O LUGAR DA DEMOCRACIA NUM ESTADO TROPACRÁTICO

 

 

Ivo José de Barros *

Ivo-debarros@hotmail.com

03.08.2009                                                                                                                                                 

Ivo José de BarrosO voto é uma manifestação de vontade do povo na escolha e legitimação dos seus representantes em consequência de uma das maiores conquistas na história da humanidade em substituir o governo do Homem para o governo de Leis mediante a efectivação da DEMOKRATIA.

 

O nascimento da democracia é um fenómeno de tamanha grandeza e de importância ímpar tal como a invenção da lâmpada eléctrica, por Thomas Edison, proporcionou uma revolução na evolução do mundo constituindo, hoje, uma fonte de desenvolvimento e por isso uma «conditio sine qua non» para o avanço da humanidade. A implementação da democracia em diversos cantos do globo tem obedecido o factor da mutabilidade no tempo e no espaço e por isso, cautelosamente, os Chefes de Estado, atendendo as diversidades político-sociais, olharam para essa invenção forasteira com um certo grau de cepticismo e medo de apeados pelos súbditos.

A democracia teve a sua origem numa época em que se fomentava cada vez mais a reafirmação do poder do Soberano, todo-poderoso, por um lado, e numa fase em que a iluminação do Homem conduzia-se no sentido de conquista e afirmação da sua liberdade pela instituição de mecanismos de limitação e controlo do poder do Soberano mediante a separação e alternância de poder, por outro. Essa conquista do Homem vem marcando a humanidade consoante esteja a ser implementado. Apenas umas breves notas de apreço aos regimes modelos e clássicos para não parecer uma aula de Direito Constitucional.

Nos Estados Unidos da América a democracia surgiu em consequência de uma revolução entre os vários Estados que hoje compõem os EUA na qual se pautou pela instituição de um regime político cuja experiência revelou que só tem funcionado e plenamente nesse país — O PRESIDENCIAL.

Esse regime consagra o princípio fundamental da separação e alternância de poder mediante os mecanismos que se processam na relação entre o Presidente e o Congresso em que nem um nem outro pode destituir o outro, podendo o Congresso aprovar ou não o Orçamento do Estado e financiamento da política externa e ao Presidente cabendo a promulgação ou exercício do seu direito de veto perante as leis do Congresso. É o chamado CHECKS AND BALANCES. Portanto, há toda uma necessidade de coabitação entre estes órgãos uma vez que ambos precisam um do outro para se afirmar. Por outro lado, verifica-se a possibilidade de destituição ao cargo do Presidente em caso deste praticar actos ilícitos ou o seu envolvimento nos crimes ou atentados contra a segurança dos EUA. IMPEACHMENT. Isso nem podemos imaginar que irá acontecer neste país em que o Estado parece servir mais interesses privados do que da colectividade, mas nunca é proibido sonhar.   

Na Alemanha vamos encontrar um outro regime, PARLAMENTAR. Não obstante este regime tenha nascido na Grã-Bretanha, no século XVI, acompanhado de uma doutrina filosófica, intelectual e política, mas prefiro falar do caso alemão por comportar um traço característico de relevância prática na nossa nova democracia em que se verificam sucessivas quedas de governos e consequente nascimento de novos como se se tratasse de moções de censura construtiva de BUNDASTAG alemão. Nesse sistema, aliás, como também salienta o Professor da Universidade Cheikh Anta Diop, Ismaila Madior Fall, numa conferência proferida durante as Jornadas Jurídico-Constitucionais da Faculdade de Direito de Bissau, de 7 a 9 de Junho de 2004, o Parlamento dá e retira vida ao governo e é o centro de impulsos da vida política. Caracteriza-se essencialmente pela irresponsabilidade política do Chefe do Estado perante o parlamento, executivo bicéfalo, a responsabilidade do governo perante o parlamento e o direito de dissolução por parte do chefe de Estado.

Numa posição intermédia vamos encontrar um tempero que nem é peixe nem carne mas que comporta características comuns aos dois regimes na qual a Guiné-Bissau faz parte, o SEMI-PRESIDENCIAL.

O SEMI-PRESIDENCIAL tem o seu berço na Franca do século XVIII, com a revolução francesa, fortemente alimentada com as ideias fomentadas antes por John Luck e depois por Rosseau e Montesqueau, de separação do poder e respeito pelos órgãos da Soberania. Neste regime o governo nasce do parlamento, ou seja o partido com mais assentos no parlamento é convidado a formar o governo e o Presidente nomeia-o livremente e podendo também demiti-lo em caso de grave crise institucional. Desde logo, o governo responde politicamente perante o Parlamento e perante o Presidente da República. Por outro lado, o Presidente mune-se do direito de vetar as leis e dissolver o Parlamento e este não pode destituir o Presidente. Vê-se então que nestes três regimes, por haver uma interdependência entre os órgãos, há que haver uma tolerância mútua e respeito pelos poderes conferidos a cada um em benefício do interesse da colectividade.

