PELA GUINÉ-BISSAU - CARTA ABERTA
Carlos Gomes 02.05.2012
Aos meus irmãos e compatriotas guineenses, Um entendimento igualmente válido e que com certeza partilhamos é o mesmo daquele que querendo concertar uma máquina estragada sabe que tem primeiro que ter o conhecimento dos mecanismos do seu funcionamento e disfuncionamento para saber como fazer e poder procurar os instrumentos adequados. E quando se trata de máquinas complexas onde por exemplo estão integrados os sistemas mecânicos e electrónicos é preciso ainda mais, ou seja, tem que compreender também a relação ou vínculo entre os dois sistemas. Nem sempre uma avaria se localiza no sítio que não funciona.
A sociedade é um sistema ainda mais complexo
que as máquinas complexas porque as suas "peças" têm ideias e estão em
mudanças constantes: de número, de necessidades, de perfil e de campos, etc.
A verdade, a justiça, a transparência e a honra dos compromissos podem contribuir na tranquilização da sociedade e abrir portas à solução dos conflitos. Saibamos dizer não à guerra porque a vida de um ser humano vale tanto quanto é criação de Deus. Os deveres e os direitos devem ser encarados como as duas caras da mesma moeda. Exigir o cumprimento dos deveres sem se preocupar em garantir os direitos pode ser fonte potencial de conflito a qualquer nível. Não devemos permitir a internacionalização do conflito mas podemos e devemos aceitar a cooperação internacional para busca de solução e reconciliação a curto, médio e longo prazo. Em outras palavras, não devemos promover o derramamento de sangue estrangeiro na nossa terra e nem devemos permitir que na nossa própria terra venham forças estrangeiras a derramar sangue dos nossos filhos, nossos irmãos ou nossos pais porque seria humilhante não dignificante. Urge pois resolver este conflito com bom senso e de forma pacífica.
Devemos ser os primeiros e os últimos
responsáveis na busca da solução da crise que nós criamos e dela devemos
tirar lições para um futuro melhor. Pedir ou aceitar ajuda, se for
necessário, para a sua resolução pacífica, com base numa mediação ou
arbitragem idónea, imparcial e aceite pelas partes desavindas, é um acto de
coragem, de boa fé e de sabedoria, mas fugir à nossa responsabilidade é má
fé e é passarmos a nós mesmo certificado de incompetência ou de selvajaria.
Conquistada ou dada a independência os povos
não podem permitir opressão de partidos, de raças, de indivíduos ou grupos,
ou outras formas de criar divisão ou clivagens no seio da sociedade. A paz, a tranquilidade e o desenvolvimento do país é responsabilidade de todos, dos dirigentes e dos dirigidos. Todos devemos buscar a forma de cooperar para a luta contra a pobreza e necessidades extrema, porque elas podem provocar a descida da consciência da cabeça para a bariga e fazer-nos passar então a viver num autêntico inferno. E o perigo disso é que o povo pode passar a votar com a bariga, os advogados e juízes podem passar a decidir com a bariga, os militares podem passar a defender a bariga e não a pátria e a soberania, e a elite política e social pode passar a pensar e a decidir políticas com a bariga. Assim então ficam garantidas todas as condições de segurança para a corrupção, o nepotismo e os tráficos ilícitos passarem a governar, e para a trapaça, vigarices, assaltos, roubos e companhia limitada passarem a ditar as leis à sociedade. E quando o povo perde completamente a cabeça, porque a consciência já desceu toda para a bariga, não vai haver quem resista a fúria, porque ninguém vai estar à salvo, nem políticos, nem militares, nem ninguém. Ainda estamos à tempo de entender isso e de orientarmo-nos melhor. É muito importante que o povo tenha liberdade de participação na democracia e isto significa que tem que ser uma prioridade o combate à ignorância, que deve ser progressivo mas incessante, porque a ignorância inabilita o povo a tomar decisão consciente e torna-o facilmente manipulável de acordo com os interesses particulares, hoje de X e amanhã de Y e provavelmente depois de Z, e por aí adiante. O povo deve ser educado e esclarecido de forma a poder decidir conscientemente, apoiar quem entende que melhor vai defender os seus interesses à curto, médio e longo prazo e não apoiar X ou Y apenas porque no periodo de campanhas eleitorais fez melhor "marketing" ou tenha mais meios de distribuir dinheiro, comida e bebida, camisolas e bonés ou de promover festas como o povo gosta, ou que promete postos ou distribui bens materiais às pessoas influentes na comunidade ou promete realizações fantasiosas, obras e benfeitorias idealizáveis, ou pior ainda, explore os instintos sectários com riscos de criar clivagens na sociedade, tudo para conseguir votos do povo mal esclarecido, manipulado como criança para satisfazer às pessoas ambiciosas, mal preparadas e sem ética política. É imperativo que se proporciona ao povo um mínimo de instrução e esclarecimento para dar-lhe oportunidade de participar consciente e livremente quando é chamado a exercer o seu direito de voto democrático. As eleições só podem ser realmente livres e justas nas populações esclarecidas e os eleitos só devem estar seguros disso nestas circunstâncias. Só pode dormir sem sobressaltos aquele que for eleito por um povo instruído e esclarecido. O poder só pode ser exercido de forma pacífica e equilibrada se a força e a razão estiverem do seu lado e tiver apoio da liderança natural das comunidades. A força é representada pelo exército e as forças paramilitares e de segurança, enquanto a razão é representada pelas leis, a inteligência, os conhecimentos e as competências nacionais, cujas vanguardas são os cientistas, tecnólogos, filósofos, sociólogos e homens de leis, entre outros. Não é aceitável que haja razões ou desordens de tal magnitude que levem militares e paramilitares a se tornem adversários ou governantes e militares a se tornem inimigos. O poder é do povo e deve ser exercido de acordo com os interesses do povo e é o povo que deve conferi-lo a quem decidir eleger de forma consciente e livre. Quem for eleito pelo povo deve saber ouvir e interpretar o que o povo quer e necessita, para orientar a sua acção ao encontro dos interesses deste mesmo povo que o elegeu, sem fazer distinção entre os que votaram nele ou noutros candidatos. Quer isto dizer que o respeito pelo cidadão não deve depender da orientação do seu voto e que a boa governação tem que assegurar justiça social e igualdade de oportunidade para todos. Os que assumirem o poder não devem preocupar-se apenas em fazer bem só aquilo que satisfaça as suas ambições pessoais, nem devem procurar ou encontrar pessoas para cargos relevantes para o estado, só no círculo de seus familiares, amigos, etnia, religião, ideologia ou partido político, porque este comportamento é também uma forma de "juntar a lenha à espera de quem traga o fogo". É insuportável e retrógrado ter uma elite social ou política com extraordinária capacidade de reconhecer e colocar defeitos nos adversários, mas com muito pouca capacidade de reconhecer virtudes em quem quer que seja. Devemos ter atenção de que demasiada inveja e competição pela negativa e muito pouca humildade torna o ambiente selvagem. Isto pode levar a que em vez de ter que escolher entre o bom e o melhor somos obrigados a escolher entre o mau e o pior. Deus há-de livrar-nos deste mal. Não é tolerável na sociedade e sobretudo no cenário político, que prevaleçam fraquezas como o recurso à mentiras, difamações ou intrigas, às desinformações, boatos ou complots, à má fé e ao oportunismo como armas para atingir o poder, porque o poder conseguido por estes meios nunca pode ter longevidade. Devemos tomar a consciência de que estas fraquezas só se podem combater com acção psicossocial e pedagógica e a receita tem que ser endógena, quer dizer, não pode vir de fora, tem que partir de dentro da sociedade. É preciso também compreender que a inactividade dos jovens por falta de enquadramento, de oportunidade de trabalho ou de estudo, gera a falta de perspectiva do futuro e é uma condição que contribui para a insegurança, a injustiça, a pobreza e os conflitos sociais. Negligenciar este facto e insistir em não resolvê-lo e manter os jovens inativos e sem perspectiva é como criar uma bomba de fragmentação social e isso deve preocupar-nos a todos pelo que torna-se urgente resolver este problema. Não é saudável para qualquer sociedade que a juventude se divida entre os que reprimem com cacetadas, cintos, bastões e armas e os que se manifestam com raiva e ódio, tendo como espectadores a restante população residente no país, a população forçada a emigrar e o resto do mundo. No interesse do país, a juventude que é uma mais-valia de qualquer sociedade não deve ser condenada a estes espectáculos e deve ser orientada e enquadrada para cumprir o seu papel à bem de todos. Se não cultivarmos o bem, o mal há-de nascer no seu lugar. As ervas daninhas não esperam para ser cultivadas, elas se cultivam a si próprios. O exército e os quartéis não devem ser reservados à grupos, raças ou determinados sectores de sociedade, mas deve incluir a todos e os quartéis não devem ser tratados como se fossem pocilgas reservados à pessoas sem direitos sociais (cidadãos de 2ª classe) mas com incumbência dos deveres de defender o país e assegurar a ordem. Isto é também "juntar a lenha à espera de quem há-de trazer o fogo". Muitas vezes os golpes de estado começam a ser engendrados fora dos quartéis. Dar armas à uma pessoa sem instrução, maltratada e sem direitos é como criar monstro. Agora quem cria monstros não pode dizer que tem medo de fantasma, porque para nós, gente comum, parece-nos que anda a brincar conosco ou quer tratar-nos como tolos. Nunca devia ser criado este dilema – homem armado e sem instrução - mas já que existe, então como resolvê-lo? É menos arriscado e mais humano dar instrução, bom tratamento e assegurar os direitos à pessoa, em vez de tentar desarmá-la para mantê-la maltratada, privada de instrução e de direitos. É preciso pôr termo a tudo isto, por etapas ou por fases e à medida que as condições vão sendo criadas para alcançarmos os objetivos desejados. O que não pode deixar de haver é a vontade firme e acções concretas e inequívocas para pôr termo a tais desordens, de forma a assegurar os direitos dos servidores do exército (militares) à instrução e educação, à saúde, à alimentação, alojamento e ambiente de trabalho adequados, assegurando-lhes ainda a possibilidade de participar na produção e nas obras públicas porque em tempo de paz há que produzir, enfim, criar condições para que também eles, os militares, possam levar uma vida digna com as suas famílias e ter uma reforma digna quando terminarem o tempo de serviço. Em outras palavras, os servidores do exército devem ter a mesma oportunidade que os restantes cidadãos, sem precisar de recorrer à meios ilícitos para reivindicar ou adquirir esses direitos. Os próximos presidentes, futuros governos e parlamentos devem priorizar, no que concerne a política externa e diplomacia do nosso país, esforços para ajudar a resolver a questão da guerra de Casamance até ser conseguida uma paz com satisfação das partes, e isto por dois motivos essencialmente: porque eles são nossos irmãos e é moralmente inaceitável assistir à guerras entre irmãos sem fazer nada, e porque somos muito prejudicados pelo facto de não podermos ter sossego e de estarmos expostos à contaminação, além de inviabilizar-nos, por exemplo, o potencial económico do turismo de Varela. E quem nos paga isso? Há que reconhecer que temos um belo país, que é potencialmente rico, onde se consegue produtos para exportar mesmo sem grandes sacrifícios, um país com lindos coloridos sociais e riquezas culturais impressionantes, com um povo pacífico e acolhedor, onde neste momento só falta o bom comportamento da sua elite política, militar e social. E este bom comportamento depende de nós e só de nós, com a nossa consciência. O bom comportamento que nos fará recuperar o prestígio, respeito e admiração não vai chegar por terra, ar ou mar, ou através dos bancos como chega a ajuda externa ou financiamentos de países ou de organismos internacionais, nem pode vir como as forças de interposição ou estabilização. O bom comportamento só poderá ser produto da consciência, da tolerância e do trabalho nacional. Os governantes e elites políticas não devem excluir cidadãos com experiência, capacidade e idoneidade moral. Quer isto dizer que os quadros, os políticos e governantes mais velhos ou reformados devem merecer consideração porque eles, tratados com respeitado, podem contribuir para a paz, sossego e desenvolvimento do país, mesmo que seja só com ideias. É preciso recuperar o sentido de responsabilidade, de justiça e de humildade e entender que é um dever de todos lutar pela preservação do testemunho histórico. As gerações não devem ser piores que aquelas que a precederam e não se pode deixar cair no ciclo de recomeço permanente porque se isso ocorrer, o tempo se encarregará de afundar a nação.
Onde é recorrente crises ou conflitos sociais
pode ser justificada a criação de um sistema de alerta e prevenção assim
como é feito para alerta e prevenção em zonas de sismos e vulcões. As crises
sociais e as guerras são piores que as catástrofes naturais porque, além de
destruição, promovem a divisão, o ódio e deixa sementes para conflitos
futuros enquanto o terramoto, o vulcão ou as inundações destroem mas
promovem e reforçam a solidariedade e a união entre as pessoas. Quer-se
sugerir com isto a constituição de um órgão nacional para estudo, vigilância
e prevenção de conflitos políticos, militares e sociais. Este órgão deveria
incluir, entre outros, especialistas das ciências políticas, ciências
sociais, psicologia social, informação e outras figuras de reconhecido valor
e influência na sociedade. (médico)
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