POPULISTAS E POPULISMOS NA GUINÉ-BISSAU
Por: Alai Sidibé
Londres, 22 Janeiro, 2007
Ensinam os doutos que o demagogo, na sua original significação grega primitiva, era apenas o chefe ou o “condutor do povo”, sem qualquer sentido pejorativo, e, como tal, se qualificavam Sólon ou Demóstenes, intimamente ligados à defesa da democracia.
Contudo, a expressão sofreu uma evolução semântica, deixando de ser uma arte neutral, principalmente depois da morte de Péricles, em 429 a. C., quando surgiram novos líderes, não ligados às antigas famílias, os quais, a partir do século seguinte, começaram a ser fortemente criticados pelos adversários dos modelos democráticos.
Foi devido a esse facto que a expressão ganhou a actual conotação: aquele que procura dar voz aos medos e aos preconceitos do povo. Ou, para nos guiarmos pelas palavras de Bertrand de Jouvenel: a arte de conduzir habilmente as pessoas ao objectivo desejado, utilizando os seus conceitos de bem, mesmo quando lhe são contrários.
No entanto, já em Platão (Politeia, livro V) o nome serviu para designar o animal que chama boas às coisas que lhe agradam e más às que detesta. Na mesma senda, Aristóteles (Política, livro V), onde se sublinha que o demagogo utiliza a lisonja e os oratórios.
Já no século XIX, Abrahan Lincoln chegou mesmo a assinalar que é sempre possível enganar uma pessoa; que é também possível enganar todos, mas de uma só vez; mas que é impossível enganar sempre todos.
Na mesma linha, Max Weber, utilizando um conceito amplo de demagogo, inclui na categoria o jornalista, referindo que o mesmo substitui o púlpito. Porque, desde que foi instaurada a democracia, o demagogo é a figura típica do chefe político no Ocidente.
Tudo isto vem a propósito de duas figuras da nossa praça: Kumba Yalá e Francisco Fadul. Se no líder tribal já nada nos surpreende, o segundo revela-se na arte de trair o povo. O Senhor Fadul, o ainda coordenador, na sombra, de algo que se inventou e se deu o nome de Fórum de Convergência para o Desenvolvimento (vulgo FCD) referia, em 2005, que este se integrava no “respeito pela legalidade democrática”, e que se estava perante “uma nova era na política da Guiné’Bissau”. Mais afirmava que quando o FCD chegasse ao poder, terminaria “o ciclo de vício, de corrupção e de vulnerabilidade” reinante no país.
Hoje, salta à vista de toda a gente que o que o Senhor Fadul defendia era o retrocesso do nosso país, ou seja o reeditar dos vícios e das incompetências do passado, pois é o que claramente se verifica neste momento. Na mesma linha, o vice-líder da bancada do PRS, Sola N’Quilin Nabitchita, garantia não ter dúvidas de o Executivo de Carlos Gomes Júnior “estar de malas aviadas, porque será (como veio a ser) derrubado pelo FCD”. Contudo, fica a pergunta: o que terá movido este grupo, dito «defensor da democracia», a desalojar um governo que resultou da vontade do povo e que, sobretudo, estava a governar bem?
Depois de uma fase de desnorte e de anarquia, tipicamente bakuniniana que, sob a arbitrariedade kumbista se ameaçava eternizar, eis que o PAIGC tomou as rédeas do poder, legitimado pelo povo através de eleições livres e, a todos os títulos, transparentes. O nosso país voltava, assim, a vestir-se outra vez de esperança. Um arranque de desenvolvimento e de ordenamento sócio-economico-administrativo era, pela primeira vez, expresso pelas ideias, mas não pelas práticas do governo de Carlos Gomes Júnior, a quem não foi permitido restituir ao povo guineense a dignidade que há muito lhe vinha sendo negada pelas sucessivas governações incompetentes, ora do Generalíssimo, ora do filósofo demente.
Ainda em relação à destituição do governo de Gomes Júnior, as alegações em nada me convencem. O chefe do Estado alegou haver clivagens insanáveis no seio dos vários órgãos de soberania. Ora não me parece que em três semanas no poder, se possa chegar a uma conclusão tão drástica. Parece-me ainda que, a haver atritos, como se refere, é exactamente para isso que serve um presidente da República: para servir de garante de estabilidade e elemento moderador no seio dos órgãos de soberania. Do mesmo modo, um presidente da República, ao demitir um governo legalmente eleito e legitimado pelo povo, se retira a si toda a legitimidade, porque igualmente, tal como o governo de Carlos Gomes, resulta da maioria dos votos do povo.
Há um aspecto muito preocupante, que nos irá custar muito a todos nós, e que se prende com o regresso das matanças, o regresso do sangue e do cheiro a pólvora, tipicamente al caponiano. Há, igualmente, um recrudescer do preconceito étnico, especialmente no âmbito das forças armadas que, ao que parece terá motivado a eliminação física do comodoro Lamine Sanhá. Lembra-se que o regresso dos antagonismos étnicos está muito ligado à subida ao poder de um tal Senhor chamado Kumba, e, consequentemente, à ascensão de uma certa facção à chefia das forças armadas. Eliminou-se, assim, uma relativa diversidade que vinha caracterizando o corpo militar após a independência.
Assim, estamos perante um Governo que não governa, perante ministros sem competência técnica e administrativa para responder às necessidades do país. Estamos face a um primeiro-ministro sem estofo, sem visão, sem política séria, além de muito fraco para poder corresponder às expectativas das populações. Um primeiro-ministro que, de repente se vê na circunstância de dirigir um país, quando se duvida, sequer, que fosse capaz de administrar uma câmara municipal.
Triste, muito triste este país de nome Guiné-Bissau.
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO