Quantos ainda vamos ter que enterrar?
(Ponto de Vista)
Mantenhas para quem luta!
“Tony Tcheca”
Por: Rui Jorge da Conceição Gomes Semedo *
07.06.2009
Poucos discordariam da afirmativa de que a educação cívica é a maior das carências dos responsáveis políticos e militares guineenses. É impressionante a forma e a velocidade com que nossos responsáveis têm vindo a aperfeiçoar a violência e, simultaneamente, a desperdiçar oportunidades de construir uma nação e tirar o país de maus lençóis. Os actos violentos nos últimos tempos têm caracterizado o quotidiano guineense e evidenciam não só a feroz luta pelo controle do poder, mas, em cada acção se confirma a fraqueza das instituições do país. O Estado foi claramente impedido de exercer sua função clássica, que é o monopólio legítimo da violência, usurpado por indivíduos e grupos com ambições desmedidas que desafiam as leis do país e convenções internacionais. E, uma das vitimas desta infeliz situação que estagnou o país e deixou o Estado inoperante, tem sido os principais produtores de caos, que são políticos e militares. E se engana qualquer um que acha que pode substituir o Estado e suas leis para estabelecer a tirania ou oligarquia. Pois, naturalmente, quando semeamos mangueira temos que esperar a manga e não o cajú, da mesma forma que, quando instauramos desordem no aparelho de Estado necessariamente temos que aguardar a tragédia – eis a lógica desta dialética. Nesse curto espaço de tempo assistimos como facilmente o poder se troca de mãos na Guiné-Bissau: em quinze anos de democracia estamos à beira de realizar as 4as eleições presidenciais além de 4 legislativas já realizadas, sendo que, em nenhuma delas tanto os presidentes eleitos quanto os partidos vencedores conseguiram chegar ao fim dos mandatos; golpes e assassinatos ditaram a sucessão.
Durante minha estada na Guiné-Bissau no decorrer do segundo semestre de 2008 com o propósito de visitar a família e também desenvolver o trabalho de pesquisa acadêmica tive o desprazer de conversar com uma pessoa próxima ao malogrado presidente Nino Vieira que me disse inúmeras coisas, entre as quais esta indigna frase: “o Nino e o Tagme não lêem o que tu escreves e é melhor não continuar a “bater neles”. O equivoco é que não escrevo para indivíduos, mas para a sociedade guineense e pessoas interessadas em compartilhar idéias e debater opiniões. Aliás, por não considerarem as opiniões emitidas por uma vasta massa crítica pensante na Guiné e mundo afora, pouco menos de um mês após a referida conversa, Nino e Tagme foram assassinados. Talvez, se tivessem dado ouvidos às “sugestões dos críticos” e corrigidos suas atuações, teriam concerteza evitado aquele trágico acontecimento.
Sem ainda conseguir esclarecer as razões das criminosas acções ocorridas nos dias 1 e 2 de Março de 2009, novamente cometeu-se mais uma outra barbárie, desta vez, vitimando o deputado Hélder Proença, o candidato à Presidência da República, major Baciro Dabó, também deputado licenciado e mais dois cidadãos. A razão do acontecido mais uma vez foi explicada como tentativa de golpe de Estado. Se houve ou não houve golpe, o tempo e o interesse dos responsáveis do país em se comprometer com o funcionamento das instituições democráticas vão nos esclarecer melhor esse e outros crimes praticados ao longo dos tempos. No entanto, o intrigante no momento é a alegação de que houve resistência por isso houve mortes. Contudo, existem supostos sinais que evidenciam uma premeditada execução: a começar pelo horário em que ocorreram as operações, a condição em que ficou o quarto onde foi abatido o candidato a Presidente, major Baciro Dabó; as circunstâncias em que morreu o deputado Hélder Proença, o papel atribuído aos militares de prender ilegalmente deputados da nação além de outros civis; a eliminação física do(s) suposto(s) líder(es) e a coincidência verificada entre o acontecido e o deslocamento ao exterior do Presidente da República, Raimundo Pereira, do Primeiro-ministro, Carlos Gomes Jr. e dos ministros Artur Silva, Fernando Gomes e Fernando Mendonça, respectivamente, da Defesa, da Função Pública e da Comunicação Social. Conforme frisei, é remoto adiantar uma análise sobre o que realmente está por detrás, muito embora se saiba que existe um conjunto de factores causais: militar, político e social, sempre negligenciados pelo(s) Governo(s) e Estado-Maior, que estão na origem das sucessivas desordens. Infelizmente, não se pode esperar um comportamento e atitude disciplinar das Forças Armadas que se sobrepõe ao poder constitucional civil e, muito menos, pensar que um governo civil subserviente às ordens das chefias militares possa criar condições que inibem o abuso de poder no país. A informação difundida de que o Primeiro-ministro Carlos Gomes Jr. não suspendeu a “visita privada” a Portugal para retornar à Guiné-Bissau na sequência do acontecimento do dia 5 do corrente, que está agendada só para dia 12, mostra até que ponto se naturalizou o sentimento pela violência. E este comportamento não é digno de um chefe de governo ou de qualquer cidadão que se sente responsável perante seu povo. Aliás, a lição foi dada pelo nosso saudoso patriota D. Settimio Ferrazzetta, que aquando do eclodir de 7 de Junho de 1998, estava na Itália sob cuidados médicos, mas, o compromisso com o povo que tanto amava fê-lo suspender os tratamentos para mediar as partes beligerantes e acabou por morrer honrosamente de colapso cardíaco.
Ao chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas interino, Capitão de mar e guerra, Zamora Induta, reconhecidamente vale registar a sua incapacidade em corrigir os erros dos antecessores, pois, em pouco tempo de comando provou não ser diferente de Nino Vieira, Ansumane Mané, Veríssimo Seabra e Tagme Na Waie. Basta fazer leitura a partir dos acontecimentos de 1 e 2 de Março a esta data, para chegar à conclusão de quem é realmente o jovem comandante. Em democracia o poder não se conquista com assassinatos, repressões e intimidações, mas se adquire por merecimento e é mantido pelo rigoroso cumprimento das leis. Nos regimes em que os líderes cegamente elegem a violência como método para controlar o poder, eles acabam sendo traídos pela própria acção, ou seja, conforme reza o ditado – quem com ferro fere, com ferro será ferido. E essa regra pelo menos na Guiné-Bissau tem dado certo, então por que não deixar de ferir e eleger o diálogo e a aplicação das leis como mecanismos viáveis para a paz e segurança de todos?
Para quem ainda recorda, por duas vezes, salvo erro, Zamora Induta numa atitude imprópria a de um Chefe do Estado-Maior, denunciou publicamente que os políticos estavam a aliciar militares para derrubar o poder. Essa declaração além de ser grave, era cópia das atitudes infantis do antecessor do jovem comandante e, era também a meu ver, um jogo estratégico para preparar psicologicamente os guineenses para o que aconteceu no dia 5 de Junho. Porque quando um Chefe do Estado-Maior faz uma denúncia de que existe plano para deflagrar um golpe de Estado é porque ele tem em mãos os dados que comprovam a acusação. No entanto, o sensato era manter os quartéis de prevenção e acionar outros órgãos de segurança e de justiça (Polícia Judiciária e Ministério Público, por exemplo) para abordar legalmente os suspeitos e apurar a verdade. Diante do que aconteceu se faz necessário levantar as seguintes indagações: Por que só na véspera do início da campanha eleitoral se decidiu abortar o suposto golpe de Estado? Para quando estava marcado o golpe? Quais são os factos materiais que comprovam a existência da intenção golpista? Por causa de uma atitude criminosa e irracional foi propositalmente comprometida a realização da eleição presidencial que estava prevista para dia 28 de Junho, agora, cabe ao Presidente interino Raimundo Pereira, ao Primeiro-ministro Carlos Gomes Jr. e ao Chefe do Estado-Maior interino Capitão de mar e guerra Zamora Induta, decidir o que realmente pretendem com o país – permitir o funcionamento das instituições ou fazer da Guiné-Bissau propriedade dos três.
*Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO