Uma chamada de atenção
(Ponto de Vista)
“A verdade nos libertará”
D. Settimio
Rui Jorge da Conceição Gomes Semedo
07.02.2010
Há muito que sentia a responsabilidade de debruçar sobre a questão Bubo Na Tchuto, mas, a sua complexidade muitas vezes serviu de bloqueio e, em alguns momentos, exigia de mim como cidadão uma profunda reflexão sobre o assunto.
Sabemos que o seu “inesperado regresso” criou um estado de pânico que envolveu o país e em cada esquina se escutava comentários sobre o assunto e, paulatinamente, a vida voltou a uma “normalidade enganadora” sem que seja ainda encontrada solução para o caso. Numa observação desatenta a situação parece simples e sob o controle do Governo e, por vezes, com uma visão sobre a realidade da incapacidade do Governo em controlar e disciplinar seu efetivo militar.
Aprendi, ou melhor, aprendemos com a história recente da Guiné que a vontade particular tem mais força que a da maioria. Pois, foi esse sentimento que "sucateou" o patriotismo nacional e tudo o que é público, que desestruturou as famílias, que originou o 7 de junho, que ditou assassinatos de cidadãos comuns às mais altas personalidades do país, que introduziu o tráfico de drogas e que ainda pretende destruir mais se não forem tomadas medidas inteligentes. E perguntamos: quem ganhou com tudo isso? A Guiné? O Povo? O Governo? Os Militares? Os Partidos Políticos? Os grupos étnicos Bijagós, Papéis, Fulas, Balantas, Mandingas, Beafadas, Manjacos, Mancanhas, etc? Quem? Obviamente, e sem o mínimo de equívocos posso afirmar e reafirmar que em nenhum momento a Nação guineense desde o seu surgimento ao momento presente ganhou com atitudes violentas, quer por repressão física aos que contestaram e contestam o poder pelos seus atos imprudentes ou por petulantes assassinatos dos adversários político-militares.
Ao escutar a declaração inflexível do primeiro-ministro Carlos Gomes Jr. concedida à RDP-África e retransmitida pelas emissoras locais cheguei à conclusão do estado de desgaste do Executivo em relação à questão. Aliás, não precisa ser perito em matéria do direito para perceber inconsistências argumentativas e, mesmo, contradições nos fundamentos sobre o caso. A sociedade guineense e os defensores dos Direitos Humanos clamam por uma justiça com equidade, uma justiça que não leve apenas em conta as tentativas de derrube do poder, mas, que leve a sério os golpes de Estado que inclusive resultaram em assassinatos.
É bom defender a legalidade como mecanismo racional que pode conduzir à ordem e, consequentemente, à paz social comum, no entanto, paradoxalmente, seu cumprimento, às vezes, numa realidade atípica como é a nossa, exige um grau maior de bom-senso como elemento fundamental para a resolução da questão, tendo em conta a realidade concreta criada pela relação e jogo do e pelo poder, iniciada a partir de 14 de Novembro de 1980. No momento, não importa apenas o cumprimento da legalidade, importa igualmente, a manutenção da ordem estabelecida constitucionalmente e isso obriga-nos, à luz da fragilidade das nossas instituições, a flexibilizar o cumprimento das leis de forma a encontrar o entendimento. Talvez essa atitude não seja das melhores, mas, provavelmente, devido às circunstâncias “é a mais racional” para evitar o indesejável.
Pois, o primeiro-ministro na entrevista a que acima referimos deixou a entender que Bubo não voltou só por iniciativa própria, mas que podem existir outros elementos coniventes com o seu retorno. Essa declaração é fundamental para observar a gravidade da situação que, exige uma intervenção racional não só do Governo, como também requer a colaboração de instituições e grupos da arena, política, civil e religiosa para participar da negociação e permitir que o país saia desse impasse de consequências imprevisíveis, sem nenhum prejuízo.
Foi e é uma aberração rodear o prédio das Nações Unidas com militares fortemente armados, de igual modo que, reforçar o controle no posto de Safim com a presença militar não são medidas adequadas para a suposta ameaça.
Vale lembrar que no país desenvolveu-se uma técnica de traição altamente avançada e eficiente, tanto que não foi difícil capturar e assassinar o general Ansumane Mané, como também foi fácil dentro das instalações do Estado-Maior prender e assassinar o general Veríssimo Seabra. Foi ainda mais fácil dentro dessa mesma instituição colocar uma bomba e acabar com a vida do general Tagme Na waie, da mesma forma que não foi difícil controlar em poucos minutos o batalhão fortemente armado que vigiava a residência do presidente Nino Vieira, que foi desumanamente torturado até a morte. Ou seja, a onda e o fantasma da traição que começou desde os primórdios da luta armada de libertação é uma realidade que vive permanentemente no circulo do poder e precisa ser exorcizado com imparcialidade das leis e responsabilidade dos atores político-militares.
Hoje, apesar de ainda continuarem visíveis indefinições em todos os aspectos da vida nacional, tanto do ponto de vista da saúde, da economia, da educação, da alimentação, da habitação, como da consolidação das instituições, podemos cuidadosamente observar a satisfação que parte considerável de cidadãos sente com essa frágil situação de acalmia. Satisfação que precisa ser alimentada e fortalecida por um agir consciente e responsável de todos nós, do Governo e seus múltiplos setores ao cidadão comum.
Porém, se o regresso e/ou a presença de Bubo constitui uma ameaça à paz que todos nós sonhamos ter, que seja tomada providência necessária tanto para o bem-comum quanto para o dele. E é nessa perspectiva que precisa ser convencido que o momento é ainda impróprio para a sua permanência, visto que, além de colocar o país em risco, a sua vida pode também estar em causa. Encontrar um abrigo no exterior para ele se acomodar temporariamente até que as condições legais estejam reunidas para o seu retorno definitivo é, não obstante a situação mais cômoda para as partes.
Entretanto, aos que supostamente instigaram e instrumentalizaram o regresso de Bubo para provocar desordem e aguardar benefícios, chamamos a atenção que esse comportamento é faca de dois gumes, além do mais, incompatível e desnecessário com as regras do jogo democrático que o país procura estabelecer. Temos que ter a noção de que precisamos trabalhar duro e de forma honesta para construir a felicidade do país e, consequentemente, a nossa própria. Em nenhuma circunstância pode-se eleger o uso da violência contra as instituições do país para resolver problema particular.
Informalmente, escuta-se muito nas esquinas dos becos de Bissau comentários sobre contradições existentes nas Forças Armadas que, aliás, não é de hoje, mas que precisam começar a ser desestimuladas com ações concretas, como a da criação de projetos educacionais nos quartéis, não só para ensinar o soldado ou oficial a ler e a escrever, mas para incuti-los o senso de cidadania e de respeito pela bandeira que juraram defender. Pois, precisamos observar que da luta de libertação nacional a subsequentes situações violentas, nossos homens das armas, enfrentaram momentos difíceis, e, foram adotadas pelas atitudes agressivas e se tornaram uma presa fácil da violência institucional. No entanto, há toda uma necessidade de um trabalho de acompanhamento psicológico profundo nas casernas para inibir a violência e reproduzir atitudes republicanas que é o princípio da defesa da Constituição e da Paz.
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO