Muitos guineenses ignoram o sentido exacto
dos sinais da República
Com certeza, a Guiné-Bissau está a atravessar os momentos mais sérios da sua história. É verdade que houve a luta de libertação nacional, mas o território onde vivemos hoje ainda não era país. Era uma província portuguesa. Depois, houve a independência nacional; a presidência de Luis Cabral; o massacre de ex-servidores do Estado colonial; o golpe de Estado de Nino Vieira; as matanças de combatentes da liberdade da pátria e o amuo entre Kabi Nafantchamna e Brick Brack, que se desembocou na guerra civil de 1998-1999. Houve ainda tanta coisa suja, que icha a Guiné-Bissau para o paradigma de países de feitos banais. É caso, por exemplo, da etnização do exército guineense, o retrocesso aos velhos ressentimentos tribalistas, o golpe de militares adulados contra o adulador Yala, a dolente morte de militantes do PRS pela policia. Para não ser longo, esta elevação que subiu a classe castrense do país, a ponto de já constituir uma hipérbole fazê-la redescer à terra plana...
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Por ENFA Cassama
27.12.2006
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Pode parecer ridículo inserir estes factos pretéritos num artigo de imprensa que se pretende seja viva. Porém, para que a palavra seja dita, o momento que se vive na Guiné-Bissau de hoje não é dos melhores.
Veja-se! No relatório que Kofi Annan submeteu no dia 12 de Dezembro, ao Conselho de Segurança da ONU, está manifesta a ideia de que a ‘reconstrução económica da Guiné-Bissau permanece frágil, que as figuras politicas do país terão que privilegiar o interesse nacional acima do seu próprio, procurando resolver as disputas pacificamente’
No mesmo documento, o Secretario Geral das Nações Unidas precisa que ‘sem a estabilidade politica, o país não poderá avançar e a cooperação com os parceiros internacionais, inclusive com os investidores, não poderá ser garantida’.
Por outro lado, o país precisa, a curto termo, de ajudas de urgência para compensar o gap no orçamento Geral do Estado para 2006-2007, e para implementar o seu plano de redução da pobreza e seu programa de reestruturação do sector de defesa e segurança. Pelo que Annan instou a Comunidade Internacional para doar com generosidade.
Ainda, será que alguém, no âmbito da XIII Semana Sociológica, dedicada à pobreza, não disse que a Guiné-Bissau é o pais da CPLP com um nível mais baixo de desenvolvimento humano e regional?
No conjunto dos oitos estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), só a Guiné-Bissau é que regista "maiores níveis de pobreza avaliados pela fraca literacia, pelo número de patologias ligadas à miséria e pelo índice elevado de mortalidade infantil", acrescentou a mesma pessoa da comunidade lusófona.
Também, Jean Dricot, representante do UNICEF no país de Amilcar Cabral, avançou que a taxa de mortalidade materna na Guiné-Bissau é das mais altas no mundo. Dricot, que falava no acto de lançamento do relatório sobre a situação mundial da infância em 2007, não indicou números. Quem o fez, foi o ministro guineense da Presidência do Conselho de Ministros, Rui Diã de Sousa. Segundo este último, mil mulheres sobre cem mil outras morrem em idade materna.
É aterrador, mas é a realidade actual na Guiné-Bissau. Uma realidade que ninguém deseja assumir, mesmo os diferentes governos que já conhecemos. Estes últimos, apesar de escolhidos pelo povo (se assim bem é), para gestionarem o bem que não podemos gerir em conjunto, rejeitam a responsabilidade sobre todo o povo guineense.
É banal ser engraxador
A presente análise ilustra isso. Nunca me atrelei às costas de ninguém. Das inúmeras vezes que tive que escrever, foi pela Guiné-Bissau. Dai porque nunca me simpatizei com os propósitos de certos irmãos meus, guineenses, que, pela ciência que adquiriram, a qual poderiam pôr ao serviço do desenvolvimento da nossa terra, optam por alinhar com os depredadores do pais, defendendo o homem e o seu partido, acima de tudo.
Reparei isso nalguns escritos que o Didinho já fez circular no seu site. À partida, julgava que semelhantes atitudes só podiam ter força na Guiné-Bissau. Infelizmente, vê-se que mesmo lá fora, há uma certa gente que se agarra a elas, com unhas e dentes, véu no semblante. Não estou contra o que auferem para poderem viver. Mas, será realmente este o objectivo porque foram estudar aí fora com o dinheiro da Guiné-Bissau?
De facto, ninguém precisa de ser lembrado da forma como nasceu a Nação guineense. Foram dois pedaços da mesma carne – um que passou cerca de onze longos anos de luta debaixo de fogo, pólvora, chuva, mosquitos e fome contra o exército colonialista, e o outro, que passou todo esse tempo sob a administração e cultura portuguesa – que a formam, sem uma reconciliação válida, segura e duradoira. Muitos guineenses de hoje ignoram o sentido exacto dos sinais da República, inclusive, muitos não sabem cantar e sentir o Hino nacional da Guiné-Bissau. A ignorância destes valores está patente nas atitudes da maioria dos guineenses, principalmente, daqueles que, de uma forma ou doutra, conseguem chegar à liderança política e governativa do pais. Grosso modo, a política tornou-se na única arma que leva directamente à caverna de Ali Baba. Tudo em detrimento do povo.
Com certeza, este peso é enorme para todos os filhos da Guiné-Bissau. É este peso que deve ser trazido à mente do nosso fórum de debates. Eu não sou daqueles que julgam que o país vai mal por faltar-lhe cérebros. Não é possível que tenhamos levado mais de 30 anos de vida a construir desfortunas. Há cérebros numa larga iota, mas, ausentes do jogo político na terra, só porque não se sentiriam bem em encetar a carreira com escovas de engraxadores fariseus na língua. Esta é a realidade cuja saída é para ser encontrada o mais rapidamente possível. Isto nos é fatal, porque o país não vai poder continuar a manter abertas as suas antenas de escuta junto às comunidades da diáspora. Os custos desta actividade covarde são tanto e quanto maus como aquilo que a mesma faz chegar ao país em troca.
A Guiné é um mosaico de cerca de trinta etnias, colocadas sob um enorme peso: o analfabetismo, a governância, a pobreza provocada. Todos estes factores participam no olhar do eleitor guineense, que é mais atirado pelas coisas fáceis e acessíveis de imediato, e não por aquelas que são mais difíceis e portadoras de longevidade. E a tanta sede que se tem pelo poder neste pais, levou os políticos a tecerem o retrocesso aos ressentimentos tribalistas, que a luta de libertação lograra diluir. É um retrocesso sério, que pode afundar o país num turbilhão sem precedente. Decerto, que não vai ser este o momento de dizermos não a liberalização do privilégio de ser político. A ditadura nos foi deveras penosa.
Nossa outra realidade
No sol que hoje se faz, a maioria dos guineenses – quer na capital, quer no interior – já aprendeu a comer uma vez por dia e não tem energia eléctrica, que é reservada a altas figuras públicas, aos fariseus depredadores e à iluminação de poucas ruas. O que fez de Bissau a capital das mais barulhentas do mundo, porque as familias que vivem cá na lama, produzem suas próprias energias com os seus próprios grupos electrógenos. Os salários que o Governo paga aos trabalhadores, não conferem a tranquilidade nem o crédito de investidores. A corrupção virou numa espécie de troféu de matchundade, enquanto as vias de circulação pública, quer na Guiné-Bissau das profundezas, quer na capital, Bissau, provocam dores de cabeça. Ainda, a sede que tem a gente, de andar em viaturas de alta marca, de tipo ‘hamer’ e outras, contrasta com a nossa realidade. E há quem se sinta ferido com o facto desta situação ser trazida à luz do dia, em defesa do bom nome de seus patrões.
Na Guiné-Bissau, o modo de governação é peculiar e singular no conjunto de todos os estados do mundo. Nós elegemos cidadãos nossos, que entregamos todo o nosso cofre-pátrio para nos empobrecerem.
Ainda, será que você sabe que o Governo já declarou aberto o novo ano escolar e que as aulas continuam por iniciar? Tudo porque o Ministério da Educação e Ensino Superior entendeu que deve acabar com os docentes contratados para, no lugar destes, recrutar alunos da escola de formação de professores (Tchico Té)? Esta decisão, embora pareça ser precipitada, não foge à veia de mais uma atitude banal ao futuro do país. Que ninguém pense, que é com notas administrativas que a Guiné-Bissau vai poder ter bons matemáticos, médicos, agrónomos, astrónomos, etc. etc.
Tudo está agora claro que a ausência da escola e do emprego gerou uma outra actividade para a juventude: a delinquência. Nesta quadra festiva do Natal, um cidadão teve a má sorte de cair na emboscada de um bando, que lhe cortou as duas orelhas. Este é o resultado inevitável de um país que não consegue levar os filhos à escola e nem cria empregos num território altamente viável.
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO