O Racismo Político
Por: Adulai Indjai
27.04.2009
"Aprendi o silêncio com os faladores, a tolerância com os intolerantes, a bondade com os maldosos; e, por estranho que pareça, sou grato a esses professores." Khalil Gibran
Quando sofremos de uma doença crónica, somos sempre vítimas de sequelas causadas pela doença. Os anos de angústia e de dor continuam muito presentes, o estado psicológico continua com perturbações. A vontade de se melhorar ultrapassa o nosso desejo de viver. A recuperação das sequelas das doenças pede um trabalho enorme de reeducação. Pode ela ser física, psicológica depende da gravidade deixada pela doença. A Guiné-Bissau está longe de ser curada se continua escolhendo o caminho do racismo politico em democracia. Após 34 anos da nossa independência, o nosso país conheceu momentos difíceis, sobretudo com a guerra de poder no centro do partido PAIGC, que ao longo dos anos começou a afectar a vida inteira do nosso país. Os diagnósticos foram feitos e a única solução encontrada é a Democracia, como remédio ideal que pode salvar este novo Estado (Guiné-Bissau). Portanto, a democracia é muito mais do que apenas um sistema político formal, é também a forma como as pessoas se relacionam e se organizam. Neste sentido, a reforma política é devolver o poder ao povo a quem nunca devia ter sido retirado. O Projecto CONTRIBUTO colocou em linha uma petição contra a triste Lei da Cidadania, mas a sua assinatura está sendo feita a conta gota. Irmãos, reivindicar é um direito democrático que temos, não devemos ter medo de mostrar a nossa indignação face a esta grande vergonha na nossa democracia. Estar habituado a um certo estilo de vida, é sinónimo de imbecilidade, o nosso país é dirigido nesse sentido. A quem serve a Lei da Cidadania? Quem tem medo da concorrência? Quem não tem coragem de aceitar a diferença? Quem é mais Guineense do que o povo? Quem conhece a verdadeira origem do nosso povo? Qual é a raça ou a classe social que é mais Guineense do que as outras? A oportunidade de mudança esta nas mãos do nosso Estado, quando falo do Estado não limito aos 32 dois elementos que fazem parte do governo mas sim de todas as instituições que fazem parte do corpo do nosso país; o povo, a sociedade civil e os políticos, os magistrados, cada um destes elementos tem uma tarefa enorme no processo da edificação deste país doente. Queríamos estar aqui a falar-vos dos aspectos negativos da hipócrita Lei da Cidadania que é simplesmente um acto puro de racismo político, decidimos ir buscar dois artigos interessantes: o da escritora Filomena Embaló, Intitulado “A «ILEGITIMIDADE» DA IDENTIDADE NACIONAL” e o do escritor MIA COUTO, intitulado “E Se Obama Fosse Africano?” . Estes dois interessantes trabalhos espelham o racismo político do continente Africano, que podemos aplicar no contexto actual da Guiné-Bissau, pois estamos perante uma manifestação clara de racismo na nossa democracia. Convido-vos a relerem dois bonitos trabalhos um da Filomena Embaló e outro do Mia Couto.
A « ILEGITIMIDADE » DA IDENTIDADE NACIONAL
13.11.2008 Nota ao leitor: o texto inicial deste artigo fazia referência a uma suposta ambiguidade da noção de “cidadão de origem”. A Lei da Cidadania, no seu Artigo 5 define claramente a cidadania de origem, pelo que a passagem do texto referente a essa questão foi alterada. No entanto a modificação efectuada em nada altera a reflexão levantada pelo artigo.
A eleição de Barack Obama à magistratura suprema dos Estados Unidos da América constitui um acontecimento sem precedentes na história deste país. O sonho de Martin Luther King começa finalmente a tornar-se realidade: o sonho de negros e brancos estadunidenses viverem harmoniosamente e serem iguais.
Barack Obama, filho de um imigrante queniano e de uma norte-americana branca, mestiço ou “bi-racial” como se diz localmente, “afro-americano”, “negro”, foi escolhido pelos eleitores do seu país para, durante os próximos quatro anos, dirigir os destinos da Nação e representá-la no mundo inteiro. Foi uma vitória pessoal, mas também a de toda a comunidade “afro-americana” que durante mais de dois séculos vem lutando pela igualdade de direitos e contra a discriminação.
O continente africano jubilou também com este plebiscito, pois um “filho de África” estará ao leme da primeira potência mundial, glorificando assim o continente e os povos africanos. Com ele espera-se um outro olhar e uma nova sensibilidade da Casa Branca em relação à África.
Apesar da sua origem africana, Obama é acima de tudo um cidadão dos Estados Unidos, Foi lá que ele nasceu e viveu. A sua nacionalidade é a norte-americana. A sua cultura é a cultura norte-americana, com a qual se identifica. Ele partilha com todos os estadunidenses os mesmos valores, a mesma identidade nacional, o mesmo “sentir norte-americano”, a mesma língua, o mesmo solo, a mesma História e a mesma bandeira. E tudo isso faz dele um cidadão de pleno direito que hoje o elevou à mais alta magistratura da Nação.
E, como disse, a África está orgulhosa deste “filho” e muitas foram as individualidades africanas que nas antenas das rádios internacionais disseram que os Estados Unidos mostraram que ainda podem dar lições ao mundo e em particular à “velha” Europa. E eu acrescentaria: e sobretudo à Mãe África, estripada pela violência da intolerância!
Pois, pergunto-me, se Obama tivesse nascido num país africano, de mãe originária desse país e de pai imigrante (ou vice-versa), em quantos países ele seria elegível à presidência da República? A lista não deve ser muito longa...
Na Guiné-Bissau, infelizmente, ele não teria esse privilégio, uma vez que o Artigo 63°-2 da Constituição diz serem “elegíveis para o cargo de Presidente da República os cidadãos eleitores guineenses de origem, filhos de pais guineenses de origem, maiores de 35 anos de idade, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos”... O maior paradoxo disto é o facto destes critérios excluírem o próprio Fundador da nacionalidade guineense, Amilcar Cabral.
Quantos “obamas “guineenses existem na Guiné-Bissau? Quantos guineenses nascidos de um genitor guineense e de outro estrangeiro que viveram sempre na Guiné-Bissau, sem nunca ter tido outra nacionalidade que não a guineense e sem qualquer contacto com o país de origem do genitor estrangeiro, estão interditados de se candidatarem às eleições presidenciais?
Serão eles menos guineenses do que os que têm ambos os pais de “origem guineense”? Não partilham eles com os seus compatriotas os mesmos valores, a mesma identidade nacional, o mesmo “sentir guineense”, a mesma língua nacional, o mesmo solo, a mesma História e a mesma bandeira, tal como Obama com os seus compatriotas? Será a identidade nacional guineense uma noção vazia que não dá qualquer legitimidade ao cidadão?
Por quê esta discriminação, quando o Artigo 24° da Constituição da República diz que “Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, sem distinção de raça, sexo, nível social, intelectual ou cultural, crença religiosa ou convicção filosófica”? As disposições do Artigo 36°-2 não serão uma discriminação racial? Não estaremos perante uma contradição entre as disposições destes dois artigos da Lei Fundamental?
A Guiné-Bissau, como país colonizado que foi e como terra de acolhimento que tem sido, terá que aprender a assumir a integralidade da sua história, bem como a população que hoje tem, fruto dessa história.
Esperamos que a eleição do Presidente Obama, para além de trazer as tão esperadas estabilidade e paz no mundo, constitua, em particular para o continente africano, um exemplo de tolerância, em que cidadãos com as mais diversas origens escolheram um presidente não pela cor da sua pele ou pelas suas origens, mas pelas ideias e valores que defende.
E se nós, africanos, também tivéssemos um sonho?... Não é o sonho que comanda a vida? Tudo depende do nosso querer, pois, querendo, we can!
E se Obama fosse africano? Mia Couto
Os africanos rejubilaram com a vitória de Obama. Eu fui um deles. Depois de uma noite em claro, na irrealidade da penumbra da madrugada, as lágrimas corriam-me quando ele pronunciou o discurso de vencedor. Nesse momento, eu era também um vencedor.
A mesma felicidade me atravessara quando Nelson Mandela foi libertado e o novo estadista sul-africano consolidava um caminho de dignificação de África. Na noite de 5 de Novembro, o novo presidente norte-americano não era apenas um homem que falava. Era a sufocada voz da esperança que se reerguia, liberta, dentro de nós. Meu coração tinha votado, mesmo sem permissão: habituado a pedir pouco, eu festejava uma vitória sem dimensões. Ao sair à rua, a minha cidade se havia deslocado para Chicago, negros e brancos respirando comungando de uma mesma surpresa feliz. Porque a vitória de Obama não foi a de uma raça sobre outra: sem a participação massiva dos americanos de todas as raças (incluindo a da maioria branca) os Estados Unidos da América não nos entregariam motivo para festejarmos.
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR! Associação Guiné-Bissau CONTRIBUTO |