Num País "Moderno"
Por:
Edson Incopté
*
edson_incopte@hotmail.com
25.08.2008
Está
semana li mais uma noticia dando conta do que acontece aos meus irmãos nas ruas
de Dakar. Como não podia deixar de ser, mais uma vez a indignação tomou contra
de mim.
Podem acreditar que é
mesmo caso para eu colocar a palavra moderno entre aspas! Porque é difícil de
acreditar que num país "dito" moderno as pessoas ainda são capazes de justificar
situações tão absurdas com a palavra tradição ou costume. Nos dias que correm,
qual é a tradição que obriga um pai a ficar longe do filho? Onde está a força
dessa tradição a ponto de colocar crianças inocentes a mendigarem pelas ruas de
Dakar? Em nome de que género de tradição uma criança é obrigada a dormir na rua,
longe da família? Em nome de conhecer os ensinamentos do Corão!? Será tudo isso
necessário para conhecer os ensinamentos de uma religião que luta exactamente
pelo contrário? Não acredito que alguma religião no mundo tolere exploração de
crianças inocentes!
Em 20 de Novembro de 1959
foi criada pela ONU uma declaração dos direitos das crianças com dez
mandamentos, que deveriam ser respeitados por todos. Passo a citar alguns:
1- A criança deve ter condições para se desenvolver Física,
Mental, Moral, Espiritual e Socialmente com
Liberdade e Dignidade.
Considerando os dois últimos como pilares de sustentação de
todos os anteriores, eu pergunto: as crianças Guineenses que são enviadas para
Senegal com o suposto objectivo de irem estudar o Corão, é lhes dada alguma
Liberdade de escolha? Uma criança largada nas ruas de Dakar para mendigar, não é
uma criança a quem se tira toda a Dignidade? Uma criança que tem a necessidade
de mendigar para comer tem alguma condição para se desenvolver Física e
Mentalmente bem? Uma criança com fome é obviamente capaz de roubar para comer,
sendo assim que Moral terá a mesma ou o que será ela para a Sociedade?
Os
direitos das crianças não estão a ser respeitados pelos próprios pais na nossa
Guiné-Bissau!
4- A criança deve crescer amparada pelos pais e sob sua
responsabilidade, num ambiente de afecto e de segurança.
É de chorar com este quarto mandamento. Basta conhecer, por
um pouco que seja, a realidade vivida pelas crianças Guineenses nas ruas de
Dakar para não ficar indiferente a esta declaração. Estas crianças crescem longe
dos pais, elas não são amparadas pelos mesmos, nem têm afecto dos mesmos e não
estão sob responsabilidade de ninguém. Porque estar sob responsabilidade dos
exploradores marabutos, que esperam que as crianças vão pedir para depois lhes
tirar, é o mesmo que estar à responsabilidade de ninguém. Passando o dia e
dormindo na rua, que segurança têm estas crianças? Caso sejam maltratadas por
alguém na rua ou simplesmente atropeladas por um carro, a quem vamos pedir
explicações? Ao Zé-ninguém é claro!
Não vou pedir, mas sim implorar a todos os muçulmanos de bom
senso, que lutem contra tais práticas, que informem seus irmãos menos informados
o que seus filhos sofrem nas terras Senegalesas em nome do Corão. Pai é pai,
seja de que religião for! Como tal, tem o dever de tirar da sua boca se
necessário for para o filho não passar fome. A nossa terra está mal, sim está!
Como diria o Sr. Rogado: Na pocilga. Mas por favor não se livrem dos filhos como
se eles fossem trapos velhos escondendo-se no pretexto de que os mesmos foram
enviados para estudar o Corão em Dakar, pois todos têm conhecimento do que os
mesmos estão a sofrer por lá. Por favor, não tirem nos rostos dos seus filhos
aquele sorriso inocente e sincero de uma criança, seja em nome de que religião
for. Eduquem os seus filhos sobre os seus olhos, eduquem-lhes sobre os
princípios da religião muçulmana, mas sejam vocês a fazer isso. Um filho não
aprende com nenhum professor, o que aprende com o seu pai! Salvem os vossos
filhos.
Não pensem, os senhores, que com a crítica e apelo aos pais,
me esqueço dos nossos malditos governantes, impossível! Pois a eles cabe a
responsabilidade de criar condições para que estas crianças não tenham a
necessidade de ir para Dakar estudar o que quer que seja. A eles cabe a
responsabilidade de criar mecanismos de controlo mais rigorosos, para que estas
crianças não saiam do país sem mais nem menos e sejam exploradas além
fronteiras. Até porque uma criança deve ter a máxima prioridade de qualquer
governo seja em que parte de mundo for. Será que os nossos governantes terão
saltado na altura de ler o sétimo mandamento da declaração da ONU?
7- A criança, em todas as circunstâncias, deve estar entre os
primeiros a receber protecção e socorro.
Por favor, parem de desrespeitar as crianças em nome de Alah
ou de uma tradição baseada em seu nome. Nada contra estas crianças aprenderem os
ensinamentos do Criador, mas que isso seja feito de uma forma que dignifique
pais e filhos.
Como se não nos bastasse os maus-tratos às nossas crianças em
Dakar ainda temos, até hoje, de travar uma luta contra a satânica tradição da
excisão feminina (chamando as coisas pelo nome, Mutilação Genital Feminina)
porque é isso que realmente acontece, mutilação! Ou seja, em muitos países
africanos não podemos falar só em mutilados de Guerra, pois temos milhões de
mulheres mutiladas em nome da tradição e da fidelidade feminina ao casamento.
Uma prática condenada pelos médicos e que infelizmente ainda no nosso país e em
muitos outros países africanos levanta polémica. Recordo-me que em Fevereiro
deste mesmo ano 2008, na Guiné-Bissau, foi discutida no parlamento uma lei que
proíbe este acto que é um verdadeiro atentado aos direitos humanos. Mas como não
podia deixar de ser teve uma forte contestação de duas organizações Islâmicas
Guineenses casos do Conselho Nacional Islâmico e do Conselho Superior dos
Assuntos Islâmicos que foram na altura contra uma eventual discussão em torno do
assunto considerando que seria uma afronta aos mandamentos do Islão. Bem... eu
não conheço os mandamentos da religião muçulmana, mas também não acredito que
haja algum mandamento que exija mutilação das mulheres! Simplesmente por
considerar que o mesmo não lhes traz qualquer benefício, muito pelo contrário,
traz sim problemas psicológicos e graves riscos de saúde, risco de contracção do
vírus da SIDA entre muitas outras doenças.
Pessoalmente, além de me entristecer bastante a falta de sensibilidade dos
nossos governantes em relação a todo este caso, entristece-me também o facto de
sempre que se fala neste assunto em português, a Guiné-Bissau é sempre o país
referido como exemplo, péssimo exemplo por sinal! Mesmo assim os nossos
governantes ainda nada fizeram de forma a punir severamente os autores desta
prática para que sirva de exemplo na luta contra o fanado feminino.
Embora tenha apenas 21 anos de idade, e não tenho
nem de perto os conhecimentos que um "Régulo" muçulmano tem (sim porque, embora
Guiné-Bissau seja um Estado democrático ainda existem por lá Régulos) mas como
estava a dizer, não sei o que eles sabem, mas gostaria que os mesmos me
explicassem a lógica de proibir uma mulher de ter prazer no acto sexual. Eles ou
qualquer outro defensor desta barbaridade. Será que, por uma mulher casada ter
prazer na relação sexual com o marido está a afrontar o Alah? Hum... difícil de
aceitar! Será que por ela não ter prazer é mais fiel ao marido? Não há absurdo
maior!
OS DIREITOS HUMANOS FORAM CRIADOS PARA SEREM
RESPEITADOS, ENTÃO FAÇAM O FAVOR DE OS RESPEITAR SEJA EM QUE PARTE DE MUNDO FOR.
Mesmo num país onde mandam alguns inconscientes como é o
nosso caso, há que ter a noção de que existem coisas inaceitáveis.
1- A criança
deve ter condições para se desenvolver física, mental, moral, espiritual e
socialmente, com liberdade e dignidade.
2- A criança
tem direito a um nome e uma nacionalidade, desde o seu nascimento.
3- A criança
tem direito à alimentação, lazer, moradia e serviços médicos adequados.
4- A criança
deve crescer amparada pelos pais e sob sua responsabilidade, num ambiente de
afecto e de segurança.
5- A criança
prejudicada física ou mentalmente deve receber tratamento, educação e cuidados
especiais.
6- A criança
tem direito a educação gratuita e obrigatória, ao menos nas etapas elementares.
7- A criança,
em todas as circunstâncias, deve estar entre os primeiros a receber protecção e
socorro.
8- A criança
deve ser protegida contra toda forma de abandono e exploração. Não deverá
trabalhar antes de uma idade adequada.
9- As crianças
devem ser protegidas contra prática de discriminação racial, religiosa, ou de
qualquer índole.
10- A criança
deve ser educada num espírito de compreensão, tolerância, amizade, fraternidade
e paz entre os povos.
*
21 anos de idade,
estudante do Curso Profissional de Informática de
Gestão
Nota do
Editor
Parabéns
Edson, por mais este brilhante trabalho!
A Guiné-Bissau, de geração em geração
tem dado mostras de ser um país com grande potencial humano.
Realmente, é penoso quando uns poucos
atrofiados de mente, se impõem aos (muitos) capazes, com ideias, que apresentam
opiniões sensatas, corajosas e válidas para a mudança de que o nosso país
precisa!
Jovens como Edson Incopté e Samuel
Reis, vieram enriquecer este Projecto, ensinando aos mais "velhos" que a
liberdade de expressão é um acto de coragem, mas também, uma forma de contribuir
para a mudança rumo à democratização, à estabilidade e ao desenvolvimento da
nossa terra.
É de louvar e encorajar a prestação
destes jovens brilhantes, pois os trabalhos por eles apresentados enchem de
orgulho qualquer um; seja guineense ou cidadão de qualquer parte do Mundo!
Aproveito para pedir aos pais
guineenses, que deixem seus filhos serem livres no pensamento e na acção
(positiva), para que mais "Edsons" e "Samuéis" apareçam e ajudem a mudar,
positivamente a Guiné-Bissau. Tenham orgulho nos vossos filhos!
Como escrevi em tempos, o FUTURO a eles
(jovens) pertence!
Vamos continuar a trabalhar!
Didinho
didinho@sapo.pt
25.08.2008
VAMOS CONTINUAR A
TRABALHAR!
Associação
Guiné-Bissau
CONTRIBUTO
associacaocontributo@gmail.com
www.didinho.org