RETORNAR OU REPOR A DECISÃO É DOS GUINEENSES

 

Ernesto Dabó

edabo49@hotmail.com

02.10.2012

Desde 12 de Abril, repito, o essencial, vital para os patriotas guineenses é o retorno à ordem constitucional de forma ordeira, pacífica e democrática.

 

Para outros, dentre os quais alguns compatriotas guineenses, ainda hoje, à entrada da segunda metade do período de transição para o retorno à ordem constitucional, isso não pode ser outra coisa que não a reposição do regime deposto, mesmo que para isso se instale o caos no país, até com uma guerra civil; ou se retome o assassinato de adversários políticos como elemento essencial da “ordem constitucional e democrática” praticada impunemente até 12 de Abri.

 

 Entre as duas correntes, a que quer uma transição pacífica, apoiada pela CEDEAO, sempre se esforçou por uma política inclusiva assente prioritariamente num diálogo nacional sério, que tenha por questão central a defesa, em primeiro lugar, dos interesses fundamentais da nação guineense. A outra, em absoluta sintonia com a CPLP, assumiu que “não fala com golpistas”, que a “comunidade internacional devia intervir” para repor a ordem constitucional praticada até 12, realizar a 2ª volta das “eleições” e outras utopias. Mas como a realidade tem mais força que as elucubrações de qualquer um de nós, assistimos e protagonizamos a evolução do processo até à realização da 67ª sessão da Assembleia Geral das nações Unidas, com o Governo de Transição no comando.

 

A projetada participação do Estado da Guiné-Bissau nesse fórum internacional, ofereceu interessantíssimos indicadores de como está a balança entre os que querem o retorno e os que são pela reposição. Para ambas as partes, era crucial intervir na AG. Para a Guiné-Bissau, apoiada pela CEDEAO seria uma excelente oportunidade para romper o isolamento; para os depostos, seria o reconhecimento internacional tácito de um governo do nosso país no exilio, instalado em Portugal.

 

De Lisboa a Nova Iorque, de Bissau a Nova Iorque, em viagens de ida e volta, mas com vistos de tipos diferentes, os exilados e a Delegação do Presidente da Republica de Transição da Guiné-Bissau, estiveram na ONU e nenhuma interveio na AG.

 

Olhando para o período ante AG, da parte dos exilados nada indicava que o Presidente Interino deposto é que ia intervir. Aliás, o seu silêncio dava a impressão de que no tabuleiro não passava de um mero peão a utilizar para defender o rei nu, sempre que necessário e nada mais.

 

Pouco tempo antes de irem em negocio a Nova Iorque, sem se saber o que lhe assegura que podia exigir fosse o que fosse às Nações Unidas,

 

(...) O PRIMEIRO–MINISTRO GUINEENSE DEPOSTO DIZ QUE É URGENTE O ENVIO DE UMA FORÇA DE INTERPOSIÇÃO MULTINACIONAL PARA A GUINÉ-BISSAU.

CARLOS GOMES JÚNIOR DIZ QUE ESTÁ DISPOSTO A REGRESSAR E SERVIR O PAÍS, MAS COM A CONDIÇÃO DO ENVIO DE UMA FORÇA DE INTERPOSIÇÃO MULTINACIONAL GARANTIDA PELA COMUNIDADE INTERNACIONAL (...)

 

Esta declaração, vinda de quem vinha, suscitou a atenção de muita gente. Dela constatei pelo primeiro parágrafo que, para esse Senhor, na Guiné Bissau há um confronto militar em curso, entre não se sabe que forças, que urge pôr fim, interpondo-se-lhes uma outra força,  de composição multinacional. Pelo segundo paragrafo, dei conta de que não diz “nós” ( ele e o PRI) e julgo se poder subentender que tal força teria por missão estar ao seu serviço para “pôr no seu lugar”, força ou forças “inimigas” ou, por outra,  servi-lo para poder “servir o país” em segurança.

 

À sua maneira de quem serve sempre algo que nunca se sabe se é peixe ou carne, “ Instado a comentar as declarações do primeiro-ministro deposto pelo golpe, Carlos Gomes Júnior, que defende o envio de uma força multinacional sob a bandeira da ONU para a Guiné-Bissau, Joseph Mutaboba esclareceu que tal só poderá ser analisado ao nível do Conselho de Segurança, mas desde que venha um pedido das autoridades guineenses”.

Infelizmente jamais  Mutaboba nos dirá quais considera “autoridades guineenses”, porque nem ao Ban ki Moon o disse para lhe poupar o imbróglio que se viveu na ultima sessão da AG, a propósito a Guiné-Bissau, país onde está, supostamente, a trabalhar com as autoridades locais para  a consolidação da paz.  Que cada um tira as ilações ou conclusões que entender.

 

Chegados a Nova Iorque na condição de homens de negócio, ainda não se sabe via quais, os exilados conseguiram ser credenciados. Nesse status, a realidade impôs ao exigente ex-Primeiro Ministro a condição de mero membro da delegação, que não podia fazer uso da palavra, em presença do seu “chefe”. Quem sabe, talvez isso nos tenha livrado de mais tropas multinacionais no país, pois que, já lá temos as da CEDEAO provenientes de múltiplas nacionalidades (da nossa sub-região africana onde partilhamos dezenas de línguas nacionais).

Credenciados os seus protegidos, sucedeu o logico, ou seja, a CPLP veio a terreiro dar a saber pela voz do novo Secretário Executivo, o seguinte:

CPLP não quer Nhamadjo na ONU – Secretário Executivo da organização

…Isto enquanto ameaça também suspender Guiné Bissau da organização.

Nova Iorque (Voz da América, 25 de Setembro de 2012) – Uma intensa batalha diplomática está a desenrolar-se na sede das Nações Unidas onde a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, CPLP, está a encetar contactos para impedir o presidente do governo interino da Guiné Bissau Serifo Nhamadjo de falar perante a assembleia.

Três dias após esta noticia,(28.10.12) fomos autenticamente metralhados com esta “triunfal” declaração do mesmo senhor que se segue  na CPLP,  Murade Murargy:

“O governo acreditado foi o Governo que foi deposto, que é o Governo legítimo. Eles não foram acreditados não, que eu saiba. Quem vai falar é o governo legítimo”.

 

Num dos comentários a esta declaração, sem pejo, afirmou-se que

que “A comunidade de língua portuguesa, conseguiu o que queria.” E, qual peça duma engrenagem chantagista, no mesmo dia N vezes, também se noticiou que alguém ligado a ONU disse que o trafego de “droga aumentou”, supostamente em consequência do 12 de Abril.

O dia noticioso foi caricatamente intencional para denegrir a Guiné-Bissau e potenciar a representatividade dos exilados. Mas como diz o povo guineense, DEUS LUNDJO, MA I KA MAL-MANDADO (que cada um traduza à sua maneira). Passados mais três dias (a 01.10.12),  pela mesma radio, soubemos que a verdade da CPLP, afirmada pelo seu SE, Murade Muragy, sofreu uma forte hemorragia, que não conseguiu aguentar-se nas canetas mais que dois dias, porque, pela mesma radio que nos chegou, se disse que “O presidente Interino deposto Raimundo Pereira foi impedido de falar no debate na sexta feira (30.09.129), após uma queixa interposta pela comunidade da CEDEAO…”.

 

Na sequência da mesma notícia, ouvimos uma Declaração do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Moçambique, Eldomiro Balói, feita no dia anterior (30.09.12), em que realçou que sem dialogo entre as partes guineenses envolvidas nesta crise, não é possível encontrar soluções, ao dizer esta verdade de La Palice, com barbas longuíssimas e cor de neve:

 

 “O protagonismo excessivo, na minha opinião,  que, a ECOWAS (CEDEAO) e eventualmente a CPLP estão a tomar, estão a ter, resulta do facto de os atores nacionais não estarem a desempenhar o seu papel. Daí eu dizer que o dialogo interno, é fundamental. Os guineenses têm de falar entre si, entre todos eles: as Forças Armadas, os civis, a sociedade civil e definirem um projeto para o seu país…e para definirem como nós devemos apoiar. Portanto não vi nessa atitude da ECOWAS, (enfim defendeu a sua dama, da melhor forma que o fez), mas isso remete-nos para a necessidade de os guineenses falarem”.

 

Numa edição posterior de noticiário da mesma estação, ainda no dia 1 de Outubro,  constatamos que o S E da CPLP, Sr. Muragy, compreendeu a dica e priorizou a orientação do chefe da diplomacia do seu país, ao reconhecer que, “  … em primeiro lugar, é preciso que, este assunto da Guiné-Bissau, seja um problema a ser resolvido pelos próprios guineenses. Tem que haver um dialogo entre os guineenses. Nós, Organizações internacionais (a CPLP, CEDEAO, Nações Unidas, União Europeia) e todas as outras que possam estar interessadas na Guiné-Bissau,  são facilitadores. Nós promovemos o diálogo entre eles. Enquanto as partes envolvidas, partes em conflito na Guiné-Bissau, não se encontrarem para dialogarem, fica um pouco difícil.

 

Eu diria impossível.

 

Mas o que importa dizer aqui e agora, é que, o Ministro Moçambicano, abriu caminho na CPLP a uma abordagem realista e sensata da situação na Guiné-Bissau.

 

A tese defendida pela CPLP até aqui, Portugal em particular, até na sua intervenção na AG da ONU, jamais poderá vencer, pela simples razão de que, por ter sucedido a deposição de um regime a elas enfeudada, a 12 de Abril de 2012, não deixou de existir um país, com um Estado soberano, de nome Republica da Guiné-Bissau e no qual vive um povo mais que orgulhoso pela forma heroica como conquistou a sua independência; e não precisou do reconhecimento de Portugal para ser seu par na ONU, enquanto outros ainda eram suas colonias, a ver no que davam os respetivos períodos de transição.

 

A 24 de Setembro de 1973 retomamos o comando da nossa historia.

 

Sabemos, que “a Guiné-Bissau tem um interesse geoestratégico "brutal" para a região ocidental africana”;

 

Sabemos que os nossos recursos vários, são muito cobiçados, porque fazem falta a outros para aliviarem ou saírem da crise;

 

Sabemos que há muita gente nascida na guiné, que por pura alienação é instrumentalizada para uso contra a sua terra-mãe;

 

Sabemos que a razão fundamental das nossa fraquezas no presente, tem muito a ver com o facto de em 1960, do seculo passado, 99,97% da população guineense estava fora do sistema educativo e até à independência, tivemos apenas um liceu e nenhuma universidade.

 

O que também sabemos e não podemos esquecer, é que estamos situados numa região de Africa onde há um ditado que diz, “vizinho é família”, (para nós, africanos, laços familiares são indestrutíveis). Amigo, sente, mas nada o obriga a pôr-se de luto pela morte de seu amigo.

 

Porque estamos no mundo, os nossos recursos são para o mundo. Apenas queremos partilha-los com todos, com base numa cooperação mutuamente vantajosa (nunca mais numa proporção de 90 para 10), transparente, racional, e aplicar os ganhos no desenvolvimento do povo guineense e nunca mais, como património de uma família.

 

Quanto aos que se deixam instrumentalizar, compreendemo-los e acreditamos que eles ou seus descendentes retomarão o rumo certo, como em relação à nossa  Luta de Libertação Nacional sucedeu e está a suceder à quase quatro décadas de independência da Guiné-Bissau.

 

Hoje, incipientes sim, mas há liceus para todos os guineenses, há algumas universidades, o analfabetismo baixou para a casa dos 50 e poucos porcentos e orgulhamo-nos de saber que há quadros guineenses, formados no pós-independência, a brilharem nos mais variados ramos do saber, nos cinco continentes.

 

Numa outra vertente de abordagem, apraz lembrar que como ontem, não confundimos a nossa amizade eterna e fraterna com os demais povos que fazem do português língua oficial. Agora, em relação aos regimes presentes em cada um dos nossos países, observaremos sempre o princípio da reciprocidade: os regimes passam, os povos ficam. Talvez seja a consciência disso que está a querer ganhar corpo a partir destes dias na CPLP. A ver vamos.

 

Se a algum guineense ainda resta dúvidas de que é a nós que cabe, em primeira e ultima instancia, resolver os nossos problemas, sem olvidar que fazemos parte da comunidade internacional e não dos seus párias, como o regime deposto dava a entender aos incautos; que faça o favor de ter em conta as últimas declarações e factos produzidos em consequência da presença do nosso país nesta ultima sessão da AG da ONU.

Nenhuma força, por mais multinacional que seja, poderá subalternizar os guineenses na procura de soluções para os seus problemas.

Para que não voltemos a conhecer desgraças maiores, rogo que observemos de maneira inteligente, no nosso agir politico, o patriotismo e a “dimensão ética da politica”, como nos recomendam os Bispos, D. José Câmnate e D. Pedro Carlos Zilli.

Ernesto Dabo

Ernesto Dabó

 

 

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