Ana Cristina Ferro Marques
anymarques@hotmail.com
Sidarta
era belo e jovem, rodeado de todos os privilégios de um príncipe.
Havia algum tempo que ele
sentia a semente da insatisfação dentro de si.
Um belo dia, saturado da
principesca rotina, decidiu dar uma volta pelos arredores do palácio.
Observando as gentes do povoado, Sidarta apercebeu-se do sofrimento que
reinava. Viu semblantes afogueados e outros sombrios, sorrisos amarelos e
até mesmo esverdeados, narizes empinados e posturas empertigadas, corações
apertados e ombros caídos.
De regresso ao palácio
anunciou a todos a sua decisão de partir à busca das causas do sofrimento e
o meio de o transcender. O anúncio chocou as gentes do palácio, baralhadas
por esta súbita e inesperada decisão!
O rei dos sakhyas, seu pai,
lembrou-lhe o poder dado de bandeja e as suaves mordomias. Mas o jovem
Sidarta mostrou-se irredutível. De manhã, bem cedo, partiria!
E partiu.
Durante dias caminhou pelas
estradas poeirentas matutando. Cruzou-se com muitos que como ele buscavam a
verdade. Encontrou até os ascetas radicais e seguiu caminho com eles. Quem
sabe, não teriam a resposta?
Sete anos se passaram, mas
não ficou convencido com o radicalismo das suas propostas. Algures, na
estrada da existência, teria que encontrar o caminho do equilíbrio e da
harmonia. Sim, teria que continuar.
E continuou.
Avesso às tradições, aos
dogmas e às verdades impostas, sentou-se um dia à sombra de uma bela
figueira, decidido a não sair de lá enquanto não encontrasse as respostas. E
se assim o pensou melhor o fez. Meditou durante sete dias e sete noites.
E fez-se luz!
Os passantes já o tinham
rodeado à espera, ansiosos, pelas iluminadas respostas. Foi quando, Sidarta,
o Shakyamuni - ou o sábio dos shakyas - anunciou a todos ter encontrado o
caminho do bem-estar e da libertação total.
– «Maravilha das
maravilhas»! – exclamou - «Intrinsecamente, todos os seres vivos são
completos e perfeitos, dotados de virtude e sabedoria, apenas pensamentos
ilusórios impedem que percebam isso».
Perante a sublime
declaração a maioria dos presentes escapuliu-se, esgueirando por entre as
moitas do Parque dos Cervos, em Benares.
– Mais um desvairado a meio
de uma crise existencial!
Dirigindo-se aos que
ficaram, expôs o que mais tarde viria a chamar-se as quatro verdades nobres
do budismo:
– Que o sofrimento existe,
existe! Mas ele é o resultado de uma falsa visão da realidade. E quando
disso me apercebi, soube que era possível encontrar uma luz ao fundo do
túnel. Procurei e encontrei o caminho. E através dele consegui extinguir o
sofrimento.
E assim continuou:
– A libertação do
sofrimento passa pela compreensão de que a essência da vida é mudança. Não
se escravizem pois ao que é mutável. Entreguem-se antes à certeza da mudança
e tornar-se-ão livres. Livres do medo, das frustrações, dos ressentimentos e
outros que tais, defendeu o sábio dos sábios.
As folhagens, embaladas
pela brisa do entardecer, concordaram de imediato, habituadas que estavam à
mudança das estações.
– Reparem nesta simples
flor e como ela está relacionada com a luz do sol, a terra, a água e outros
seres. Observem a abelha que nela se pousa e como está atarefada. E saibam
que a partir desta simples tarefa, novos frutos e flores brotarão. E
numerosos seres serão assim beneficiados!
E acrescentou, esfomeado
pelo longo jejum à sombra da árvore da iluminação:
– Pensem em todos os seres
que contribuíram para a produção do pão que como agora. E apercebam-se que
tudo o que existe está interligado. Nada existe por si só! Cultivem pois a
vossa própria felicidade mas não se alheiem da legítima aspiração à
felicidade dos demais seres.
E um sentimento de conexão
com o universo inundou os presentes.
– Na minha busca reconheci
a perfeição intrínseca em cada ser e o anseio de cada um à felicidade. E
compreendi que a percepção da natureza interdependente e mutável da
realidade é o primeiro passo para transcender o sofrimento e transformar as
relações entre os seres.
Alguns dos presentes
aprontavam-se já a prestar-lhe homenagem e a venerá-lo como o sábio dos
sábios, quando ele os demoveu:
– «Não acreditem na fé das
tradições, por maiores que sejam seus méritos e honras através do tempo e do
espaço. Não acreditem na fé dos sábios do passado. Não acreditem no que
imaginam ter vindo de alguma autoridade. Não acreditem em qualquer coisa que
venha da autoridade de mestres e sacerdotes».
E o silêncio da noite
conquistou os presentes quando Shakyamuni, o sábio dos sakhyas, concluiu
assim:
– «Acreditem apenas naquilo
que após vossa própria análise reconhecerem como correcto e naquilo que for
bom para vocês e para todos os outros seres».
Buda terminara o seu
primeiro sermão.
Uma palavra de
reconhecimento a Nuno Ferro Marques que aceitou ajudar-me a rever este
texto, e que, a pouco e pouco, foi rescrevendo comigo este «Primeiro sermão
de Buda».
Ana
Cristina Marques
Ana
Cristina Ferro Marques