Assim como recorda o ilustre professor e combatente do povo, Joseph Ki-Zerbo que «quanto mais o poder é partilhado, mais ele aumenta. O poder era comparado a um ovo: quando é apertado com muita força, parte-se nas mãos; mas quando não é agarrado com firmeza, pode deslizar-se e partir também. Então, era necessário exercer o poder nem com demasiada severidade nem com demasiada negligência. É uma imagem profunda que compara o poder a algo de muito precioso como ovo que encera um germe: vida. Efectivamente, quem está no poder detém a vida das pessoas.»; Também os dirigentes africanos optaram pela experiência de regimes novos de partilha de poder impostos pelos líderes europeus de que dependem económica e talvez ainda politicamente.

Neste âmbito, a Guiné-Bissau, com a queda do muro de Berlim e dos impulsos da França, com o discurso de François Miterrand, em 1990, em La Baule (França), recebe o multipartidarismo, com as revisões constitucionais de 1991 permitindo que haja também outras formações políticas diferentes do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo-verde (PAIGC), tendo demonstrado a sua firmeza no processo realizando as primeiras eleições gerais e multipartidárias em 1994. Tudo isto é no sentido de consolidar as conquistas do Homem no que tange aos princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, essencialmente o respeito pela vida humana e a liberdade de expressão e isso só se consegue quando instituídos os mecanismos de controlo e responsabilidade no exercício do poder tendo o HOMEM como um fim e não um meio da tirania. Mas infelizmente passados vinte anos continuamos «suma pêra maré na purtu di bandé»; «nó cá bai nó cá Bin»!

Na democracia o povo-eleitor apresenta-se como um elemento imprescindível na efectivação de mecanismos interactivos de governação. Ora, qualquer que seja o fenómeno governativo vê sempre a sua experiencia testada no povo administrado pois, a actuação politico-governativa não se verifica no abstracto mas no povo como substrato dessa actuação gerando um feedback com a Autoridade decisória possibilitando um equilíbrio na decisão entre o desejável e o possível. E quando não é assim o povo deve reclamar!

Nas legislativas passadas não votei e duvido que irei votar nas próximas presidenciais. Esta minha decisão não será um incentivo às pessoas de não exercerem o seu direito e dever cívico de fazer fé na escolha dos nossos representantes e nem será um apelo a classe castrense no sentido de assumirem as suas responsabilidades face a um maquiavelismo sistemático de usurpação do poder que tem vindo a verificar-se ao longo dos últimos dez anos. Aliás, o facto de votar ou de não votar não constitui impedimento algum de o candidato eleito no veredicto popular seja também, e com muito orgulho, o meu presidente maxime O PRESIDENTE DA REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU. Mas simplesmente mantenho essa firmeza porque perguntar-se- ia qual será o valor do meu voto num ambiente de total anarquia do Estado e a consequente demonstração de força por parte de quem a possui e a impõe?

Então chegados a esse ponto e considerando todos os factores de ambiente social, politico, económico e essencialmente, militar de intolerância em vez de entreajuda à volta deste centrismo que é o nosso país pergunta-se, por uma simples razão:

Ø  Um cidadão desprovido de quaisquer incentivos de confiança nos sucessivos dirigentes do seu cobiçado e mal aproveitado território deve ainda votar?

Ø  Quem será o próximo dirigente que nunca foi governante, ou pelo menos teve alguma responsabilidade nos destinos deste país, capaz de fazer algo de diferente?

Ø  Um guineense que, tendo vivido a evolução político-militar dos últimos tempos e verificado o quão maleavélico tem sido, deve ainda sacrificar a sua energia cívica e votar em benefício de uma eventual deposição do seu dirigente por força das armas? 

Ø  Um estudante (jovem) com capacidade eleitoral activa, constituindo a massa dinamizadora de qualquer processo político e que chegado ao fim do ano lectivo permanece em dúvidas se o ano mantém-se ou considera-se nulo terá motivos para voltar a eleger um político falhado?

Disse Amílcar Cabral num dos últimos discursos que proferiu que «a hora não é de palavras mas de acção [«satis verborum»] » e de facto acções não faltaram mas erradas e muito longe de atingir metas de construção de um verdadeiro Estado democrático e de Direito por isso, devemos juntar numa só voz e apelar ao diálogo de reconciliação e basta de acções!    

* Estudante de Direito - Faculdade de Direito de Bissau (FDB)

 


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