O Erro Fundamental na apreciação dos Outros

 

Sandra Cardão *

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19.09.2010

Dra. Sandra CardãoQuando é que acontece esse processo em que nós julgamos o outro, levamo-lo ao nosso tribunal mental e o aprisionamos nas categorias que criámos para ver o mundo à nossa volta?

Quando algo nesse outro embate no nosso sistema de crenças, de valores, ou de afectos que tomamos como aqueles que são os correctos não permitindo margens para dúvidas (ego e etnocentrismo).

Então, em relação aos ”outros”, aqueles que não entram na categoria do “nós”  que somos mais idênticos uns com os outros, formamos preconceitos e erros de avaliação sobre os seus comportamentos.

Um deles é a tendência cognitiva para entender ou explicar um dado comportamento sobrevalorizando os aspectos ligados à personalidade da pessoa, ou mesmo às suas eventuais disposições internas. Neste processo esquecem-se a força e a influência das motivações externas, das situações ou dos contextos sociais e ambientais e seus condicionantes, ou não lhes é dado qualquer peso ou valor por aí além.

Em consequência, avaliamos, ajuizamos, entendemos, de forma errada esse mesmo comportamento. Este processo de juízo/ajuizamento errado, ou de distorção perceptiva, recebeu o nome de Erro Fundamental da Atribuição dentro da área da psicologia social.

Mas, diremos nós, deve ser muito fácil avaliar os outros, entendê-los, até porque  “somos todos iguais!”. Sim, é verdade. Todos somos seres pertencentes à espécie humana, somos todos seres portadores de sentimentos e de pensamentos, de potencialidades para desenvolver a nossa inteligência, todos adquirimos um sistema de crenças e condicionamentos baseados numa dada cultura, todos nascemos, todos morremos…

Mas, também é verdade que nem todos pensamos e sentimos da mesma forma, nem todos agimos da mesma forma, ou temos uma mesma cultura, ou até mesmo os mesmos direitos e os mesmos deveres, os mesmos desejos, afectos e desafectos, as mesmas motivações. Não, não somos assim tão iguais. Por isso, talvez, outros dirão: “somos todos iguais, mas há uns mais iguais que outros”.

Uma mulher no Afeganistão é tão mulher como uma mulher da França. Contudo, podendo até ter os mesmos desejos ou desejos parecidos, as suas vivências, sentimentos, crenças culturais, serão muitíssimo diferentes. A vida no Quatar, o seu contexto social e as duras temperaturas ambientais, serão diametralmente opostas à vida na invernosa escura Islândia. A vida nos meios urbanos pode fazer nascer patologias sociais inexistentes em meios rurais.

Certamente estes aspectos macro pesam no comportamento. Se os aspectos macro pesam, logo, também pesam os micro: a pessoa amada pelo seu próximo não é igual àquela que não o é; a pessoa que é discriminada pela sua cor não tem sentimentos iguais à que é discriminada por ter alguma deficiência física. Uma pessoa que pratica actos de bondade não é igual à que se entrega à tortura do seu semelhante.

A igualdade é uma categoria que usamos e se divide em inúmeras subcategorias para melhor nos compreendermos e para trazer alguma justiça ao mundo. Deste modo, atrevo-me a concluir que a realidade mostra que essencialmente somos todos diferentes, somos todos únicos, cada um de nós.

Expostos perante a diferença, cai a nossa zona de segurança, cai o sentido do que nos é familiar, o das categorias que usamos para compreender o mundo à nossa volta. Entramos numa zona desconhecida que nos causa desconforto, a da diferença. Muitas vezes não confrontamos esse outro com aquilo que pensamos e sentimos sobre ele, a fim de percebermos o que vem do lado de lá. Fechamo-nos num silêncio desconfortável para ambas as partes, ou lançamos umas atitudes ou palavras indirectas, ou mesmo uns olhares de alto a baixo, quando não partimos para a violência, quer verbal quer física…

E mesmo assim não nos sentimos bem. Há um desconforto interno que não se exterioriza, porque seria dar sinal de fraqueza…  Resta o pensamento retorcido e distorcido aprisionado face à diferença, face à diferença do outro que não permitimos que exista ou mesmo que sobressaia.

Eis que nascem os conflitos, os mal-entendidos, os ressentimentos, as invejas e outras emoções negativas que podem mesmo a levar o homem à GUERRA e não à PAZ, iludidos com a igualdade, lutando contra qualquer diferença…

Sandra Cardão

(Para mais informações sobre o Erro Fundamental da Atribuição, investigue os estudos de Heider, 1944; de Jones e Harris, 1967; cit. em Psicologia Social, 4ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian).

* Sandra Cardão nasceu em Angola, é Licenciada em Psicologia Clínica, fez estágio na área da Psicogerontologia e tem trabalhado no âmbito escolar com crianças do Ensino Básico (integração de minorias, crianças carenciadas). Também é Facilitadora de Grupos de Jovens para a Promoção do Desenvolvimento Pessoal. É Autora e Formadora Certificada.


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