GUINÉ-BISSAU: Atitude ambígua do Senegal
Alin Li
04.05.2005
Pesquisa e análise
O Governo da Guiné-Bissau pôs em prática medidas destinadas a reforçar o controlo e fiscalização das suas águas marítimas. O fito principal foi o de limitar/anular condutas cada vez mais violadoras das normas reguladoras da pesca artesanal por parte de pescadores do Senegal.
Esta iniciativa coincidiu com o anúncio público de planos visando dotar a Guiné-Bissau de uma Guarda Costeira, a implantar com o apoio dos EUA (uma missão militar encontrava-se na altura no país).
Informações verificadas indicam que a decisão soberana do Executivo liderado por Carlos Gomes Júnior, foi influenciada por duas ordens de razões conexas, nomeadamente, os abusos dos pescadores senegaleses vinham lesando crescentemente interesses económicos da Guiné-Bissau, o que aliados à impunidade com que os abusos deparavam, estava a torná-los prática corrente e a criar imbricações de obscuros interesses bilaterais.
Urgia agir e numa atitude que impõe louvar, o Executivo guineense empreendeu uma acção decidida, que a nosso ver, está a dar resultados espectaculares, basta confrontarmos o nível das receitas arrecadadas nos anos precedentes e compará-los com os desta actual gestão.
Na análise serena, baseada em factos que nos chegaram às mãos, o actual posicionamento, sem nunca pretender quebrar os laços de amizade e fraternidade existentes entre os dois países, também vem contribuindo, no sentido de exercer sobre o Governo senegalês uma pressão, de efeitos politicamente vantajosos, nomeadamente, no que toca a uma clarificação da sua política face à instabilidade interna na Guiné-Bissau.
De acordo com avaliações internas do Governo guineense, que conseguimos apurar falando com altos funcionários ligados não só à Presidência do Conselho de Ministros, como de outros sectores políticos nevrálgicos da Guiné-Bissau, o Senegal tem seguido uma política de alinhamento, quer com as diferentes facções ou grupos de interesses em disputa nos conflitos que infelizmente atravessaram a Guiné-Bissau desde 1998 – ou então de ambiguidade. E neste contexto, podemos garantir, que a lealdade que guarda em relação ao actual Governo, legítimo, também é duvidosa e este posicionamento, também tem contribuído e de que maneira, para dificultar uma estabilização da situação interna nacional.
Refira-se igualmente que a manipulação é uma enorme força nos países onde a ignorância assume contornos de generalidade.
Importância da pesca
A pesca artesanal é uma das principais actividades económicas do Senegal. O reforço das medidas de fiscalização e controlo posto em prática pelo Executivo liderado por Carlos Gomes Júnior, não só fez baixar o volume das exportações senegalesas de pescado, como conduziu a uma quebra no abastecimento do seu mercado interno. As águas da Guiné-Bissau são mais ricas que as do Senegal em recursos pesqueiros.
Os pescadores artesanais senegaleses, conhecidos por “nhomincas”, aproveitaram a instabilidade crónica em que o nosso país tem vivido nos últimos 7 anos para intensificar desmesuradamente o seu esforço de pesca nas águas guineenses. A sua reconhecida perícia contou por acréscimo com um ambiente propício à violação das normas, desde a fuga aos licenciamentos até ao emprego de malhas irregulares, etc.
As embarcações licenciáveis para a pesca artesanal devem ter capacidade de carga variável entre 500/1.000 toneladas. Devido à lassidão dos mecanismos de controlo e a conivências das autoridades marítimas guineenses, os senegaleses vinham utilizando canoas com capacidade para 20.000 toneladas ou mais de carga – que por força de estarem licenciadas podiam entrar nas chamadas zonas de protecção, ou seja, nas águas interiores.
Sabe-se, pelos corredores de alguns ministérios, embora sem uma confirmação oficial, que o governo senegalês tentou obstruir a nova política empreendida pelo Executivo de Carlos Gomes Júnior e protagonizada pela Ministra das Pescas, Helena Nosolini Embalo, recorrendo, inicialmente à Direcção-Geral das Pescas da União Europeia, mas não só não viu atendidas as suas pretensões, como foi dada razão à atitude da Guiné-Bissau. A seguir Abdoulaye Wade efectuou diligências directas junto do Presidente da República de Transição, Henrique Rosa, enviando um emissário especial, o Ministro Djibo Ká, mas também sem sucesso.
Casamansa
A política do Senegal em relação à Guiné-Bissau é no essencial determinada por interesses relacionados com a questão de Casamansa. A saber:
- Visa dissuadir ou impedir a Guiné-Bisau de apoiar ou conceder facilidades de utilização do seu território por parte dos rebeldes separatistas de Casamanse e neste contexto, se necessário, instalando influências políticas e económicas na Guiné-Bissau.
- O apoio militar maciço prestado a Nino Vieira na sublevação que opôs o seu regime à Junta Militar de Ansumane Mané tornou-se nefasto com a vitória da Junta, já que a rebelião de Casamansa voltou a contar com apoios, embora discretos e prestados de acordo com lógicas comerciais.
- Kumba Yalá, eleito Presidente da República em 2000, mas constrangido a partilhar o poder até à eliminação de Anssumane Mané, foi o dirigente guineense que mais zelosamente serviu as aspirações senegalesas de asfixiar a rebelião de Casamansa, tendo no decurso do seu mandato, mandado desmantelar as bases e refúgios dos rebeldes no território da Guiné-Bissau.
- A perspectiva incómoda de poder vir a deixar de contar com os préstimos de Kumba Yalá, em razão da instabilidade crescente em que o regime deste entrou, levou o Senegal a intrometer-se, ajudando Kumba Yalá a resolver situações de emergência ou cativando os chefes e comandantes militares através de gratificações que os demovessem de enveredar por tentativas golpistas.
Ao longo de todo o consulado de Kumba Yalá, o Senegal entregou aos chefes e comandantes militares guineenses elevadas somas em dinheiro com o propósito de os comprometer com uma linha de não concessão de apoios aos rebeldes. Subvencionou, inclusive, uma campanha operacional levada a cabo no Norte do território por uma força comandada pelo actual Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, General Tagme na Waié, enquanto este na altura era o Comandante das Forças Armadas para a região Norte, com o seu quartel-general sediado em Mansoa.
No seguimento da queda de Kumba Yalá, o actual Presidente da República, Henrique Rosa, diligenciou no sentido do Senegal pôr termo a tais práticas. Foi usado o argumento de que o pagamento aos militares guineenses de luvas em troca do seu empenhamento em acções de neutralização da rebelião de Casamansa representava um acto inamistoso de ingerência.
Recentemente, o Presidente da República do Senegal, Abdoulaye Wade, declinou um pedido de audiência de Kumba Yalá, fazendo publicitar o gesto. Mas recebeu-o posteriormente, embora com discrição, o que levou este a interpretar o gesto do Chefe de Estado senegalês, como uma atitude de incitamento dos seus planos para regressar à política.
É pouco provável, porém, que Abdoulaye Wade tenha qualquer pretensão de apoiar Kumba Yalá, tendo em conta as seguintes factores:
- O Senegal ficaria isolado; a atitude dos diferentes países com interesses na Guiné-Bissau é, em geral, de censura e desconfiança em relação a Kumba Yalá;
- Criaria um problema com a França, dada a aplicação desta em impedir o regresso de Kumba Yalá, a recente Resolução do Conselho de Segurança é prova irrefutável;
- Aumentaria o espaço de manobra ao principal concorrente de Wade, nas eleições de 2006, Idrissa Seka;
- Tornaria incerto o futuro das relações com a Guiné-Bissau.
Ainda a propósito desta situação política sub-regional, a própria República da Guiné Conakry também tem uma política pouco transparente em relação à Guiné-Bissau. Neste caso, porém, é reflexo de relações pessoais, muito estreitas e antigas entre o respectivo Presidente da República, Lansana Konté e Nino Vieira, alargadas, inclusive, a interesses patrimoniais comuns.
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO