O Stress Pós-Traumático

 

 

 Sandra Cardão *

http://psicologiasos.blogspot.com

caminhodapsicologia@hotmail.com

04.05.2010

No artigo anterior sobre a Mutilação Genital Feminina (MGF), falou-se em “stress pós-traumático” (SPT) como consequência daquela prática na saúde mental e física da mulher.

Para a prevenção da saúde geral das populações, convém compreender a história e a natureza desta perturbação, assim como as dificuldades e incapacidades que geram ao nível da vida diária.

O Stress Pós-Traumático tem longa história, e nem sempre teve esta designação. O seu estudo começou com os combatentes da Guerra Civil Americana, em que os sintomas cardíacos apresentados pelos combatentes ficaram conhecidos pela designação de  “soldier´s heart”  (Kaplan & Saddock, ?, p.617). Depois falou-se desta síndrome traumática aquando do acidente nos caminhos de ferro de Inglaterra, e na primeira guerra mundial.

Muito mais tarde, por volta do primeiro quartel do século XX, a influência da psicanálise nos clínicos dos EUA, faz com que o diagnóstico de neuroses traumáticas se refira aos sintomas apresentados pelos combatentes.

 

Só depois da guerra do Vietname, é que recebe o nome que detém actualmente, por existir um trauma na sua origem, que ficou por racionalizar e processar. Assim, de acordo com a American Psychiatric Association (APA, 2002) podemos dizer que na etiologia/origem desta perturbação, está a presença de um agente/situação stressante que expõe a pessoa a perigo ou ameaça de vida.

Convém referenciar que o stress pós-traumático pode acontecer noutras situações que não só as de combate. Acontece também nas catástrofes naturais (terramotos, erupções vulcânicas, tornados); nas tecnológicas (acidentes nucleares, intoxicações alimentares) ou por feitos sociais (por exemplo, nos maus tratos, tortura, violações e outros abusos sexuais). Assim, a fase de choque traumático, pode acontecer tanto individualmente, como em grupo, e em qualquer idade, incluindo a infância (APA,2002).

 

No stress pós-traumático a reacção a qualquer estímulo stressante extremo, é vivida por uma síndrome, ou conjunto de sintomas, que vai desde a sensação exagerada de incapacidade e de medo intensos; sonhos recorrentes sobre o trauma e/ou recorrência de recordações perturbadoras; sensações de revivescência do acontecimento traumático; hipervigilância (exagero na resposta de alarme), amnésia dissociativa ou dificuldades de concentração, despersonalização e desrealização, anestesia dos afectos; entre outros sintomas.

“Os sintomas causam mal-estar clinicamente significativo ou deficiência no funcionamento social, ocupacional ou qualquer outra área importante” (APA, 2002, p. 468).

 

Psicologicamente é como um afundar abrupto da segurança inata, as certezas deixam de as ser, e eis que surge o medo, a tensão ansiosa, o pânico, que caracterizam uma primeira fase de choque vivenciada na situação traumática. Depois, o sentido de identidade desmorona-se, surgem dificuldades nas relações consigo mesmo, com a expressão de afectos, com os outros, e com as mudanças; a adaptação à realidade é má. Estes sintomas também podem converter-se em somatizações, ou seja, em sintomas físicos, como reacção fisiológica.    

 

Para além dos casos já descritos em que pode surgir esta perturbação, voltamos a relembrar que todos ou muitos dos sintomas descritos do stress pós-traumático são vivenciados pela mulher (criança ou adolescente) sujeita à mutilação genital, pelo que é necessário trabalhar na prevenção da sua saúde mental e física, trabalhando para a substituição total deste ritual/prática cultural por algo mais simbólico.

 


Referências

American Psychiatric Association. (2002). DSM-IV-TR. Manual de diagnóstico e estatístico das perturbações mentais. 4ª Ed. Lisboa: Climepsi Editores.

 

Kaplan, H.I., & Sadock, B.J. (?). Synopsis of Psychiatry: Behavioral Sciences/ Clinical Psychiatry 8th Ed.


 

* Sandra Cardão nasceu em Angola, é Licenciada em Psicologia Clínica, fez estágio na área da Psicogerontologia e tem trabalhado no âmbito escolar com crianças do Ensino Básico (integração de minorias, crianças carenciadas). Também é Facilitadora de Grupos de Jovens para a Promoção do Desenvolvimento Pessoal. É Autora e Formadora Certificada.

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