Que País é esse? Que político são esses?

 

Djodji (o primeiro)

31.10.2007

 
Após a libertação da pátria de Cabral, cedo houve países amigos que se ofereceram para estabelecer acordos de cooperação que também contemplaram a formação de quadros superiores, com o principal objectivo de, no futuro, esses quadros contribuírem para o desenvolvimento do país.

Na primeira década da nossa independência, abundaram cedências de bolsas de estudo, que, infelizmente, rapidamente se tornaram em objectos de negócio dirigidos aos menos favorecidos que sonhavam com a prossecução dos seus estudos e/ou sair da miséria que se augurava. Chegou-se ao cúmulo de, no período que se seguiu ao fatídico dia 14 de Novembro de 1980, haver aqueles que passaram a julgar-se os verdadeiros “dunos di tchóm” e que tentaram restringir o acesso à formação académica aos descendentes de cabo-verdianos, de forma não - oficial, como forma de tentarem retaliar o domínio cabo-verdiano de 1974 a 1980.

Nessa negociata à volta daquilo que era um sonho para muitos jovens guineenses, o país acabou por fazer uma má selecção dos quadros que pretendia formar. Não se investiu ou investiu-se pouco naqueles que tinham melhores prestações no liceu, em prol daqueles tendenciosamente seleccionados, de acordo com a posição social dos respectivos pais, ou outros cujos pais tinham meios financeiros para comprar esses “lugares ao sol”. Os descendentes dos “n’bai luta” e/ou aqueles que enfileiravam-se na JAAC, como informadores do poder instalado, tinham o nome assegurado na lista dos bolseiros para os EUA, França, Itália e Portugal. Mesmo dentro da descendência dos “n’bai luta”, havia hierarquização na atribuição das bolsas de estudo, sendo que alguns filhos dos menos graduados na fileira militar almejavam apenas conseguir uma bolsa de estudo para um dos países de leste, já que os países mais cobiçados eram predestinados.

Como consequência dessa injusta distribuição do “bem -comum”, perpetrada por irresponsáveis que não atingiram na altura o mal que estavam a impingir à pátria, muitos dos melhores alunos do Liceu Honório Barreto/Kwame N’Krumah tiveram que contribuir anos a fio, a leccionarem na capital ou na periferia, à espera de um dia verem os seus nomes nessa lista dos agraciados com bolsa de estudo. Muitos, nunca chegaram a prosseguir os seus estudos. Outros, chegaram a ver os seus nomes nas listas de bolseiros, mas quando foram tratar da documentação para partirem, receberam a comunicação que afinal a primeira lista era de “possíveis bolseiros”, mas que as bolsas fornecidas não foram suficientes, por isso teriam de esperar para o próximo ano. “Sucudi bass” falou mais alto!!!

Tudo isso passou sob a total impunidade daqueles que ainda hoje reclamam ser os melhores filhos da pátria, mantendo-se alguns ainda activos na condução dos destinos da nossa terra!!!

Pessoalmente defendo um modelo social com igualdade de oportunidades no ensino para todos, mas temos obrigatoriamente que assumir a existência de diferenças na capacidade intelectual inter-individual, sendo da responsabilidade dos professores, da própria escola e em última instância das instituições do Estado que tutelam essa área, aproveitarem as potencialidades dos seus alunos e futuros quadros. Só dessa forma um país consegue tirar dividendos do investimento que faz na educação, que constitui uma boa fatia do orçamento de qualquer Estado.

Mas a Guiné-Bissau, de uma forma geral, não soube gerir esse precioso recurso nas três décadas da nossa história. Com as devidas excepções, o país não pretendeu formar aqueles que eram potencialmente formáveis, mas aqueles que almejavam um sonho de vida noutros países. Por isso, tendo em conta a distância do núcleo familiar, um certo défice de formação no país de origem e a dificuldade que a língua do país acolhedor impunha, aconteceu o esperado. O insucesso escolar fazia parte da realidade dos nossos bolseiros, que eram impostos a uma estreita margem de erro, como condição para a manutenção da bolsa de estudo, sem precaverem os handicap’s que esses alunos aportavam do seu país de origem.

Sob uma reconhecida angústia pessoal, não conseguiam evitar a passagem de uma má imagem da nossa pátria noutras terras, fruto da irresponsabilidade dos que deviam na realidade zelar para um ensino com nível e a projecção de uma boa imagem do mesmo no exterior.


Poucos foram aqueles que conseguiram a necessária e atempada adaptação ao ensino no estrangeiro e foram bem sucedidos, em tempo útil. Sem dados oficiais, arrisco-me a afirmar que a maioria dos que conseguiram atingir a licenciatura ou bacharelato, em tempo útil, foram aqueles que não se acomodaram e, através de ajudas de familiares ou bolsas de estudo de entidades privadas, decidiram prosseguir a exploração e desenvolvimento das suas capacidades intelectuais. Depois desses, vêm aqueles que costumo chamar de resistentes (sem qualquer interpretação negativa), que são aqueles bolseiros que, depois dos traumas iniciais relacionados com os resultados académicos negativos e a consequente perda de bolsa de estudo, negaram-se a enveredar por outros caminhos e continuaram a acreditar que um dia poderiam ser alguém na sua pátria. Aprenderam a viver com as dificuldades económicas e de cadeira a cadeira, conseguiram chegar à meta.


Dentro desse grosso dos mal -seleccionados, não podemos esquecer os filhos dos então dirigentes políticos que, independentemente dos resultados académicos e do tempo que demorassem a concluir o curso, a pensão mensal e o conforto diário era garantido… Alguns até já partiam para o ensino europeu,
ainda durante o ensino básico, o que sempre considerei um insulto ao povo guineense e aqueles que continuavam a estudar nos nosso Ciclos Preparatórios e Liceus, cujo nível de ensino se degradaria a olhos vistos, sob o olhar inoperante desses sanguessugas do Estado, que pouco lhes importava, porque a formação dos filhos estava assegurada nos colégios privados europeus!!!

O mesmo se passava e ainda se passa com os cuidados de saúde. Ainda hoje, o Presidente da República e outros membros do Estado continuam a viajar para a Europa para efectuarem os seus controlos médicos regulares, enquanto o povo tem de gramar com um caótico sistema de saúde, criado pelos mesmos que, na mínima queixa, apanham o avião para o exterior!!! É preciso não ter respeito e orgulho pessoal. A mim, pessoalmente, como dirigente político de um país, teria vergonha de assumir noutro país, que aquilo que eu criei e continuo a gerir é tão mau, que até eu tenho medo de me submeter a ele, por isso procuro soluções noutro país…

Voltando aos bolseiros, é com muita pena que reconheço que muitos que fracassaram no ensino superior, sem culpa pessoal e sem estrutura psicológica para assumirem o fracasso e as dificuldades inerentes à perda da bolsa de estudo, enveredaram para a construção civil e outros para o submundo da droga…

Após o colossal erro que foi a política de selecção de candidatos para a atribuição de bolsas de estudo e, ainda a submissão e pedinchice que foi a nossa política de cooperação na formação de quadros, o nosso país continua a ser incapaz de atrair e rentabilizar os quadros que possui dentro e fora do país!!! Continuamos a assistir à política de tachos no aparelho de Estado para familiares e amigos, empresas privadas protegidas pelo poder local desde a sua nascença, enquanto quadros muito capazes continuam a contribuir para o P.I.B. e o desenvolvimento de outros países, que quiçá precisa menos deles, que o país de origem. Que saiba, o nosso país não tem qualquer plano definido para atrair os seus quadros que se encontram a exercer no exterior, criando incentivos e facilidades internas, conforme méritos curriculares desses quadros!!! Um país assim, continuará sem rumo e por muito tempo…

Que País é esse e que Políticos são esses?
 

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