Mulheres da Guiné-Bissau
Farim, 2005, regresso a casa, aldeia K-3, pôr do sol. Foto de Ernst Schade
Por: Ernst Schade
Janeiro de 2005
Guiné-Bissau, situada na costa ocidental de África, não ocupa sequer metade de Portugal. Independente de Portugal a partir de 1974, e desde então fortemente dividida por disputas políticas internas que quase levaram o país à falência. Abundante em água, com floresta de tarrafes ao longo da costa e alguns grandes rios que correm do interior africano para o oceano Atlântico.
Atravessamos o rio Cacheu num barco pouco estável, perto da pequena cidade de Farim. O orvalho cai sobre o rio. Na outra margem, mulheres com alguidares cheios de sal esperam pacientemente para atravessar.
São as mulheres da Guiné-Bissau que mantêm o país a andar.
Arrebanham água para as hortas e vendem a sua colheita no mercado. Uma hora para cima, para chegar ao barco, e uma hora para baixo. Elas cozinham e cuidam dos filhos. E os homens da Guiné? Parece que apenas deambulam, ocupados com negócios pouco claros, rezam e esperam pela tarde mais fresca.
Conseguimos uma boleia de um camião de caixa aberta. Nas margens exteriores do rio, grupos de mulheres apanham as camadas de lodo à superfície. “O que é que esta gente está a fazer?”, perguntamos ao guia. “O lodo contém uma grande quantidade de sal”, responde. Sal? Aqui? A 150 quilómetros do mar? As margens exteriores afinal eram as primitivas bolanhas, campos de arroz que noutros tempos eram irrigadas com água do rio. Mas como cada vez menos água vinha do interior, a água salgada do mar entrou por ali adentro. Assim, os campos de arroz desapareceram e perdeu-se a principal fonte de subsistência. Mas as inventivas mulheres da aldeia com o estranho nome de “K3” transformaram em virtude uma necessidade: o lodo é transportado para casa, uma viagem a pé de 30 minutos. Depois filtram-no com a água de um poço por elas mesmo cavado a 15 metros de profundidade. Os resíduos são depois cozidos em grandes panelas rasas, feitas com materiais deixados pelo exército colonial português. Cada cozedura produz à volta de seis quilos de sal de primeira qualidade.
A aldeia “K3” é conhecida em todo o país. Antes albergava casernas do exército português (a três quilómetros de Farim, então K3!). Aladje Fodé Touré é o Homem Grande, o chefe tradicional. Tem pelo menos 90 anos. É fluente em árabe. Está reunido com os homens mais velhos na varanda da sua casa. Touré é uma figura lendária e conta como a sua tabanca, a sua aldeia, fez frente aos portugueses, nunca pagou impostos e apoiou os guerrilheiros contra o regime colonial, fornecendo-lhes abrigo e comida. Esta resistência teve o seu preço, duzentos e cinquenta homens foram deportados e nunca voltaram.
Sob a liderança de Djombo Fodé Touré (filha do Homem Grande), as mulheres de “K3” juntaram-se na “Associação de Sal”, uma associação que lhes deu estatuto legal. Na capital, Bissau, Djombo conseguiu alguns fundos provenientes de uma organização de desenvolvimento e soube utilizá-los na compra de uma máquina que adiciona iodo ao sal. O que é essencial para a prevenção da tão temida doença do bócio.
Hoje em dia a associação produz cerca de 5000 quilos de sal por ano, o qual é famoso nos mercados de Bissau. E assim, depois do desastre do cultivo do arroz, cerca de 25 famílias conseguiram uma razoável fonte de rendimento. “Não contes com os outros, confia apenas na tua própria força”, disse-nos Djombo. São as mulheres da Guiné-Bissau que mantêm o país a andar.
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO