços e a orientá-los para os
objectivos e metas bem definidos.
Esta campanha de
educação cívica é bem necessária no país tanto mais que a deficiência é
integrada ainda a luz de um certo misticismo e o deficiente tratado de forma
discriminatória. Para certos grupos étnicos, a deficiência pode ser fruto da
irra do irã, a violação de um pacto, o resultado de adultério, etc…a ignorância
em relação a criança deficiente pode chegar mesmo ao ponto de ela ser abandonada
a margem do rio como teste da sua autenticidade como ser humano ou como um ser
maléfico, prova que já tiveram desfechos bastante dramáticas com o
desaparecimento da criança devorada por animais ferozes, como, entretanto
poucos, desenlaces felizes com a recolha oportuna da criança por parte das
pessoas mais lúcidas.
EDUCAÇÃO DA CRIANÇA
DEFICIENTE
Embora o ensino
especial pode ser encarado como um objectivo ao longo prazo, as atenções da
Liga, a curto prazo, são dirigidas para não só para as organizações de apoios
educativos especiais para as crianças deficientes que apesar de todas as
adversidades conseguem, por meios próprios e com ajuda dos pais ou encarregados
de educação, ter acesso as instituições de formação no país, como também para
aqueles que podendo frequentar o ensino, mas não o fazem por carecerem de certos
meios como por exemplo, os de locomoção, os didácticos ou de apoios alimentares
e medicamentosas.
Portanto, uma primeira
etapa ao alcance das nossas limitadas possibilidades, poderiam visar o aumento
do grau de acessibilidades dos deficientes aos estabelecimentos do ensino, no
quadro de uma politica de integração visando conferir aos deficientes as mesmas
condições de realização e de aprendizagem sócio-cultural independentemente das
suas condições ou dificuldades.
Deve-se pautar por uma
politica de ensino e educação democrática no país, isto é, o país terá que
adaptar-se gradualmente a variedade das características das nossas crianças.
Como instituição para o progresso social não poderá continuar a rejeitar, a
escorraçar ou segregar aquelas crianças que não aprendem como as outras, a
excluir sistematicamente os deficientes ou a ignorar a sua presença e o seu
direito de participar no processo educativo.
Para o efeito,
necessário se torna encarar a formação dos professores e a consequente
introdução de conteúdo programáticos específicos no curriculum das escolas
normais de formação.
O reforço da capacidade das associações dos deficientes e ONG’s, deve merecer a preocupação do Governo, cabendo-lhe a criação de condições propícias para o desenvolvimento das suas acções.
Os deficientes em geral
não gozam na Guiné-Bissau, dos necessários apoios públicos especiais que tenha
em conta a natureza das suas deficiências.
Uma das lacunas neste
capítulo é a falta de uma politica nacional de prevenção, reabilitação e
enquadramento sócio-profissional dos deficientes e também de uma legislação
específica.
Na Constituição da
República a única alusão ao deficiente é feita no seu artigo 5º, porém num
quadro restrito ao Combatente da Liberdade da Pátria, o que reflecte a
insensibilidade do estado para com esta questão.
SISTEMA JUDICIAL
GUINEENSE
Trinta e três anos
passaram depois do 24 de Setembro de 1973 que a Guiné-Bissau tornou-se um país
livre e independente, em Madina de Boé, aliás, foi assim que ficou assinalado o
cumprimento do programa mínimo do PAIGC, partido que dirigiu a luta armada.
Com mais de 30 anos de independência foram feitas varias conquistas, na medida em que hoje se proclama um Estado Soberano, Laico, de Direito, Social, Democrático e Pluralista, assente no princípio de separação de poderes e respeito pela protecção dos valores Humanos e, como é regra, não podia deixar de assumir como um Estado de pleno direito no concerto das nações e, em contrapartida, assumindo as correspondentes obrigações de respeitar os valores mundialmente aceites, ao contrário dos Estados absolutos, autocráticos e ditatoriais onde ninguém verdadeiramente tem direito, face ao Estado. Aliás, nestes últimos, o Estado dá emprestado os direitos e liberdades, ficando com poderes de, a qualquer momento, retira-los ao seu bel-prazer.
Nesses tipos de Estado
não se pode falar de protecção ou garantia de segurança, uma vez que não existem
tribunais independentes. Em suma o Estado come os seus próprios filhos.
A Guiné-Bissau assume hoje o compromisso interno e internacional, através da sua lei fundamental, (a “Constituição”) e Leis Internacionais, – de respeitar esses valores inerentes a pessoa humana, digno da sociedade moderna, criando e aceitando normas que vão neste sentido. Mas não basta que se crie as normas, elas requerem uma aplicação correcta.
Hoje é pacificamente
aceite que os Direitos Humanos não são apenas e só, uma questão interna dos
Estados, como defendia os que comungavam a corrente da “
DOMESTIC AFFAIR”,
mas interessa também a comunidade internacional, na senda dos que alimentam a “INTERNACIONAL
CONCERN”, em que a Guiné-Bissau
também faz parte. Tem se assistido a um movimento internacional no sentido de
criar um sistema que melhor garante a protecção dos direitos fundamentais, do
qual a Guiné-Bissau não está à margem, devendo criar condições objectivas e
subjectivas para que o sistema funcione, e bem.
No entanto e com todos
esses compromissos, a Guiné-Bissau não deixou de ser um país violador dos
Direitos Humanos, tem um sistema judiciário e da administração da justiça em
geral que deixa ainda muito a desejar e, em consequência, a concretização dos
Direitos fundamentais são postos em causa.
Os direitos humanos só
serão reforçados e bem protegidos quando o sistema funciona convenientemente. Há
factores endógenos e exógenas que impedem que, realmente, o sistema da justiça
Guineense seja funcional, a começar na própria organização e funcionamento das
duas magistraturas, nas leis, nos quadros que asseguram o seu funcionamento
etc.…
ALGUNS FACTORES DO
ESTRANGULAMENTO E INSUCESSOS DO SISTEMA JUDICIÁRIO
Nos tribunais são
órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo,
cfr. O artigo 119º da Constituição da Republica. Através deles os direitos
fundamentais obtêm uma protecção concreta, através da sua aplicação e
concretização correcta, ou seja, a base para uma boa sentença ou acórdão,
jurisprudência está numa boa interpretação e aplicação da norma sendo que, para
o efeito, os magistrados e outros actores judiciais devem estar todos
preparados.
Em nome do princípio
da separação dos poderes plasmados na constituição artigos 123º e seguintes,
existem tribunais com competências e funções próprias, que exercem com
autonomia e independência. A organização judiciária consagra as seguintes
estruturas dos tribunais:
Temos na hierarquia o Supremo Tribunal da Justiça (STJ) como tribunal de recurso, que decide em ultima instância, e que ainda desempenha o papel do tribunal Constitucional por falta desta categoria do tribunal;
Segundo a lei
orgânica dos tribunais judiciais (LOTJ) deveria haver uma 2ª instância
denominado Tribunal de Circulo (TC), que não se compreende a razão do seu não
funcionamento até esta data, acabando a sua falta por provocar uma sobrecarga
de processos no STJ que ora faz as vezes do tribunal da 2ª instancia, ora do
tribunal constitucional e ora ainda do tribunal da 1ª instancia
fundamentalmente na matéria de contencioso eleitoral;
Os Tribunais
Regionais da primeira instância, que para além de se ocupar de matérias
comuns, lhes são atribuídos as competências para conhecer do contencioso
administrativo e, em consequência, são saturados com os processos pondo também
em causa a celeridade processual que deve ser observada sobretudo quando
esteja em causa os direitos fundamentais.
Os Tribunais de
Sectores, ou tribunais de ingresso e das pequenas causas, foram criados para
assegurar maior funcionalidade e acessibilidade do sistema judicial aos
cidadãos. Todavia a organização e funcionamento destes tribunais deixa muito a
desejar, os oficiais e Juízes, sem habilitação mínima para desempenhar essas
funções, desvirtuaram o espírito que norteou a criação desta categoria de
tribunais, denegando a justiça e praticando corrupção.
O Ministério Público,
cujo papel fundamental, também neste processo de administração da justiça lhe
cabe, quer através de desempenho das suas funções como fiscal da legalidade,
quer enquanto titular da acção penal. É uma magistratura unitária que ainda
carece de quase tudo para se afirmar enquanto tal, nomeadamente carência dos
magistrados formados em direito, falta de condições de trabalho, o que só ajuda
a premiar a impunidade, pondo em causa os direitos fundamentais.
É um valor ainda por
conquistar, não obstante estar prevista formalmente na Constituição, porque nem
os tribunais, nem a magistratura do ministério público serão livres sem que
antes os seus magistrados estejam livres. Muitas das vezes esta independência
depende tão exclusivamente dos factores intra pessoal dos magistrados que apenas
deveriam estar comprometidos com a lei e orientado pelo desígnio da justiça, não
permitindo ingerência de quem quer que fosse no exercício soberano da sua nobre
função, embora em alguns casos possa ser também condicionada pelos factores
externos, nomeadamente a pressão dos órgãos do poder político.
Um dos exemplos da
supra referenciada falta de independência resulta do facto do Procurador-geral
da Republica, ser nomeado e exonerado pela mera conveniência do Presidente da
Republica, o que já por si só constitui um factor da limitação da sua
intervenção e independência, uma vez que esta magistratura é hierarquizada. O
facto de não ter um mandato ou seja ele pode ser a qualquer momento destituído
ou exonerado, sobretudo quando esteja a constituir entraves para quem ou aqueles
que o nomearam. Este facto prejudica o sistema, atento o papel do Ministério
Publico no funcionamento do sistema, pelo que urge alterar este quadro.
Não deixa de ser
verdade que os cidadãos não têm acesso a justiça, não obstante, ser um direito
constitucionalmente consagrado. Temos escassez dos Tribunais Regionais para
responder as necessidades das populações nas zonas rurais, obrigando as pessoas
a recorrerem a justiça privada como forma de verem reconhecidos os seus
direitos. O desconhecimento dos mecanismos de obtenção do patrocínio judiciário
constitui também outro dos motivos justificam as dificuldades de acesso a
justiça.
5-
As Leis
Não constitui segredo
que a Guiné-Bissau neste momento está a contar com varias leis que regem a vida
dos seus cidadãos, mas que já não acompanham a dinâmica e a evolução da
sociedade, carecendo assim de revisões, em alguns casos urge até a criação de
novas leis, isto para acompanhar e reajusta-las aos novos valores universalmente
exigidos.
Os códigos Penal e
processo penal, Códigos Civil, das Custas, do processo civil e do procedimento
administrativo são algumas das legislações que carecem de revisão.
Com isso não se
pretende tirar mérito aos esforços que estão sendo levados a cabo pelo
Instituto da Reforma Legislativa da Faculdade de Direito de Bissau,
que pelo contrário devia ser apoiado.
Aqui está o grande
“handicap” do nosso sistema judicial, porque de nada vale uma justiça que se
resume apenas na interpretação e aplicação de leis, sem condições objectivas
para punir os infractores. Parece caricato, mas é real, a Guiné-Bissau, em pleno
século XXI, tecnicamente não possui nenhuma prisão neste momento, o que fomenta
e incentiva a criminalidade e alimenta a impunidade.
Alguns daqueles que
foram privados da liberdade são presos em condições desumanas e chocantes,
ferindo seriamente os princípios universais dos direitos humanos subjacentes ao
direito penal, porque como é sabido, hoje, as penas não visam uma medida
retributiva para reprimir os violadores da ordem jurídica (leis), mas sobretudo
visa objectivos de ressocialização ou seja de reinserção social.
6-
Corrupção e Impunidade
Hoje não constitui
motivo de aberração nem é segredo para ninguém que na Guiné-Bissau a corrupção é
generalizada, alias o último relatório da ONU reafirma esta realidade em pura
evidência.
A corrupção tem vindo a
ser um flagelo para esta sociedade, com o agravante de que tomou corpo e alma
nos próprios administradores da justiça, para não falar de todo o aparelho
administrativo, que acaba sendo apenas a consequência da causa mãe, “a justiça”.
A promiscuidade dos
militares na arena politica, as constantes ondas de instabilidades no país tem
criado condições favoráveis para a impunidade, e sobretudo nos típicos crimes de
colarinho branco, nomeadamente, peculato e administração danosa etc.
Hoje, esses crimes não
são punidos pelo facto de terem como agentes, governantes, políticos, militares
e paramilitares, que engrossam e lideram a lista dos intocáveis, dando panos
para a manga a impunidade desses agentes perfilando um leque cada vez mais longo
dos crimes não puníveis, e consequentemente imunes as censuras jurídico-penais.
AS FORÇAS DE DEFESA
E SEGURANÇA
A Constituição da
República define claramente que as Forças Armadas são instrumento de libertação
nacional ao serviço do povo, e são instituição primordial de defesa da nação.
Incumbe-lhes defender a
independência a soberania e a integridade territorial. São apartidárias e devem
obediência aos órgãos da soberania constitucionalmente constituídos.
AS Forças de segurança
por sua vez têm por missão, defender a legalidade democrática, garantir a
segurança interna e proteger os direitos e patrimónios dos cidadãos.
Contrariamente ao
preceituado na Constituição da Republica, as Forças de Defesa e segurança
constituem factores de definição do rumo político do país. As sistemáticas
interferências nos assuntos correntes da governação, no Poder judicial e os
abusos de poder, são factos notórios que continuam a marcar de forma negativa a
conduta de alguns dos seus efectivos ao mais alto nível, contribuindo para a
instabilidade permanente e a ausência de paz no país.
Corroboram nessa
conclusão, as sucessivas subversões e alterações de ordem constitucional
protagonizadas pela classe castrense com alguma manipulação politica, o que tem
causado prejuízos incalculáveis a Guiné-Bissau.
A crise de comando na
hierarquia castrense, a existência de facções internas, as detenções abusivas e
arbitrárias de alguns soldados e oficiais superiores sem culpa formada, os
assassinatos continuam a ser factos caracterizadores da instituição militar.
Nos últimos tempos
tem-se notado algum esforço de reconciliação interna, reintegrando alguns
efectivos que foram arbitrariamente afastados dos seus postos por mera
conveniência de um ou outro Chefe de Estado-maior, ou núcleo de pressão
emergente. A liga considera que a suposta reconciliação peca por defeito, por
apenas se circunscrever as forças de defesa e segurança e não envolver as
organizações representativas da sociedade civil, aliás para sustentar o
argumento ou tese que defende a frouxidão desta tentativa de reconciliação,
pode-se apontar como exemplo o facto de o próprio Governo, enquanto responsável
pela politica de defesa e segurança, nunca assumiu este processo deixando-o a
mercê dos caprichos da hierarquia militar, integrando ou não pessoas conforme a
conveniência do regime castrense.
Do outro lado, não se
pode falar de reconciliação e ao mesmo tempo o Chefe de Estado-maior General das
Forças Armadas, por mero despacho, expulsa mais de três dezenas de Oficiais
Superiores e Subalternos, acusados de corrupção, sem que haja nenhum processo
disciplinar e judicial que prova os factos alegados, o que faz ressuscitar os
argumentos da existência de ajustes de contas no seio da classe castrense.
Reforça esta
possibilidade o facto de os senhores exonerados ilegalmente pelo Chefe do
Estado-maior General das Forças Armadas na sequencia do caso seis (6) de Outubro
que culminou com o assassinato cruel do então Chefe de Estado-maior General das
Forças Armadas, Veríssimo Correia Seabra e Domingos de Barros, fazem parte dos
quadros superiores militares com reconhecida formação e qualificação.
No quadro de conflito
militar na zona fronteiriça de São-Domingos, em que as Forças Armadas da
Guiné-Bissau, defenderam a integridade territorial, cumprindo assim com os
objectivos traçados pela constituição, desalojando os elementos da facção
independentistas de Casamance (MFDC), liderado pelo dissidente Salif Sadjo,
prenderam nos finais de Abril e princípios de Maio, doze (12) pessoas entre as
quais cinco (5) militares e sete (7) civis acusados de colaboração com os
independentistas factos que nunca foram provados no juízo. Estes indivíduos
continuam presos ilegalmente, sem culpa formada encontrando alguns num estado
crítico de saúde, sendo que um deles já faleceu (Bubacar Tonton Badji).
O fenómeno do
contrabando dos estupefacientes começou a generalizar-se um pouco por todo o
território nacional com o cunho e protecção das Forças de Defesa e Segurança
caminhando a passos largos para a sua institucionalização no país. Aliás este
facto vem sendo denunciado pelos diferentes responsáveis políticos e
organizações da sociedade civil incluindo o próprio Presidente da Republica. Há
informações de alegado vai e vem de pequenas aeronaves (avionetas) na zona sul
do país concretamente nas localidades de Cufar transportando quantidades de
drogas.
FUNCIONAMENTO DAS
INSTITUIÇÕES
Com
a realização das últimas eleições
presidenciais, consideradas livres justas e transparentes o país voltou a
normalidade constitucional na medida em que todas as instituições políticas
passaram a ter a legitimidade popular.
No entanto como
resultado das exageradas metas politicas ocorridas no período da campanha
eleitoral, o Presidente da República, General João Bernardo Vieira, apoiado por
um espaço de concertação criado pelos seus apoiantes, denominada “ Fórum de
Convergência democrática” derrubaram o então governo de PAIGC, liderado pelo Sr.
Carlos Gomes Júnior, igualmente líder do partido vencedor das eleições
legislativas com maioria relativa.
Os ideólogos desta
forma de interpretar a constituição com base numa lógica duma maioria
superveniente, viram os seus intentos materializados com um esperado decreto
presidencial que exonerou o então chefe do governo e consequente queda do mesmo
invocando uma grave crise política, abrindo assim caminhos para a formação de um
novo executivo com base representativa dos partidos e individualidades que
apoiaram a materialização dos projectos político do actual Presidente República.
Com a formação e
entrada em funcionamento deste governo chefiado pelo Sr. Dr. Aristides Gomes,
ex-director de campanha do presidente eleito, o país começou a ensaiar ciclos de
crises se calhar de dimensões mais acentuadas das que foram invocadas para o
derrube do governo do PAIGC, por um lado entre o governo e a Assembleia Nacional
Popular (ANP), por outro entre este último e o poder judicial, para alem de
constantes conflitos sócio-laborais, entre o governo e as organizações
representativas dos trabalhadores.
O executivo é acusado
de arrogância, ausência de dialogo entre os diferentes actores da vida politica
e social por falta do seu impulso, falta de transparência na gestão dos fundos
públicos, factos que estão a dificultar sobremaneira o seu relacionamento com as
instituições da Breton Woods, nomeadamente o FMI e o Banco Mundial, aliás este
último suspendeu o apoio multi-sectorial de infra-estrutura devido a indícios de
corrupção.
A mesa de Assembleia Nacional Popular (ANP) por sua vez recusou acatar a sentença do Tribunal Regional de Bissau que ordenou a substituição de alguns deputado independentes do PAIGC, PRS, e do PUSD, facto que levou um grupo de deputados avançar embora de forma ilegal com a substituição da Mesa da ANP.
Assim, todas as
instituições democráticas vão se fragilizando cada vez mais pondo em causa a
imagem e credibilidade do país a olhos da comunidade internacional.
Não obstante o agudizar
da crise política e social na Guiné-Bissau, houve momentos em que o Presidente
da República enquanto o primeiro Magistrado da Nação, se embrulha num silêncio
absoluto eximindo-se, assim das suas nobres funções de garante da unidade e de
equilíbrio nacional, ensombrando sobremaneira o seu magistério.
Neste cenário de ausência de diálogo entre as instituições da soberania, as incertezas sobre o futuro risonho aumentou para os guineenses enquanto a estrema pobreza, a má gestão da coisa pública, a violação sistemática dos direitos humanos, ganhou proporções alarmantes ameaçando a paz e estabilidade nacional que o país tanto almeja.
Relatos de Violação
dos Direitos Humanos nas Regiões do País
REGIÃO DE GABÚ
Em Janeiro deste ano registou-se nesta região um tipo de assassinato que o país nunca conheceu desde a independência: uma mulher de 30 anos, Fatu Sane foi encontrada morta, degolada no seu próprio quarto, por um jovem de nome Amadu Mane, alegando razões amorosas. A Liga acompanhou o triste cenário, fez as suas denúncias e, foram julgados no tribunal regional todas as pessoas ligadas ao assassinato. Caso julgado mas ate de momento Gabu não conheceu a sentença do autor confesso do crime. Também no mês de Março de 2006, a irmã mais velha mata o mais novo com punhaladas de arma branca.
Nesta região é muito
frequente o crime de Homicídio entre os populares, isto por causa de ladroes,
casamentos precoces e ilegais, proprietários das quintas, comercialização da
castanha de caju, pastores de gado e principalmente na altura da colheita. Ainda
no sector de Pirada uma mãe desesperada porque o marido não reconheceu o seu
filho como pai resolveu administrar uma substância venenosa e matou o filho. Num
outro sector ainda na mesma região de Gabu, é frequente ver os caçadores a
confundirem as pessoas a noite com os macacos e nesta situação já ceifaram
muitas vidas humanas, e ninguém fez nada para sanar esta situação apesar de
receberam varias denuncias. E por fim um jovem matou a queima-roupa a sua
cunhada e pós em fuga e refugiou-se nas matas de colinas de Boe mas que veio a
falecer mais tarde porque permaneceu la 90 dias com a esposa e o filho de 4anos.
REGIÃO DE QUINARÁ
A região de Quinará uma
das mais remotas do país onde certas práticas consideradas hediondas no mundo
civilizado, ainda continuam a ser consideradas correntes e aceites por uma
sociedade onde cada qual cuida de si, onde o Estado providência é considerado
uma blasfémia e Estado autoridade é apenas uma utopia psiquiátrica e ridícula.
No ano 2006, por causa
de acusações de feitiçaria ou seja, num bom português, de bruxaria, um senhor
que respondia por Cinho Bissotchna, foi brutalmente assassinado na sua própria
residência por grupo de jovens identificáveis da aldeia de Bissasma-Cima.
No mês de Novembro do
mesmo ano, o mesmo grupo de jovens da mesma aldeia voltaram a assassinar Fidaiba
Bidamba, na sua própria residência. As duas vítimas tinham uma idade de
aproximadamente 55 aos 62 anos.
Arafam Indjai, depois
duma acesa discussão com o próprio irmão de nome Braima Indjai, decidiu
tirar-lhe o bem mais precioso que é a vida.
N`ban Bissaba de 76
anos de idade, foi morto por um grupo de jovens de Bissasma alegadamente por
prática de actos de bruxaria.
Ainda em Outubro do ano
2006 o cidadão Balaque Tchughana, foi medonhamente espancado até a morte por ter
cometido o “crime “ de bruxaria. O “tribunal” de jovens da aldeia de Ojufa,
aplicou a pena máxima encarregando-se os mesmos de axecução da sentença. A mesma
sorte tiveram os malogrados Sumba Dam, de 78 anos de idade, Sana Natchende de 38
anos de idade.
O sector de Tite é
caracterizado por ser o que maior índice se apresenta em termos de homicídios
por acusação de bruxaria, os autores quase nunca são chamados a responder em
tribunal alias até por sinal nem se quer existe tribunais em todo a sector.
REGIÃO DE OIO
A situação dos direitos
humanos na Região de Oio continua a merecer uma grande preocupação por parte dos
activistas da liga na Região. Não obstante se tenha reconhecido que houve alguma
melhoria no que diz respeito à actuação das autoridades nomeadamente polícia e o
tribunal, ao contrário do que se verificava antes, graças aos trabalhos de
sensibilização que a Liga tem levado a cabo no tocante aos direitos liberdades e
garantias.
A maior parte de
situações de violações dos direitos humanos no que tange aos direitos liberdades
e garantias se verificam entre as populações.
Júlia Quasse, de 18
anos de idade, no dia 24 de Janeiro de 2006, foi vítima de açoites e amarada
pela Tia e o marido desta com uma corda na garganta que a causou sérios
ferimentos, assim como também foi obrigada a abandonar os estudos. Tudo isso
pelo facto dela se ter recusado casar com o marido da própria Tia segundo os
usos e costumes da sua etnia.
Pansau Simão, um jovem de apenas 20 anos de idade, foi violentamente espancado até a morte pelos senhores Tambura Bsau e Sumba Bsau no dia 22 de Novembro de 2006, no sector de Nhacra, situado há 30Km de Bissau, por alegadamente ter furtado um gado. Os autores deste crime hediondo alegaram que já tinham avisado a vítima dias antes para se evitar as movimentações que tinha estado a fazer nas imediações da tabanca.
Não obstante as
sucessivas denuncias que a Liga tem feito, o Ministério Público, enquanto
titular de acção penal, nunca ordenou alguma diligência no sentido
responsabilizar criminalmente os autores deste acto bárbaro e desumano.
Safiatu Djassi, menor foi vítima de abuso sexual por parte do senhor quécuto Sissé, maior de 27 anos de idade no dia 14 de Janeiro de 2007.
REGIÃO DE BIOMBO
Mariano Ié, de tabanca
de Quita, foi vítima de ofensas corporais com arma branca (catana) pelo senhor
Cesário Cá, onde ficou amputada de um dos membros do corpo (perdeu o braço
direito). Tudo aconteceu quando Mariano tentava proteger a mulher do Cesário que
estava em briga com o marido, o que lhe valeu a perda dum braço.
Uma jovem de nome Elsa Té, foi espancada no mês de Novembro por ter recusar um casamento a que os seus familiares lhe impuseram. Esta prática é muito frequente na região, sendo esta apenas um dos vários casos do tipo que diariamente acontecem na região.
SECTOR AUTÓNOMO DE
BISSAU
Em Fevereiro do ano
2006, as forças de defesa e segurança, lançaram uma operação denominada “caça ao
homem” em Bissau, efectuando vistorias e buscas ilegais nas residências dos
cidadãos na calada da noite, perturbando a privacidade das pessoas sem que
tenham para o efeito qualquer mandado judicial.
Na sequencia da
operação militar levado a cabo pelas forças armadas da Guiné-Bissau,
alegadamente para expulsar os elementos da facção das forças independentistas de
Casamance (MFDC) liderado pelo Salif Sadjo, do nosso território, o Estado-maior
das Forças Armadas, procedeu a detenções de pessoas nos meados de Março à Maio
do ano 2006, entre os quais cinco militares e sete civis, foram encarcerados nas
prisão da Base Aérea de Bissau. Estas pessoas se encontram já há cerca de um ano
em condições infra-humanas sem contudo serem apresentadas a justiça. Depois da
pressão da Liga três deles foram acusados, tendo a Liga já conseguido, através
da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau, dois advogados oficioso para os
defenderem já que não têm meios financeiros para suportar os encargos relativos
aos honorários advocatícios. Igualmente a Liga conseguiu um advogado pela mesma
via para o efeito de procedimento de habeas corpus para os restantes nove
detidos sem culpa formada (vide a lista em anexo).
Nos meados de Maio de
2006 quatro cidadãos Gambianos foram presos em Bissau, acusados de tentativa de
desistabilizar o regime de Iaia Jameh. Desde esta data, estes cidadãos se
encontram em regime de incomunicabilidades, havendo pressões por parte das
autoridades Gambianas com vista as suas extradições possibilidade já vedada
pelo Tribunal Regional de Bissau que através de uma sentença datada de 24 de
Janeiro de 2006, dá por improcedente o pedido, por ser inconstitucional (vide a
lista em anexo).
No dia 28 de Agosto
2006, o comodoro Mohamed lamine Sanha e Tenente Coronel Almame Alam Camará ,
foram detidos nas suas respectivas residências a mando do tribunal Regional
Militar de Bissau, sem qualquer mandado de detenção, acusados de atentarem
contra a segurança de Estado e contra a integridade física do Chefe de Estado
Maior General das forças Armadas, General Tagmé na Waye. Dois dias depois foram
postos em liberdade sem que sejam instaurados quaisquer processos judiciais. É
de salientar que os dois vinham sendo perseguidos desde o caso 22 e 23 de
Outubro de 2001, que culminou com a morte brutal do brigadeiro Ansumane Mané
líder da ex-junta militar.
No passado dia 21 de
Novembro de 2006, mariama Candé, de 13 anos de idade, filho de amadou Candé, foi
sexualmente violada por um homem de 47 anos de idade de nome Pate Balde. O caso
foi entregue ao tribunal de sector de Bairro Militar que por sua vez remeteu o
processo ao Tribunal Regional de Bissau, mas até a presente data não foi feita a
justiça.
Duas crianças Talibés,
nomeadamente Ussumane Balde de 11 anos e Braima Balde de 10 anos
respectivamente, que tinham sido levadas para Senegal no sentido de aprenderem o
alcorão, abandonaram os seus mestres em Dakar, no passado dia 20 de Novembro de
2006 devido aos maus-tratos que lhes foram submetidas pelos respectivos mestres,
fizeram uma longa trajectória a pé para fugir dos seus cativeiros o que lhes
causaram feridas nos pés antes de serem resgatadas por um motorista e activista
da liga que as entregou na nossa sede Nacional. Neste momento as duas crianças
encontram –se nas casas dos sues familiares sob vigilância da Liga e apoio
financeiro da AMIC.
No dia 3 de Dezembro de 2006 Drª Catarina Ribeiro Shwarz da Silva foi violentamente espancada por um grupo de militares afecto a Marinha de Guerra Nacional, alegadamente por estarem a efectuar rusgas para detectar uma operação de narcotraficantes. A agressão resultou em sérios prejuízos no seu estado de saúde nomeadamente contusão craniana, contusão na bacia, hematomas na região accipital etc…, para além de ter sido roubada os seus objectos de uso pessoal tais como um telemóvel e uma máquina de fotografia digital. Os autores destes crimes continuam a deambular impunemente apesar da denúncia da Liga.
No dia 14 de Dezembro de 2006, um grupo de indivíduos supostamente fardadas tentaram assassinar o Dr. Silvestre Alves, líder do Movimento Democrático Guineense (MDG), a agressão causou ferimentos graves a vitima para além da destruição parcial da sua viatura. Os autores puseram-se em fuga sem que haja qualquer iniciativa por parte das autoridades competentes no sentido de serem perseguidos e consequentemente capturados para enfrentarem a justiça. É de salientar que Dr. Silvestre Alves vem protagonizando contestação contra o actual regime pela forma como tem conduzido o país.
REGIÃO DE TOMBALI
A situação dos Direitos Humanos continua a ser preocupante nesta região sul do Pais.
No passado dia 17 de
Janeiro de 2006 um grupo de jovens da tabanca de Botche Cul sector de Bedanda,
região de Tombali raptaram três indivíduos desta mesma tabanca, acusados de
bruxaria contra uma criança que entretanto faleceu, e levaram-nos para um lugar
onde os espancaram fortemente.
Dias depois, isto é no
dia 25 de mesmo mês a noite, um Senhor de nome Sene Câmara abusou sexualmente de
uma criança de 14 anos de idade, mas o caso foi comunicado imediatamente ao
tribunal daquela jurisdição. Por isso a Liga apela e exige o Governo no sentido
de implantar os tribunais nos sectores de Bedanda, Komo e Cacine, que sejam
julgados todos os processos crimes pendentes no tribunal regional de Buba e
ainda que sejam implantados um tribunal regional no Tombali, uma esquadra de
polícia e melhorar sobretudo as condições precárias das prisões.
Conclusões/
Recomendações
Em termos de conclusão,
temos a dizer que, a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, continua a
ser preocupante pelo que urge tomar medidas por forma a criar uma maior
consciencialização do dever do respeito pelos direitos humanos na medida em que
se tal não acontecer o processo de desenvolvimento tão falado e almejado estará
cada vez mais comprometido, aliás como é sabido as constantes violações dos
direitos humanos é o principal factor de instabilidade política e social na
Guiné-Bissau, isso para não falar da pobreza urbana e rural.
A reconciliação da
família Guineense deve constituir um projecto nacional e prioritário a ser
abraçado por todas as franjas da sociedade. Ao Governo caberá definir uma
política nacional eficaz e séria de defesa e protecção dos direitos humanos onde
serão criados mecanismos e condições para a sua materialização através das
organizações não governamentais que actuam no sector, com isso para obviar que a
preocupação da defesa e protecção dos direitos humanos, não deve ser apenas e
exclusivamente das ONG(s), mas sim de toda a sociedade que deve inspirar na
sobredita política nacional.
A Liga guineense dos
Direitos Humanos, como no passado tem um papel primordial no processo de
sensibilização de todas as forças vivas da nação, e em especial aos potenciais
violadores dos direitos humanos, isto apesar de os sucessivos governos teimam em
não reconhecê-la o estatuto de organização de utilidade pública.
A Guiné-Bissau
continua, infelizmente, a ser um dos países onde a violação dos direitos
fundamentais é perpetrada de forma abusiva e flagrante sem que as vítimas tenham
mecanismos eficientes de se ressarcirem da violação de que foram alvos.
A Liga Guineense dos
Direitos Humanos tem feito tudo para ser a voz daqueles que não a tem. Temos a
consciência das dificuldades que nos esperam pela frente, tendo em conta a falta
de meios com que nos deparamos, (trabalhamos com meios próprios de cada membro
da Direcção,) mas é nossa determinação defender os direitos humanos
independentemente da condição de que dispomos.
Tem havido perseguições
e pressões psicológicas exercidas pelo poder contra os membros da Direcção
Nacional da Liga, todavia é nossa convicção ser a voz e o escudo dos mais fracos
ainda que isso custe a nossa vida.
No que concerne ao
respeito pelos direitos, liberdades e garantias, manifestamos o nosso receio,
tendo em conta os últimos acontecimentos que marcaram o fim do ano dois mil e
seis.
Prevê-se uma agravação
da crise institucional entre os órgãos da soberania, uma vez que o grupo de
deputados que exigem as suas substituições prometem executar a sentença judicial
que decretou as suas substituições, caso a mesa não o fizer até ao inicio da
próxima sessão parlamentar prevista para Fevereiro de 2007, destituindo toda a
mesa da ANP incluindo o seu presidente.
Perante este quadro
negro no que tange ao respeito pelos direitos mais sagrados das pessoas,
torna-se imperativo reforçar a capacidade institucional das ONGs vocacionadas
para a defesa dos Direitos Humanos, reforçando e alargando assim as suas
capacidades de intervenção.
O reforço do diálogo
interno entre os diferentes actores da vida politica, social e económica deve
constituir uma prioridade de todos em especial do governo.
Adopção de medidas
legislativas urgentes com vista a proteger as crianças dos maus-tratos, tendo
sempre em vista a problemática das crianças talibés é outra das recomendações.
Recomendar ao
governo a adopção de uma política clara, precisa e eficaz de combate a
criminalidade capaz de conferir maior segurança aos cidadãos e alimentar
confiança nas instituições.
Proporcionar aos
agentes de segurança formações específicas que lhes permitam saber como e com
que meios se devem intervir para salvaguardar outros direitos e interesses
legitimamente protegidos.
Agradecimentos: os nossos agradecimentos vão dirigidos para a Oxfam Novib que nos apoiou na realização do III congresso extraordinário que legitimou a actual direcção, para a UNOGBIS, em especial a Beia que sempre mostrou a sua disponibilidade em apoiar a organização no que é possível, para a Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau, particularmente ao seu Bastonário que se mostrou sensível as causas dos direitos humanos, para a UNICEF, em especial a senhora Sónia Polónio, para a SWISSAID, para a AD, para o PNUD, para a Delegação da EU, para as Embaixadas dos Estados Unidos na Guiné-Bissau e da França.
Os nossos
agradecimentos vão ainda extensivos à INEP que nos cedeu o seu anfiteatro para
o lançamento do presente relatório, à Wanep-GB, Movimento Nacional da
Sociedade Civil para a paz, Democracia e desenvolvimento, Placon-GB, órgãos de
comunicação Social públicos e privados, nacionais e estrangeiras,
particularmente à rádio Bombolom-FM que patrocinou a difusão de programas
radiofónicos da Liga nos últimos três meses e todos quantos, de uma forma
directa e indirecta lutam pelo respeito dos direitos humanos.