12.05.2009
nancy.schwarz73@googlemail.com
Darei início à (minha) leitura Sociológica desta Prática Tradicional, recorrendo ao depoimento de uma senhora de origem guineense, formada em Estudos Africanos e submetida à Prática da Excisão Clitoriana (Fanado de Mindjer).
<< o ritual da Excisão Clitoriana é nossa tradição. É evidente que há coisas na tradição de qualquer povo que fere susceptibilidades. Em relação à comunidade islâmica guineense, é o corte do clítoris. Em relação aos chineses, era, (não sei se sabes), partiam os ossos dos pés das crianças e colocavam faixas para impedir o seu crescimento, porque era bonito uma mulher ter os pés pequenos como se de boneca tratasse, é desolador, mas é tradição. Não vamos longe, o que acontece em Portugal e na Espanha em pleno séc. XXI? Dizem que é tradição os touros da morte. Barrancos defende a sua tradição com unhas e dentes. Pergunto, é menos traumático e mais humano do que ir ao fanado? É evidente que não. Nós temos uma explicação, consideramos que o corpo deve estar limpo e deve ser purificado. Em relação à limpeza, os próprios médicos consideram que a circuncisão masculina, ou melhor, o corte do prepúcio, ajuda a manter a higiene e o Corão, aconselha a ser feito como forma de purificação e integração no meio a que pertences. E é evidente que este conceito, esta percepção que se tem do corte do prepúcio, foi estendido para a mulher com base nesses ensinamentos. Mas qual é a explicação para o touro da morte? Trata-se de um espectáculo pura e simplesmente. O animal sofre até morrer e este sofrimento é uma diversão para o espectador. Como não faço parte desta tradição, interpreto desta forma>>.
Caros Leitores, não pretendo com este depoimento defender a perpetuação do corte do clítoris. Mas defendo a necessidade de se debruçar seriamente no estudo desta Tradição e consequentemente, delinear (num trabalho de parceria) políticas que implementem o DIÁLOGO entre as Comunidades praticantes do ritual e as Entidades competentes.
* O que tem estado por detrás da prevalência da Prática da Excisão Clitoriana (tanto no Nosso País como nos Países de acolhimento)?
Penso que apesar da sua complexidade, existem razões para, de um determinado ponto de vista, podermos considerar que a preservação do ritual do corte do clítoris é sustentado por uma Tradição baseada em fundamentos (fortes) de ordem social e religiosa (o sagrado).
A população guineense contitui-se de uma variedade de etnias com Tradições (usos e costumes) extremamente abrangentes. Apesar de Portugal, durante o período de Colonização, ter implementado uma política baseada na submissão e desvalorização da cultura autoctone, com a assimilação forçada de vários hábitos ocidentais, mesmo assim, as Comunidades continuaram a manifestar todos os seus aspectos de expressão cultural (baseada no sagrado) – ritos, mitos, cultos, oferendas, preces, símbolos, canções, danças, nascimento, baptismo, casamento, circuncisão, excisão e morte.
A Prática da Excisão Clitoriana e da Circuncisão Masculina, insere um conjunto de rituais de INTEGRAÇÃO nas Comunidades de origem. Durante a mesma, tanto as Iniciadas como os Iniciados, recebem uma educação que passa pela assimilação de conhecimentos e regras de comportamento, onde se destaca:
Por outras palavras, a Prática da Excisão Clitoriana (composta por um conjunto de rituais de Inserção), prepara e insere as raparigas no seu rico património cultural e religioso, para que os comportamentos ou atitudes esperados não contrariem as marcas sociais erigidas milenarmente. Verifica-se após a mesma, uma alteração no estatuto social das Mulheres, ou seja, regista-se a passagem da MENORIDADE (Blufo) para a MAIORIDADE (Lambé).
Não podemos (também) esquecer que no contexto cultural africano o “Corpo” e o “Sagrado” são vistos como “elemento força” que sustenta toda a Tradição e como tal, a construção da identidade individual e colectiva do Africano, só é possível após a união definitiva destes dois elementos.
De acordo com os ensinamentos Tradicionais (africanos), o contacto com o mundo espiritual e a integração no grupo de pertença, acontece quando o homem e a mulher purificam a alma e o corpo. Para a purificação da alma, normalmente recorrem-se às orações, às danças e aos cânticos e para a purificação do corpo, são feitas abluções com ervas, cortes na face e/ou no corpo, fracturas nos dentes, excisão e circuncisão.
Visto estarmos perante uma Prática assente em argumentos culturais, religiosos e sociais muito bem elaborados, volto a sublinhar que a “erradicação do corte do clítoris ” só será possível, quando as Entidades competentes adquirirem ferramentas adequadas de sensibilização.
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(*) Licenciada em Sociologia pela Universidade Lusófona de Lisboa.
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO