Recreação da Juventude 60 a caminho da Revolução: os primórdios da mobilização
Por: Mamadu Lamarana Bari
05.02.2009
Caros Compatriotas e Irmãos Guineenses
Admiro a coragem e a persistência do irmão Didinho em mostrar a verdade, mas
haveremos de convir que a VERDADE nunca é dita, porque no momento que as coisas
acontecem, todos em princípio são implicados, ou por tomarem parte ativa ou por
ficarem omissos perante um fato notório e que precisa ou precisava ser
solucionado. Por isso constroem-se algumas verdades, talvez porque não se
aconselha revelar fatos que poderão desmistificar certo mito político e
histórico que serviu de pano de fundo para a construção de todo um processo
revolucionário. Posto isso passo a pontuar alguns fatos revelados a mim e de
outros que vivenciei:
1. Recomendo não como afronta a quem quer que seja, longe
disso, apenas como lembrete para um olhar diferente sobre as questões da Guiné e
da Luta pela Independência, fazermos uma pequena revisão a um trabalho de
pesquisa de Leopoldo Amado que fala do PAIGC e da embriologia da Luta de
Libertação. Tem algumas passagens neste trabalho que fala sobre a existência de
vários Movimentos para a Independência da Guiné e de outros que postularam a
luta armada como uma forma de forjar os portugueses a cederem a Guiné aos seus
filhos legítimos. Quanto a estes referimo-me à FLING e ao PAIGC, cujo nome este
último tomou formato depois da última reunião feita em Conakry em 1961/62,
quando Amilcar Cabral através de um referendo conseguiu apoio de muitos
companheiros que já se encontravam aí antes da chegada dele, por exemplo,
Armando Ramos, a família Turpin e outros companheiros, nomeadamente o Rafael
Barbosa.
2. FLING negava como nega ainda hoje, a Unidade Guiné e Cabo
Verde.
Foi esse Partido que fez o primeiro ataque contra o posto avançado militar
português em S. Domingos e, também atacou a coluna militar e um camião civil de
mercadorias vindo de Ziguinchor para a Guiné. Tendo sido morto nesse ataque, um
guineense de etnia Saraculé de nome Babunda. Eu lembro-me disso aos 9 anos de
idade. Este conterrâneo era vizinho meu em Cupelom de Baixo. Assim como, eu
conhecia um cidadão Mauritano (Nar) que morava na casa da minha avó Fatumata
Dêbo Djaló, figura muito conhecida em Bissau, que contou a ela como se salvou da
chacina.
3. Em Bissau participei das conversas entre os jovens de Pilum
(de Cima e de Baixo) na casa da minha avó falando sobre a mobilização para a
Luta, eu tinha 10 anos, mas dada a nossa cultura guineense, a nossa "criação",
menino não se intromete na conversa de gente grande. Ouvi calado e fingi que não
vi nada.
4. Quantas vezes não carreguei a sacola de equipamentos de
jogos destes mesmos jovens que se reuniam na casa da minha avó porque eram
amigos e colegas do meu tio Bobo Djaló para o campo de barro de Banculém?
Lembro-me muito de todos eles: Bôbo Djaló, Hospede Djassi, Quebá Mané, Agostinho
Sambu, Mama Lamine (Arcanju), Eugénio Silá, Cuíno, João de Deus, Lai Seck,
Julião Lopes, Bôbo Keita, Korca Só, Umaro Djaló, Lino Correia, Amará Keita e
outros tantos cujos nomes hoje não lembro mais, mas de fisionomia eu sei quem
são.
Independentemente da pelada que jogavam, todos iam para Ponte Cimento, na
Granja, tomar banho. Ouvia-se falar da reunião com um Engenheiro que trabalhava
na Granja de Pessubé (Amilcar Cabral). O meu tio Bôbo Djaló trabalhava na altura
aí. A reunião para a terceira fuga em Bissau cujo objetivo era se juntar aos
colegas no mato para a Luta foi feita em casa da minha avó na noite anterior a
fuga, no quarto de Amadu Juldé Camará (alfaite). Segundo noticias, a primeira
fuga foi a partir de Chão de Papel Varela cujos integrantes não sei precisar, a
segunda foi no Pilum de Baixo tendo como integrantes Lai Seck, Umaro Djaló, Bobo
Keita, Julião Lopes etc. Na terceira fuga participaram, Korca Só, Mamadu Alfa
Djaló, Bobo Djaló, Abdulai Barry. Sello Djaló, Abdulai Djá etc. etc. Depois
seguiram-se outras em várias regiões da Guiné. Lembro ainda como hoje, que
Bissau ficou quase sem jovens, os salões de baile de Zé Maria em Chão de Papel
Varela e de Gã Gumi em Pilum ficaram desertos e as moças ficaram tristes por
terem visto partir maridos e namorados para dias de volta incertos.
3. Vi com os meus olhos, ainda criança, a chegada de tropas
portuguesas em camiões e jeep´s para prender os nossos tios, parentes e irmãos
dos militantes do PAI fugidos. Pilum de cima e de baixo viveu dias de breu.
Fatos tristes para serem relembrados, muitos que entraram naqueles camiões nunca
mais voltaram.
4. A nossa revolta de jovens em idade de crescimento fez-nos
tomar consciência sobre a Luta pela Independência e entramos de cabeça nela como
militantes. Noite e dia éramos (militantes, simpatizantes, parentes e filhos dos
guerrilheiros) vigiados tanto no Pilum como em outros bairros da capital,
sobretudo em Chão de Papel Varela, Estrada de Bôr e Bandim.
5. Tempo passou, a Luta continuava no mato e as desavenças
políticas no seio do PAIGC vinham se afigurando. O exemplo disso, foram as
deserções registradas de alguns militantes e captura de outros no mato.
6. Em 1969. O General Spínola com a política de Guiné Melhor
conseguiu com o consentimento do governo português, libertar os presos políticos
guineenses que se encontravam no Presídio de Tarrafal em Cabo Verde, Djiu de
Galinha na Guiné, e em Angola, etc. Muitas vezes participei de reuniões de
jovens na casa de Momo Touré em Pilum de baixo, mas nunca constatei sobre a fala
de algum complô contra o PAIGC. Ouvia-se falar que éramos jovens e futuros da
Guiné e que eles já estavam velhos, a Guiné ainda tinha esperança nos seus
jovens pós independência. Se não me engano, o Conjunto Cobiana Djaz foi criado
em Pilum, na casa de Momo Touré, caberá ao meu primo Aliu Bari confirmar ou
desmentir a veracidade do fato.
7. De 1969 a 1971, altura em que Momo Touré fugiu para Conakry,
algumas evidências sobre as divergências no seio do PAIGC vinham a tona, mas
nada que merecesse importância sobre a ruptura entre os militantes. Segundo as
informações recebidas de fontes credíveis.
Momo Touré começou de fato a tomar conhecimento sobre essas divergências durante
a sua passagem pelo mato até chegar a Conakry. Eles, segundo a fonte de
informação, deviam pensar que as alegações no seio do Partido de que eram
agentes da PIDE/DGS era apenas uma manobra para que os tugas não os
importunassem em seus trabalhos de militância e de mobilização. Fato esse que só
puderam tomar o conhecimento real durante suas passagens pelas zonas libertadas
em direção a Conakry através de contatos que tiveram com os camaradas,
companheiros da luta.
Ainda, segundo as informações dessa mesma fonte, a pessoa que viveu tudo isso em
Conakry me disse que as contradições sobre a Unidade Guiné e Cabo Verde eram
visíveis e eram discutidas abertamente em Conakry. Numa reunião de quadros,
Amilcar Cabral foi veementemente criticado por Momo Touré e alguns militantes do
Partido. Durante as visitas de Momo aos países Socialistas como Cuba, Ex-URSS e
RDA, ele não escondeu esse problemas, e falou abertamente para os companheiros
que aí se encontravam estudando.
8. Segundo ainda essa mesma fonte, em algumas reuniões de
militantes, em Conakry, o próprio Abílio Duarte não escondia essa preocupação
sobre a Unidade, a razão por que solicitou várias vezes a Direção do Partido
para Fundar um Conselho Superior de Luta de Cabo Verde no seio do PAIGC. Apelo
esse não atendido por Amilcar Cabral apesar de reconhecer a necessidade de se
fazê-lo.
9. O desfecho final disso tudo foi iniciado com a prisão de
Momo Touré, Aristides Barbosa e outros depois de uma reunião de quadros, após
várias tentativas de mobilizar Momo para ir estudar e ele recusando porque
preferia ir para frente da luta e não era confiável para a Direção do Partido
tal concessão. A noite de 20 de Janeiro foi antecipação da ação que estava sendo
planejada para se levar a cabo.
10. O objetivo era prender Amilcar, Aristides Pereira e Luís
Cabral para levá-los à zona libertada a fim de serem julgados e destituídos.
Amilcar obviamente, preferiu a morte a ser preso, isto é, por ter reclamado e
enfrentado os militares do PAIGC que o foram prender. Atitude por mim condenável
porque nada justifica tirar vida a uma pessoa, sobretudo companheiro de Luta
desde a primeira hora. Os homens erram, mas nem por isso devem pagar com a vida
pelos seus erros. Imagina como é administrar as diferenças e conciliar os
conflitos criados deliberadamente pelo colonialismo. Não é fácil não.
Amilcar foi vitima de circunstâncias políticas e
raciais que a certa altura não foi possível contornar sozinho.
De um lado, filho de pais cabo-verdianos, nascido na Guiné, mas que ama a Guiné
e Cabo Verde, tendo lutado e dado a sua vida pela justa causa. De outro lado,
estavam colocadas as peças do xadrez político, todas elas importantes, mas
antagónicas sob o ponto de vista de uma meta traçada - a Unidade Guiné Cabo
Verde. Tanto os cabo-verdianos quanto os guineenses que estavam na luta como os
que estavam fora não sentiam essa firmeza de unir dois países geograficamente
distantes e culturalmente diversos. Só a "fidelidade" partidária ou lealdade ao
Programa do Partido é que poderia debilmente sustentar essa ideologia.
11. Inquéritos foram feitos, julgamentos
foram realizados e muita
gente inocente pagou por isso (ajuste de contas) conforme conta Alcides “Batcha”
Évora, que participou como intérprete.
Fatos
- Cabral foi assassinado em Conaky pelos seus companheiros de arma por
divergências que não eram escondidas, mas que não puderam ser sanadas;
- As principais fitas gravadas no Inquérito com os principais implicados no
assassinatos de Cabral não aparecem;
- Presidente Luís Cabral, escreveu o livro sobre as memórias
da Luta, mas não
referiu claramente os pontos focais sobre a morte de Amilcar Cabral e nem
apontou os implicados ditos vivos;
- O então Secretário Geral Adjunto e principais Comandantes e dirigentes cabo-verdianos ainda vivos que estavam presentes em Conakry não falam do fato de uma forma clara. Alguns apontam o caminho com o dedo encolhido, ou seja, mencionam o assassinato, mas não apontam claramente os mentores intelectuais;
- O livro Cabo Verde e os bastidores da independência, escrito, salvo erro, por um jornalista cabo-verdiano, também não revela nada de importante sobre a morte de Amilcar que mereça investigar a fundo;
- A Tese de doutoramento do angolano transformado em livro pelo que me consta não deve ter sofrido veemente crítica por parte dos companheiros de Luta do Amilcar. Bem, se sofreu alguma crítica e eu não tenha lido, solicito gentilmente que ma cedam.
- A Polícia Secreta da Guiné não coloca em público os arquivos do PAIGC, uma vez passados já mais de trinta anos pós-independência.
Considerações Finais
- Fiz estas mesmas indagações a esta mesma fonte que acima referi e ele
prontamente me respondeu com clarividência de que o que interessava ou ainda
interessa, a seu ver, ao PAIGC, é a explicação dada à opinião pública
internacional sobre o Assassinato de Amilcar Cabral;
- Por questões de sobrevivência política, não interessa os velhos companheiros de luta de Amilcar Cabral revelar a VERDADE. Senão o Alcides “Batcha” Évora diria os nomes dos acusados, que ouviu falar durante o inquérito internacional. Onde estão as fitas?
- Por tudo isso que apontei aqui, certamente tem um interesse
histórico para a Guiné e Cabo Verde. Mas pergunto eu se há interesse político e
social afirmar que a Guiné ou os filhos da Guiné foram traidores da Pátria? Ou
que os cabo-verdianos foram omissos e a omissão é considerada dos piores
pecados, portanto, com isso, podem ser também considerados traidores?
- Será que a divulgação dos fatos - VERDADE - dará razão ao livro do angolano ou
reabilitará a Guiné no seu passado histórico de luta e de sofrimento do seu
povo?
- Durante a Luta os guineenses morreram: de mortes matadas e
morridas tanto pelos tugas através da sua polícia secreta – PIDE/DGS e de
bombardeios aéreos, como também pelo PAIGC através de ajustes de contas. Qual é
o cabo-verdiano que foi morto durante o episódio em Conakry? Será que só os
guineenses que não concordavam com a Unidade Guiné e Cabo Verde e da forma como
a Luta estava sendo conduzida? Certamente poderão dizer, mas eles não
participaram e nem tinham interesse de matar Amilcar Cabral.
Meus irmãos estas foram apenas reflexões para se sentir, como dizem os nossos
irmãos brasileiros que "o buraco é mais em baixo". Não estou tomando partido
algum, apenas estou pontuando alguns fatos para que se possa refletir bem sobre
o porquê da recusa em falar a VERDADE.
Ao findar estas breves reflexões exorto aos meus irmãos guineenses e porque não
aos irmãos cabo-verdianos, antigos companheiros da Luta de Libertação da Guiné e
Cabo Verde a marcharem juntos para a elucidação do fato para a história destes
dois países ou deixarem a alma de Amilcar Cabral ter o merecido descanso. A
Guiné precisa de PAZ, HARMONIA e a CONCÓRDIA nacional para caminhar rumo ao seu
desenvolvimento e Cabo Verde precisa continuar o seu passo acertado rumo ao seu
desenvolvimento. “A Amizade na Harmonia” como cantou N’Kassa III continuará
entre os dois povos irmãos de sangue pelo passado histórico.
Assim eu penso e estas são as minhas opiniões pessoais.
Saudações Fraternais e um Tríplice Abraço a todos aqueles que comungam a ideia de que não se deve pôr limites a investigação da VERDADE, sendo portanto necessária a garantia de exercício dessa liberdade.
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO