OS custos da democratização
Bubacar Turé *
25.11.2008
Depois de uma campanha eleitoral pacífica, caracterizada por um elevado sentido patriótico e de civismo, o escrutínio do passado dia 16 de Novembro, constitui uma referência emblemática em África conforme pronunciou o Departamento de Estado Norte-americano. Ao contrário de muitas democracias, no nosso continente as eleições consubstanciam factores da violência, da intolerância e da guerra civil. O povo guineense acabou por revelar a sua maturidade cívica, dando uma lição de moral e de convivência pacífica na diversidade.
Durante a campanha eleitoral, muitas revelações, acusações gratuitas e insinuações, foram lançadas aqui e acolá visando enfraquecer um ou outro adversário no terreno. Mas o povo guineense acabou por decidir soberanamente, entregando os destinos do país, a uma formação política, o PAIGC, dando-lhe uma maioria de dois terços para governar tranquilamente este país tão conturbado e à beira do colapso. Trata-se de resultados bastante expressivos e de capital importância, não pela opção da formação política vencedora, mas pelo significado político, económico e acima de tudo social, desta mensagem da população cansada da ganância política, corrupção, clientelismo etc.
Estas eleições aconteceram numa altura em que o país atravessa um dos seus piores momentos em todos os domínios, devido à incapacidade da classe política e dos detentores do poder, em encontrar soluções duradouras e viáveis, capazes de resgatar a Guiné-Bissau do abismo em que se encontra. Perante um país que padece de Síndroma de Imunodeficiência Adquirida em estado crónico, coloca-se a questão de saber, quais são os principais desafios a enfrentar a curto e longo prazo? Na nossa perspectiva, o partido vencedor deve, em primeiro lugar, saber gerir a sua vitória eleitoral, evitando euforias e arrogância política que possam criar terreno propício para instabilidades internas, consequentemente, a desestabilização da governação. O segundo aspecto, deve passar pela moralização da sociedade, na medida em que, assistimos a um forte declínio dos valores morais e da ausência da observância da ética no exercício dos cargos públicos. Existe um défice tremendo sobre o conceito do bem público e a sua gestão em benefício da colectividade. Este ponto chama à colação, a problemática das finanças públicas, considerada como calcanhar de Aquiles no panorama governativo do nosso país. O saneamento das finanças públicas que passa necessariamente pela reforma do sistema fiscal guineense assim como dos critérios que orientam o dispêndio do dinheiro público, são imperativos a levar a cabo dentro de um curto espaço de tempo. O quarto aspecto passa pela reforma global do Estado, adoptando-o de uma administração profícua e eficaz, geradora de rendimento e produtividade, combatendo sem tréguas, a corrupção. Essa reforma deve permitir, a recriação de um sector de defesa e segurança moderno, democratizado e profissionalizado, capaz de fazer face aos desafios da globalização.
Ainda no quadro da referida reforma global do Estado, não é de descurar os sectores chaves como a Educação e a Saúde, considerados como únicos factores do desenvolvimento humano de qualquer país. Não pretendo esgotar as prioridades neste artigo, mas é indiscutível que o sector energético constitui um instrumento catalizador do progresso, por isso, não podemos continuar a alimentar ideias hipócritas que rejeitam a privatização da EAGB sob fundamento insuportável de ser um sector de soberania.
Postas estas considerações, convém analisar os contornos sociopolíticos do nosso sistema democrático que tem andado em duas velocidades, sem que haja consolidação das conquistas ou fracassos. Nos meados do mês de Junho do corrente ano, publiquei neste e noutros órgãos de informação, um artigo em que, entre outras coisas tratadas, levantei dúvidas sobre o papel dos senhores das armas no cenário político guineense, com especial destaque às eleições legislativas que se avizinhavam. Estariam ou não a preparar arbitrar o contencioso eleitoral? Na altura era um desafio lançado, hoje os resultados são visíveis para a consideração do cidadão comum tirar as devidas ilações perante este novo facto vergonhoso de tentativa de assassinato de sua excelência Sr. Presidente da República General João Bernardo Vieira.
Este acto macabro e criminoso, estaria ligado ou não com os resultados eleitorais? É ou não uma chantagem para impedir que o líder de uma formação política responda as acusações que proferiu contra o chefe de Estado? Trata-se dos homens fiéis ao Contra Almirante Na Tchuto a tentar vingar? Ou são custos que somos obrigados a pagar pelo facto de o país ter optado pela democracia como forma de governo? Quem são os autores morais deste atentado contra a integridade física do chefe de Estado e da sua família? Estas são entre as várias questões, que devem ser rapidamente apuradas por um inquérito judicial, com vista ao esclarecimento da verdade material. Certo é que, o país deu mais uma vez, um passo gigante em direcção ao retrocesso. Os acontecimentos do dia 23 do corrente mês, não só levantam o véu sobre quem realmente detêm o poder efectivo na Guiné-Bissau, mas também vem revelar a expressão da simbologia da arma, enquanto instrumento de dissuasão, da conquista e posterior exercício do poder político no nosso país.
No entanto, perante esta situação de terror e do medo generalizado, o normal seria as instituições da República entrarem em acção, para esclarecerem o que teria acontecido realmente. Mas que instituições? O sindicato da impunidade? Quiçá desta vez haja seriedade e colaboração entre as instituições, que prevaleça o princípio da punibilidade de todos quantos infringirem as mais elementares normas da República. Caso contrário, estaremos a hipotecar a Guiné e o futuro das nossas crianças. O povo guineense não pode resignar-se, o espírito da resistência deve continuar, porque temos que pagar um preço pela opção ao sistema democrático, ou seja, os custos da democratização. A democracia enquanto único modelo que garante o florescimento das liberdades e dos direitos fundamentais, tem que prevalecer na Guiné-Bissau, enquanto opção inequívoca do legislador constituinte. As guerras e as eliminações físicas de figuras públicas são opções erradas que não levam o país a lado nenhum. Esta terra precisa do trabalho, honestidade, acima de tudo a seriedade e justiça.
Disse o Prof. Kafft Kosta «A terra não carece de guerra; precisa é de trabalho dos seus filhos, sendo responsabilidade das gerações mais novas legar ao futuro uma Guiné melhor. A geração da luta cumpriu um invejável desígnio histórico; a subsequente tem outro grande desígnio: deixar uma Guiné próspera, avançada e cada vez mais dignificada».
Na verdade a maior fidelidade, o melhor serviço que os militares podem prestar à pátria e à Constituição é a sua neutralidade no jogo político e conformação ao poder politico instituído.
É urgente acabarmos com os sentimentos do ódio e da vingança e associarmos com a civilização mundial onde a democracia, a tolerância, a diversidade de ideias e crenças, os direitos humanos são considerados como alicerces para o progresso e bem estar de um povo.
* Jurista e activista dos direitos humanos
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