O Coração da Guiné-Bissau
 

Por: Samuel Reis*

08.03.2008


 A mulher guineense é a coluna que suporta o país. A mulher guineense é o coração da sua terra e bate com todas as forças, sem cessar, para manter o país vivo, mesmo que este permaneça num estado equivalente ao de coma. E de que forma é que esta terra recompensa todo o suor e lágrimas que recebe das suas mulheres? De que forma retribuímos todos nós o sacrifício das mães do país?
 Infelizmente, de forma nenhuma! A condição da mulher guineense é horrível. A mutilação genital feminina (ou "fanado", na linguagem popular) é praticada por uma grande parte da população, sob o título de "tradição religiosa", não obstante ser uma barbaridade que causa sofrimento para toda a vida e que destrói qualquer possibilidade da mulher vir a sentir prazer no acto sexual. Também a taxa de alfabetização é baixa para os dois sexos, mas especialmente baixa para a mulher, que é tantas vezes obrigada a casar-se abandonando os estudos, isto, está claro, quando lhe foi permitido começá-los! E os homens ainda consideram as mulheres inferiores... Com todo o respeito que tenho pela religião muçulmana, a poligamia também provoca muitos problemas, familiares e não só. Está à vista de todos os que quiserem ver.
 É paradoxal que sejam as mulheres as mais afectadas e maltratadas na sociedade guineense (e em tantas outras) sendo elas, neste caso, o sustento dos seus opressores. São elas quem maioritariamente trabalha na agricultura, também são elas que trabalham no comércio, são elas que educam os filhos nas primeiras e mais importantes fases das suas vidas e são elas que cuidam das habitações.
 O que digo é literal, a mulher é o coração da Guiné-Bissau em todos os sentidos! O seu ventre é o berço da vida, foi uma mulher que pôs cada um de nós neste mundo enfrentando dores quase insuportáveis. Foi a nossa mãe a primeira autoridade reconhecida por todos nós. Foi nos braços das nossas mães que todos nós encontramos o conforto e a protecção pela primeira vez, foi nos seios das nossas mães que todos nós nos alimentámos pela primeira vez depois de nascer. A mulher é o primeiro exemplo que temos, o primeiro carinho que recebemos, a mulher é o princípio de todos nós, fomos formados numa mulher. Como pode existir algo como o machismo?
 Pergunto: como pode a mulher estar então proibida de receber educação? Como pode a mulher ser proibida de sentir prazer no sexo? Como pode a mulher ser considerada inferior e menos inteligente? Escrevo aqui, para que fique registado, se alguém fosse inferior, então esse alguém seria o homem. Não há nada que os homens façam que as mulheres não possam fazer igualmente bem (excluindo algumas actividades de maior exigência física, e só!), contudo, conheço muitos sacrifícios de mulheres que jamais algum homem suportaria.
 As mães guineenses são as mães da Guiné-Bissau. Se tivermos mulheres sábias, instruídas, educadas e conscientes, então os seus filhos serão assim também. A mulher é o princípio, se não houver consciencialização das mulheres, então nada disto vale a pena! Infelizmente a mulher é marginalizada, desvalorizada e desmoralizada. Mas mesmo por isso fico imensamente feliz por ver mulheres a ultrapassar todos os obstáculos que colocam no caminho e a participar neste projecto e devo dizer que gostava de ver muitas mais!
 Enfim, como já referi num texto anterior, temos que distinguir as tradições boas das tradições más. Todas as culturas são humanas, logo, estão todas incondicionalmente condenadas à imperfeição, cabe a todos nós contribuirmos para o seu aperfeiçoamento, rumo ao progresso e à dignidade. O caminho é a consciencialização de todos, mas particularmente das mulheres, acerca da ilegitimidade de alguns costumes e da falta de fundamento dos mesmos, acerca dos seus direitos e de que há um lugar que lhes pertence nesta luta pela liberdade da Guiné-Bissau e dos guineenses. Liberdade para os nossos corpos e para as nossas mentes, porque a ditadura não é só física, é também psicológica.
 Cabe a cada um de nós defender os direitos humanos, já que a ONU os viola tão zelosamente a cada oportunidade que surge...
 

* 16 anos de idade, estudante na área de Línguas e Humanidades do 10º ano com aspiração de vir a ser jornalista


 

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