UMA NOVA OPORTUNIDADE

 

 

 

Óscar Barbosa (Cancan)*

Óscar Barbosa (Cancan)

15.03.2007

 

Minimizar ou passar de lado do novo acordo parlamentar será sem sombra de dúvidas uma grande falta de realismo político para o actual contexto político que se vive na Guiné-Bissau.

 

Com efeito, o acordo parlamentar assinado pelas três maiores forças partidárias pode significar estabilidade politica e paz social e retorno à normalidade democrática e constitucional. O país vinha sendo governado por um executivo sem legitimidade parlamentar.

 

O Fórum de Convergência Democrática que não passava de um “arranjo” derivado da aglutinação de interesses em torno do Presidente da Republica tinha as suas fraquezas e incongruências e quase exterminou, um dos pilares essenciais num Estado de Direito, o relacionamento entre o Governo e o Parlamento. Aquele por ser de iniciativa exclusivamente presidencial não se sentia responsável perante o Parlamento. Por outro lado, a submissão de quaisquer actos do governo de índole política ou legislativa à Assembleia Nacional Popular traduzia-se sempre no prenúncio de uma crise institucional e inter-relacional, que só a compra de votos e consciências lograria ultrapassar.

 

O momento culminante da disfuncionalidade existente ocorreu na última sessão parlamentar com a tentativa de “assalto ao poder da mesa de assembleia”, por parte de alguns deputados do Fórum. Outros episódios, mais ou menos pitorescos e rocambolescos, marcaram negativamente esta legislatura tornando ainda mais débil e frágil a democracia.

 

Está claro que traduzindo este acordo parlamentar uma “nova maioria” estará viabilizada a governação pois o novo executivo saído desta maioria não terá grandes dificuldades em fazer passar o seu programa, o seu orçamento de Estado, nem os diplomas que enformarão as reformas estruturais de que o país terá que empreender para sair deste circulo vicioso.

 

O acordo parlamentar em torno das grandes questões nacionais, substituirá os estados gerais, cujo interesse e pertinência muito se questionava. Integrando as principais forças politicas e da sociedade civil, o acordo ora firmado contribuirá decerto para pôr fim aos longos períodos de instabilidade e crises que assolam o país.

 

Para o Presidente, o acordo parlamentar trará como principal vantagem o apaziguamento de tensões nas esferas política e social, a calma e estabilidade necessárias ao êxito do seu mandato. Viabilizando esta iniciativa política, o Presidente da República daria mostras de exercer correctamente os seus poderes constitucionais e de contribuir para a resolução dos problemas que afectam o país. Ousamos ainda mais longe, ao afirmarmos que a assunção deste acordo parlamentar pelo Presidente da República poderia também e porque não, ser uma oportunidade do próprio primeiro mandatário da nação se reconciliar consigo mesmo.

 

Seria de todo contraproducente, e quiçá falta de realismo político, minimizar a importância deste acordo parlamentar, no actual contexto político. O confronto, através da manutenção do executivo de Aristides Gomes, além de poder levar o país, a uma crise sem precedentes com elevados custos económicos e sociais,  conotará o próprio Presidente da República com a má gestão de Aristides Gomes, que no fundo, em nosso modesto entender, terá toda a conveniência em se demarcar e a oportunidade caiu-lhe numa bandeja de forma até inesperada.

 

Os dados sobre a marcha da economia em 2006, espelham bem o abrandamento no ritmo do crescimento económico de 1/8% contra 3,8% em 2005 e face a um objectivo de 4,3%-. Tudo em resultado de medidas erradas e erráticas nomeadamente no sector do caju (fixação do preço de referência, aumento das taxas de exportação), e que redundaram numa quebra das exportações de castanha de caju, o que consequentemente viria a afectar o nível das receitas fiscais.


Em matéria de cooperação internacional, o desempenho do Governo deixa igualmente muito a desejar, os magros resultados da mesa redonda de Génève, a corrupção, a falta de transparência na gestão da coisa pública, os recuos inaceitáveis nos acordos estabelecidos com os parceiros de desenvolvimento, nomeadamente o Banco Mundial no dossier energia e nos processos de privatização viriam igualmente a trazer ao de cima a pouca confiança de que este executivo merece junto à Comunidade Internacional.

 

Outrossim, o tráfico de estupefacientes e a criminalidade fora de controlo estatal elucidam bem a falta de empenhamento do Governo em lidar com questões sensíveis e cruciais para o desenvolvimento do país.


No plano social, os atrasados salariais, a incapacidade do Governo de Aristides Gomes em dialogar com os sindicatos, deram-lhe o rótulo de dirigente arrogante, de costas viradas para a sociedade civil o que naturalmente gerou e polarizou uma insatisfação crescente e um descontentamento permanente.


A sua arrogância fez-lhe dispensar todos os conselhos (úteis) de abertura do seu Governo. No alto do seu pedestal, subestimou a força dos seus adversários políticos, e agora desesperado, vem inesperadamente mostrar-se aberto ao diálogo e disposto a, em troca de promessas de pagamentos de títulos de tesouro e de cargos futuros, negociar e dialogar com os que outrora se recusava sequer a receber.


Mas já é tarde, irremediavelmente tarde. Por maiores que sejam os sinais de arrependimento, e por mais que mostre estar receptivo ao diálogo e disposto a abrir o seu governo, a verdade é que só um novo governo alicerçado num pacto nacional e congregando as principais forças políticas, trará a estabilidade politica e governativa de que o país necessita.

 

Em nosso modesto entender, Aristides Gomes já não tem condições para continuar a liderar o Governo, e ele sabe-o bem e terá que encarar este acordo como a factura a pagar por ter se convencido da sua invencibilidade e ter desprezado a força da democracia.


E nem adianta utilizar como tácticas de pressão a realização para breve da reunião do Grupo de Contacto, nem os argumentos de que não há condições objectivas para a queda do Governo. Estas declarações desprovidas de nexo, poderão impressionar os mais desprevenidos ou os coniventes com o regime, mas não os interesses nacionais. Para tornar as coisas ainda mais caricatas, vemos Aristides Gomes descer do seu pedestal construído em arrogância e desprezo a implorar que a sua queda poderá comprometer os engajamentos assumidos com os nossos principais parceiros de desenvolvimento.

 

Ousamos tão-somente perguntar ou relembrar ao Primeiro-Ministro se ele não tinha esta percepção quando o Governo legítimo do PAIGC foi derrubado em vésperas da realização de uma mesa-redonda cujos resultados já se anteviam como altamente positivos para o país. De facto, relembrando um velho ditado popular, “a malagueta só é boa na bunda dos outros”.

 

Retomando a nossa análise em torno do acordo parlamentar subscrito pelos três maiores partidos políticos guineenses, é nossa convicção e pensamos ser igualmente a convicção de uma esmagadora maioria dos guineenses, da necessidade urgente do país precisar de um governo sério, responsável, competente, credível e capaz de implementar um programa de governação com solidez necessária para nos conduzir para o desenvolvimento e nos libertar desta espiral de pobreza.


Os dados para sair da crise já foram lançados. Os resultados não se devem fazer esperar. E quem de direito que assuma as suas responsabilidades, pois uma nova oportunidade como esta não acontece ou surge todos os dias.

 

 

*Jornalista

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