PORQUE A HISTÓRIA FAZ-SE DE REGISTOS...
Por: Fernando Casimiro (Didinho)
01.05.2007
Porque a História faz-se de registos, hoje resolvi recuperar mais um texto do arquivo dos meus registos e que serve para ajudar a compreender melhor, que a História não pode ser alterada em função das conveniências dos regimes e, muito menos, apagada do registo que é a memória colectiva de todo um povo, porquanto, vivo, activo e conhecedor de tudo que se passa à sua volta.
Porque hoje ainda há pessoas que, em vez de aprenderem com as lições do passado, fazem de conta que não houve passado e, assim, em vez de termos um espelho a reflectir esse mesmo passado para evitarmos cometer os mesmos erros, ignoramos a parte negativa da nossa aprendizagem (os erros), esquecendo-nos que o bem e o mal ainda que conceitos opostos, servem de comparação nas opções da nossa vida.
Não podemos realmente ter a visão positiva do bem, sem olharmos, ou sermos confrontados com a visão e a realidade negativa do mal.
O ideal era não haver esta bipolarização do bem e do mal, mas talvez não fossemos contemplados com a caracterização da postura correcta nas nossas opções de vida.
O mal deveria existir simplesmente como um espelho ensombrado e um conceito teórico de referência na aprendizagem do ser humano.
Já o bem deve ser, para além de um espelho limpo, um conceito teórico e prático de referência destacada na aprendizagem de todo o ser humano.
Há que ter presente que são estes dois pólos comparativos que ditam hoje toda a sustentabilidade positiva e negativa do planeta em que vivemos.
Aprende-se com o bem, é salutar assimilar e partilhar o que é bom.
Aprende-se com o mal, no entanto, desejaríamos não assimilar e muito menos partilhar o que é mau.
É esta a mensagem que hoje quero transmitir.
Vamos continuar a trabalhar!
RECORDANDO AMILCAR CABRAL "Alguns camaradas, mesmo entre os que estão sentados nesta sala, têm a tendência de procurar comodidade à medida que crescem as suas responsabilidades. Há camaradas que parece que passaram vários anos à espera de responsabilidade para poderem cometer os erros que outros cometeram no seu lugar. Temos que combater isso com coragem, porque a luta é exigência, o nosso Partido é cada dia mais exigente. E aqueles que não entenderem, temos que pô-los de lado, por mais que nos doa o coração. Nós não podemos permitir que à medida que a luta avança, que o nosso povo se sacrifica por causa da nossa luta, que vários camaradas morrem e outros são feridos, ou ficam aleijados, que nós envelhecemos nesta luta, dando toda a nossa vida para a luta, em que tanta gente tem esperança em nós, tanto dentro como fora da nossa terra — não podemos permitir que alguns camaradas militantes ou responsáveis levem uma vida de facilidades e cometam actos que não estão de acordo com a nossa responsabilidade, diante de nós mesmo, diante do nosso povo, diante da África e do mundo. Muita gente pensa que isto aqui é o quintal do Cabral, que ele é que tem que reparar aquilo que se estragou ou que alguém estragou. Estão enganados. Cada um de nós é que tem que reparar, pegar teso para corrigir, porque senão, não há nada que nos possa salvar, quaisquer que sejam as vitórias que já alcançámos. Por isso mesmo, a nossa luta é como o balaio que separa o arroz limpo do farelo, como uma peneira que peneira a farinha pilada, para separar a farinha fina da farinha de grão grosso ou de outras coisas. A luta une, mas é ela também que separa as pessoas, a luta é que mostra quem é que tem valor e quem é que não presta. Cada camarada deve estar vigilante em relação a si mesmo, porque a luta está a fazer a selecção, a luta está a revelar-nos a todos, está a mostrar quem somos nós. " "Fazemos força para aqueles que não prestam melhorarem, mas sabemos quem vale e quem não vale, sabemos até quem é capaz de mentir. Há alguns que ainda não conhecemos bem. Os camaradas também me conhecem, conhecem outros dirigentes do Partido que respeitamos muito, porque valem até ao fim, vocês sabem isso bem. Há outros de que alguns têm medo, porque sabem que só valem porque têm a força nas mãos. Alguns de vocês que estão aqui já viram dirigentes do Partido cometer erros graves mas obedecem-lhes ainda porque têm medo deles" Amilcar Cabral em: "O nosso Partido e a luta devem ser dirigidos pelos melhores filhos do nosso povo" |
A História faz-se de registos!
Por: Fernando Casimiro (Didinho)
11.09.2005
Caros irmãos,
Assumamos de vez as nossas responsabilidades!
A Guiné-Bissau vem perdendo a sua História. As estruturas do Poder têm condicionado o registo da História recente da Guiné-Bissau, tentando a todo o custo apagar factos presentes na memória de muitos guineenses.
A sonegação de factos recentes ou não, do que é suposto ser parte da nossa História tem tido efeitos sociais (na generalidade) prejudiciais ao nosso país.
A falta de estudos ou de publicação dos mesmos, em relação à situação social do país, particularmente na versão comportamental das nossas populações não facilita o diagnóstico dos nossos problemas e, por conseguinte, a busca de uma terapia acertada para os diversos sintomas de males que a nossa sociedade padece.
É certo que a História abrange um sem número de áreas. Este meu desabafo não pretende identificar sectores de forma detalhada. Este trabalho pretende simplesmente alertar a todos os guineenses para o assumir de responsabilidades que cabe a cada um de nós como cidadãos e, portanto, construtores da Nação.
Quero no entanto, fazer um especial apelo aos nossos historiadores e sociólogos, visto poderem desempenhar um papel específico nesta tarefa dado que, ambos os sectores podem ajudar na formação, sensibilização e definição de uma identidade nacional assente em princípios que defendam valores mundialmente consagrados, ainda que, partindo sempre da nossa própria realidade como sustento para a definição dessa identidade nacional.
A formação de uma identidade nacional é importante para a criação de uma cultura de cidadania e consequentemente para o enraizamento do espírito patriótico que, por sua vez, sustenta o orgulho nacional.
Volto a insistir para que me compreendam no seguinte: "É um imperativo nacional o assumir do compromisso, em primeiro lugar, para com o país e não para com os actores políticos e consequentemente para com os Partidos políticos. É a Guiné-Bissau, o país, que deve estar em primeiro lugar!
Cabral justificava o PAIGC como a vanguarda do nosso povo, a meu ver, porque não havia um país e era o PAIGC que congregava sensibilidades dispostas a lutar pela independência.
Hoje temos um país, a Guiné-Bissau! É este país a nossa vanguarda! É este país o ponto de encontro para a definição de estratégias de desenvolvimento que queremos para nós. É o país que nos une e não os actores políticos ou Partidos, apesar de reconhecermos a necessidade de suas existências no contexto político actual.
Irmãos,
Debrucemo-nos um pouco sobre a nossa História recente incluindo o período da luta de libertação nacional. O que temos registado?
Durante a luta, Cabral criou estruturas que possibilitaram o registo da existência do PAIGC e de todas as suas actividades, para que, não só a luta fosse dada a conhecer ao Mundo, mas também, para que os que fossem entrando no Partido fossem conhecendo a sua história através dos registos efectuados. O PAIGC também criou registos sobre a Guiné e Cabo-Verde que Portugal como país colonizador ocultou por conveniência.
Tudo isso foi importante para o sucesso da luta, sucesso esse que não pode ser unicamente atribuído à força das armas, mas ao conjunto de estratégias concertadas numa visão de futuro para a criação de um país e na definição da sua identidade nacional através dos povos da Guiné e de Cabo-Verde. Não vou fazer referência pormenorizada ao projecto da unidade da Guiné e de Cabo-Verde defendido por Cabral e hoje visto com simplicidade por muita gente como uma utopia... Depois de muitas análises, cheguei à conclusão de que:
1- Por não ser um objectivo imediato, pois era a última das metas traçadas pelo PAIGC, e apesar de ser sempre uma referência de Cabral, não houve tempo para desenvolver esta pretensão no seio das populações, no terreno, e que lutavam pela independência conjunta dos 2 países.
2- Com o avanço da luta na Guiné, Portugal, país colonizador estaria até aberto a conceder a independência à Guiné, mas nunca abrindo mãos de Cabo-Verde devido à sua posição estratégica no Atlântico e, por isso, ser o principal opositor ao projecto da unidade da Guiné e Cabo-Verde idealizado por Cabral.
3- Esta pretensão de Portugal em contrariar Cabral e o PAIGC, pode ter sido uma das razões do seu assassinato porquanto se ter aproveitado o posicionamento dos cabo-verdianos na administração colonial na Guiné como exemplo de, no futuro, com a unidade da Guiné e de Cabo Verde, serem os cabo-verdianos a dirigir os guineenses. Esta teoria, "bem" explorada, teria tido efeitos de contestação a Cabral por parte de militantes naturais da Guiné, que nunca aceitariam uma direcção cabo-verdiana ou de origem cabo-verdiana, como o tempo acabou por demonstrar em 1980 com o golpe de Estado que derrubou Luís Cabral e pôs termo ao projecto idealizado por Cabral, da unidade Guiné e Cabo Verde.
As zonas libertadas da Guiné-Bissau no período da luta de libertação nacional, estavam estruturadas numa gestão de Estado, ainda que condicionada pela realidade da situação de guerra. Cabral conseguiu convencer o Mundo de que as zonas libertadas e que englobavam a maior parcela do território nacional, se poderiam comparar a um país anexado por uma potência colonizadora.
Havia argumentos, tanto a nível de registos escritos, audiovisuais e visitas guiadas no terreno que completariam a tese de Cabral, acelerando assim o reconhecimento internacional pela constatação de uma nova realidade histórica desenvolvida num espaço geográfico até então denominado Guiné Portuguesa.
Cabral que conhecia muito bem as sociedades na Guiné e em Cabo-Verde utilizou sempre esses conhecimentos no sentido de fazer compreender os fundamentos e objectivos da luta. A necessidade de suportar a independência de um país fez com que Cabral se empenhasse estrategicamente na formação de uma identidade nacional que rompesse com a identidade imposta pelo colonialismo. Foi um trabalho inteligente que começou ainda no período da mobilização das populações para a luta armada.
Cabral sabia como sensibilizar o seu povo. Vejamos que, por exemplo, na Guiné, entre 1956-fundação do PAIGC e 1963-início da luta armada e em que a percentagem de analfabetismo estava acima dos 99% para além de toda a estrutura de manipulação e propaganda montada pela administração colonial, houve uma adesão em massa das populações (principalmente do interior) à mobilização avançada por Cabral pela causa nacional.
Não foi necessário comprar consciências, Cabral só tinha ideias e convicção na estratégia concebida para a sensibilização das populações. Conseguiu tudo do seu povo, porque estabeleceu um relacionamento de confiança, tendo sempre a verdade como ponto de partida para todas as abordagens. Cabral tinha respeito e consideração pelo seu povo!
As várias fases de desenvolvimento da luta de libertação nacional impunham uma actualização constante na definição e afirmação da identidade nacional concebida. O suporte para um dos princípios fundamentais do PAIGC e elaborado por Cabral: Unidade e Luta, é precisamente o reflexo da necessidade de afirmação dessa mesma identidade nacional.
Cabral que foi assassinado a 20 de Janeiro de 1973, não assistindo à concretização das independências quer da Guiné, quer de Cabo-Verde, deixou no entanto o seu legado não só a estes 2 países irmãos, como também ao Mundo.
É o registo desse legado que urge preservar e transmitir.
Temos um país que completa 32 anos de independência no dia 24 de Setembro, mas que, para além dos registos sobre a luta de libertação nacional e sobre Cabral, que conseguiram ser salvos a tempo e hoje disponíveis para consulta através da Fundação Mário Soares, continua a não dar importância ao valor do registo factual da sua História recente.
Hoje em dia, pesquisar algo sobre a Guiné-Bissau torna-se desgastante. À escassez de conteúdo, junta-se-lhe a falta de credibilidade. O que era verdade, ou foi apresentado como tal num determinado regime de governação, deixa de o ser logo que haja mudanças políticas ou militares no país!
Durante a guerra de 98/99, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas da Guiné-Bissau (INEP)que vinha fazendo um trabalho notável de pesquisa nas várias áreas sociais, políticas, económicas, culturais etc., sofreu danos com efeitos desastrosos para o país, e que foram dados a conhecer ao Mundo através de um documento elaborado e assinado por 3 directores da história do INEP e intitulado "A destruição da memória colectiva de um povo".
A Guiné-Bissau precisa recuperar essa memória colectiva de que falam: Carlos Lopes, Carlos Cardoso e Peter Mendy, os subscritores do documento do INEP.
Entretanto e analisando os 32 anos de independência conclui-se que algumas pessoas afectas ao poder, interferiram e continuam a interferir na forma de se fazer ou dar a conhecer a História recente da Guiné-Bissau.
Como consequência directa: a definição e caracterização de "ser-se guineense" foi perdendo no tempo, pois deixou de haver referências simbolizando o nacionalismo criado pela luta de libertação e concretizado pela independência nacional.
A consistência do princípio da Unidade e Luta foi desaparecendo e a Guiné-Bissau e os guineenses viram-se, de repente, descaracterizados das suas posturas de afirmação perante o Mundo, posturas essas adquiridas durante anos de sacrifício e em que muitos dos melhores filhos da Guiné-Bissau deram as suas vidas em troca.
O período de glória esfumou-se e com ele os bons princípios.
Hoje, melhor do que ontem, podemos concluir porque é que o poder utiliza a sonegação de factos da nossa História. Vejamos:
Aquando da entrada do PAIGC, para além dos registos de que vos falei: escritos e audiovisuais por exemplo, havia a passagem de testemunho oral. Contavam-se cenas passadas durante a luta de libertação: A bravura dos nossos combatentes era relatada de forma orgulhosa e, num ápice as figuras referenciadas passavam a fazer parte da nossa História.
Foi o que aconteceu com muitos que morreram durante a luta e referenciados inclusivamente em manuais escolares ainda no período da luta de libertação, ou posteriormente com a independência, através de outras iniciativas como reconhecimento dos seus préstimos à causa nacional, de forma a fazerem parte da nossa História.
Imagens estampadas na nossas notas nacionais de então, o Peso, onde podíamos ver figuras como Amilcar Cabral, Domingos Ramos, Francisco Mendes e Pansau Na Isna, por exemplo, ou a atribuição de nomes dos que tombaram pela independência nacional a Institutos, Escolas, avenidas, ruas etc. tais como Osvaldo Vieira, Titina Silá, Rui Djassy, Areolino Cruz, António M´bana e tantos outros...
Outros tantos ainda, vivos, mereceram igualmente respeito e admiração de todo o povo guineense, continuando com as suas acções a produzir conteúdo para registo nas páginas da História recente da Guiné-Bissau.
Uma História recente, geralmente avaliada pelos anos de independência e pela prestação dos Combatentes da Liberdade da Pátria durante o período da luta de libertação nacional.
São estes 2 pontos de referência que restringem precisamente o espaço global do que era suposto ser considerado a História recente da Guiné-Bissau, porquanto afunilarem e concentrarem o conceito de História a um resumo de conveniências de índole pessoal e não Nacional.
Subscrevendo " A Destruição da Memória Colectiva de Um Povo", de Carlos Lopes, Carlos Cardoso e Peter Mendy e numa interpretação pessoal, especificamente ao título em destaque, quero orgulhosamente elogiar estes 3 intelectuais guineenses pelo alcance das suas reflexões em 1999 e que hoje, volvidos 6 anos, são precisamente o espelho da nossa realidade histórica, nas suas várias vertentes, mas tendo a vertente social como a mais marcante.
Há 2 meses atrás e em plena campanha para a segunda volta das presidenciais na Guiné-Bissau, escrevia eu um artigo intitulado: "Simplesmente amnésicos", e em que fazia referência ao facto de os interesses pessoais se sobreporem aos interesses nacionais, tendo algumas figuras públicas do país entre elas o Dr. Francisco José Fadul e o Dr. Kumba Yalá sonegado factos considerados de registo memorial-histórico e que se podem encontrar nos arquivos de órgãos de Comunicação Social que produziram esses registos na altura das suas divulgações. Felizmente, a existência de arquivos, ou seja de registos, permitiu contrariar a defesa dos interesses pessoais tanto de Francisco Fadul, como de Kumba Yalá, que pensavam e continuam a pensar que a História da Guiné-Bissau é feita em exclusividade pelos que detêm quotas na "Sociedade Restrita do Poder na Guiné-Bissau".
Tomando as recentes eleições presidenciais que deram a vitória a Nino Vieira, como exemplo marcante da sonegação da nossa História recente, peço-vos antecipadamente compreensão para o facto de as minhas reflexões terem uma objectividade construtiva e não destrutiva, ainda que com um dinamismo crítico acentuado, que me é característico. Como tenho dito, se a Guiné-Bissau, o país, nos une, já os actores políticos ou os Partidos políticos dividem-nos...
Nino Vieira, proclamado vencedor da segunda volta das eleições presidenciais na Guiné-Bissau é sem dúvida, um exemplo vivo de figuras históricas da Guiné-Bissau!
Ainda que não pelo seu desempenho político, de liderança propriamente dito, mas pelo seu desempenho militar, como guerrilheiro temido pelas tropas portuguesas, conseguiu destacar-se, tornando-se num verdadeiro ídolo para a maioria dos guineenses de então.
Entretanto, hoje, e em função da realidade actual que se vive na Guiné-Bissau, o compromisso para com o país exige-nos uma avaliação mais racional e menos emotiva na definição do que se considera, ou do que nós queremos considerar História.
Tornou-se vulgar simbolizar Nino Vieira como exemplo de figura histórica da Guiné-Bissau, claro que o é, mas quando se faz esta referência, o argumento é o passado brilhante como guerrilheiro durante a luta de libertação!
Claro que também não se pode negar isso. Mas e o resto?! De Nino Vieira a História da Guiné-Bissau só terá que registar a prestação como guerrilheiro, ou como tendo sido o primeiro Presidente da Assembleia Nacional Popular e a figura que proclamou a independência da Guiné-Bissau?! Ou ainda, que é General, foi Ministro da Defesa, Primeiro e Ministro e Presidente da Guiné-Bissau durante 18 anos?!
Afinal em que capítulo devemos inserir a participação de Nino Vieira na História recente da Guiné-Bissau?
Será correcto basearmo-nos nas evidências do passado recente de guerrilheiro para valorizar todo o percurso de Nino Vieira, mesmo sabendo que o guerrilheiro e o estadista se diferem completamente nas suas participações pela causa nacional?
Façamos uma retrospectiva dos 18 anos de presidência de Nino Vieira, dos fuzilamentos, das perseguições, das torturas etc., não devemos falar ou registar?
Há quem hoje negue que nada disso aconteceu...!!! Pedem provas...
Não vamos longe irmãos: Quando Paulo Correia e outros mais foram fuzilados, o presidente do Conselho de Estado da Guiné-Bissau era Nino Vieira, que depois de inúmeros pedidos de clemência dirigidos de todo o Mundo, afirmou não ter sido ele a dar ordens para esses fuzilamentos, visto encontrar-se na altura, em visita ao estrangeiro...
Mas Nino Vieira que depois disso regressou a Bissau, tomou medidas no sentido de apurar verdades sobre o que tinha acontecido e por conseguinte, punir os responsáveis...? Nunca!!! E isso subentende o quê...?!
Depois da guerra de 98/99, os
guineenses, todos quantos reconheceram a necessidade de Nino Vieira ser afastado
da presidência, ainda que isso tenha provocado uma guerra que tenha gerado a morte de muitos irmãos, não estavam conscientes
de todo o mal que Nino representou e representava para a Guiné-Bissau?!
E essa realidade que todos nós assistimos de uma forma ou de outra,
pode-se ignorar ou apagar de nossas memórias e por assim dizer, deixar de fazer
parte da História do nosso país?
Hoje, pedem-se provas quando alguém, como eu, escreve algo sobre Nino Vieira.
Lançam-se insultos e ameaças inclusive, de morte...!!!
Será que não se pode escrever o período conturbado da nossa História porque Nino Vieira ganhou as eleições presidenciais?
Digam-me o seguinte:
Alguém viu Augusto Pinochet a matar algum cidadão chileno?
Alguém viu Slobodan Milosevic a matar algum sérvio ou montenegrino?
Alguém viu o Saddam Hussein a matar algum cidadão iraquiano?
Meus irmãos, quando se ascende à presidência da República de um país, no bom e no mau, a responsabilidade maior é atribuída ao primeiro magistrado dessa República, que no entanto, tem o direito de se defender.
No caso da Guiné-Bissau e particularmente em relação a Nino Vieira, a situação é idêntica.
Nino Vieira tem que aceitar que os registos da História em relação ao seu percurso sejam preservados, divulgados e não manipulados em função das suas conveniências.
Temos muitos exemplos reais de acusações a Nino Vieira. Dentre eles, destaco as acusações do actual Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas guineenses, general Tagme Na Waie, que acusou Nino Vieira de ter ordenado torturas específicas à sua pessoa enquanto esteve preso por sua ordem e em que uma das torturas incluía choques eléctricos aos seus órgãos genitais! Milhares de pessoas viram os relatos de Tagme Na Waie através de um canal televisivo português...
Não podemos continuar a relacionar a defesa dos factos com o que alguns insinuam ser sinónimo de instabilidade e contrario ao espírito de reconciliação nacional.
A minha causa é a Guiné-Bissau, o país e o povo guineense.
Nino Vieira está no meu caminho como todos os que fizeram ou têm feito mal à
Guiné-Bissau e aos guineenses.
Por acaso, antes de Nino Vieira regressar a Bissau em Abril último, quantos
guineenses demonstraram ou demonstravam estar a favor do seu regresso ao país e,
para mais, ao Poder...?!
Uma coisa é o Nino Vieira ter o mesmo direito que qualquer outro guineense em regressar
e viver na Guiné-Bissau e, conforme ele próprio disse, ainda durante o seu exílio
em Portugal, "estar disposto a ser julgado para esclarecer as acusações de que
era alvo..."
E outra coisa é Nino Vieira chegar a Bissau, pedir perdão (...) e, todo o
passado recente que provocou a destruição e a morte na Guiné-Bissau ficar
esquecido nesse pedido de perdão, como se Nino tivesse recebido alguma resposta
dos guineenses em relação ao seu pedido de perdão.
Na minha maneira de ver as coisas, estaríamos todos melhor esclarecidos hoje, se
Nino Vieira, tivesse procurado os canais legais para o seu regresso a Bissau.
Todos sabemos como Nino regressou a Bissau e a forma como regressou demonstra um
desrespeito total para com as autoridades nacionais e pela soberania do país!
Se Nino chegasse a Bissau, pedisse o perdão, não da forma abusiva como pediu e,
se se disponibilizasse a ser julgado pela Justiça guineense para esclarecer
todas as questões em aberto em relação à sua pessoa, talvez os guineenses vissem
nele um irmão arrependido, a quem poderiam dar uma oportunidade de se explicar e
por conseguinte, de ser perdoado.
Perdão esse, só na concepção espiritual do termo, pois a Justiça, como
instrumento regulador de um Estado de Direito, teria sempre a última palavra a
dizer em relação a Nino Vieira, como aliás em relação a qualquer pessoa.
Nada disso aconteceu e de repente, fomos apanhados de surpresa com o anúncio da
candidatura de Nino Vieira às eleições presidenciais, passando-se por cima de
toda a mágoa de um povo e, reabrindo feridas que tinham começado a sarar nesses
6 anos que Nino esteve ausente do país.
Nino ganhou as eleições e pretende-se apagar de vez todas as marcas (as que
ainda sobram) que lhe possam vir a comprometer no exercício das suas funções de
Presidente da Guiné-Bissau.
Devemos permitir isso? É isso que queremos para o nosso país?
Nino Vieira ao candidatar-se às presidenciais não sabia que estava a expor-se à "reabertura" do seu passado recente?
Meus irmãos, não podemos permitir que a Destruição da Memória Colectiva de Um
Povo continue a fazer-se nos dias de hoje, ainda que não seja com
bombardeamentos...!
Como vos disse, a História faz-se de registos!