Verdadeiros Artistas
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Por: Francelino Alfa
10.03.2007
O Governo da Guiné-Bissau anunciou uma reestruturação na Função Pública do país que passa por enviar os funcionários excedentários para casa a receber ordenado, enquanto aguardam requalificação profissional para trabalharem no sector privado.
Boa ou má notícia?
Podemos questionar a urgência, podemos discordar ou concordar com esta decisão do governo, mas numa coisa, estamos todos de acordo: o Estado está muito “gordo”, ineficaz e demasiado gastador, o Estado está um monstro, portanto. Por isso, esta reforma é um imperativo nacional e o país tem que evoluir.
Esta notícia a confirmar-se, leva-me a aplaudir com moderação, por duas razões:
1ª - Pela coragem e vontade política na resolução de um dos problemas estruturais mais graves e crónicos da nossa sociedade. É verdade que esta reforma surge num momento de grande fragilidade interna enfraquecida pela má governação dos sucessivos governos e pela pobreza absoluta provocada também por essa guerra estúpida de há nove anos. O país continua confrontado com desafios enormes, económico-financeiros, sociais e políticos. É preciso não só a capacidade política para convencer as pessoas de que as reformas são essenciais e importantes para o nosso futuro colectivo, assim como dar respostas e encontrar soluções para a grave situação dos trabalhadores guineenses em particular, e do povo em geral.
2ª - Pela coerência na prossecução dos objectivos a que se propôs no MEMORANDO SOBRE CONJUNTURA MACROECONÓMICA E POLÍTICAS PARA 2007. A credibilidade depende da coerência também. Que os nossos governantes cumprissem pelo menos o mínimo do que prometem! E isto poderá modificar a verdadeira natureza de fazer política na nossa terra.
Quais são as motivações deste governo? Como é possível que um governo adopte este princípio de uma forma tão radical a um ano das legislativas com o risco dessa reestruturação não ter pés para andar em caso de derrota eleitoral? Os resultados serão tangíveis neste curto espaço de tempo? O bom senso não aconselharia o adiamento para um horizonte temporal maior, no intuito de acompanhar o impacto das medidas? Este governo, findo este mandato, não terá que prestar contas aos eleitores? Será que os trabalhadores vão acatar de ânimo leve estas restrições impostas pelo governo? Quais serão os efeitos desta decisão? Os salários vão melhorar? Como, o quê e para quem do sector público?
O problema é que geralmente não há respostas simplistas para estas questões mas eu respondo: se os governos têm um papel normativo a desenvolver em qualquer sociedade, isto é, estabelecer um enquadramento legal para a economia, contribuir na afectação de recursos para melhorar a eficiência económica, estabelecer programas para melhorar a distribuição do rendimento e estabilizar a economia através de políticas macroeconómicas, admito que este governo se comportou de modo a maximizar a probabilidade da sua (re) eleição nas próximas legislativas ainda que remota. Portanto, não é líquido assim que o FCD (Fórum de Convergência Democrática) não se transforme em partido. E não é preciso ser muito inteligente para perceber uma luta subterrânea entre partidários da continuidade do FCD e os opositores para controlar as “slots machines”. Nem tão pouco é preciso ser perspicaz para prever que, brevemente, nesta luta pelo tacho, entrará um outro “poder” por razões exclusivamente económicas. Nada de novo! Tudo na mesma!
Qualquer que seja a fonte das nossas leis, usos e costumes, o enquadramento legal influencia fortemente a actividade económica e administrativa. Qualquer governo actualmente, e em qualquer parte do mundo, tenta atenuar o ciclo económico de modo a evitar o desemprego crónico, a estagnação económica e a inflação dos preços e incentivar o crescimento económico.
Escusado descrever cada uma das funções económicas de um governo nem os métodos que pode usar para estabilizar a economia, por razões de economia de espaço e tempo, mas sobretudo para o melhor enquadramento da minha análise. Podemos olhar para esta problemática em duas perspectivas:
a) do lado do Estado com resultados económico-financeiros.
b) do lado dos funcionários públicos com consequências sociais.
Do ponto de vista do Estado, o processo de convergência com a média da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África do Oeste) é a grande meta nacional. Mas o país não está a conseguir trilhar esse caminho. Temos cada vez menor capacidade de crescimento. O país só conseguirá o caminho da convergência se os guineenses trabalharem muito e produzirem mais e realizar reformas profundas e urgentes designadamente nas áreas da justiça, defesa e segurança e da administração pública (civil e militar). O sector de Defesa deveria ser o primeiro, pois é onde há muita gente e provavelmente com maior desperdício. Os próprios funcionários do Fisco, as Direcções Gerais, nomeadamente das Alfândegas, das Pescas e das Florestas devem merecer um controlo apertado visto que são sectores em que a fraude é medonha, e o “polvo” assustador com estrangulamentos conhecidos!
As áreas da Justiça, da Segurança, da Saúde e da Educação devem ser objecto de uma atenção especial. Aliás, são sectores onde os recursos humanos e financeiros são escassos e menos eficazes. A Educação deveria ser uma das apostas estratégicas com prioridade na atracção de investimento directo estrangeiro orientada para o sector agrário e de desenvolvimento rural e pescas; apostar numa reduzida carga fiscal – o peso dos impostos no PIB (Produto Interno Bruto) é elevado –, no desenvolvimento de infra-estruturas físicas adequadas. Juntar a isso, práticas de regulação de negócios de qualidade, criando desta maneira um ambiente favorável à constituição e funcionamento das empresas para que as pessoas “requalificadas profissionalmente” possam encontrar oportunidades de trabalho. O capital humano é o principal catalizador do desenvolvimento económico.
O lado microeconómico da política dos governos, é auxiliar a afectação dos recursos socialmente desejáveis com ganhos económicos como é óbvio, Mas esta prioridade e orientação política, neste caso, a “mão visível” do governo, se não for bem pensada, pode não conduzir a economia na direcção de uma afectação económica eficiente e equitativa dos bens e do rendimento públicos porque na minha opinião, o desemprego é muito elevado, o país perde muito produto, os rendimentos diminuem e a parcela do Estado no PNB (Produto Nacional Bruto) é muito baixa.
Ora, se olharmos pelo lado das pessoas, o trabalho tem valor em si mesmo e não há valor monetário que possa traduzir adequadamente o custo humano, social e psicológico dos períodos de desemprego persistentes e involuntários. E constataremos que, o desemprego, sendo um problema central das sociedades modernas, não está a ser acautelado devidamente por uma razão muito simples: qualquer observador isento, que conhece a realidade socio-económica e cultural do nosso país, dirá sem pestanejar que o desemprego é elevadíssimo, porquanto o próprio Estado, através do INES (Instituto Nacional de Estatísticas e Sensos) não zelar pelo valor exacto e credível sobre a taxa de desemprego no país; os recursos são desperdiçados; o sector privado é incipiente; o Estado não está estruturado nem organizado.
Quando o governo vem falar de Ministérios a precisarem de funcionários qualificados é uma falácia! Um embuste! Quantos guineenses, muitos jovens e bons com qualificações e cursos superiores que estão na Guiné a deambular de um lado para o outro e que não encontram trabalho, e menos ainda, integrados na Função Pública?! Quantos integrados que não fazem patavina, pois o Estado não lhes dá meios para desenvolver as suas capacidades? As portas das administrações públicas e do poder político não estão fechadas aos jovens?! E o seu futuro não é risonho, acabando muitos deles como “boat people” do desencanto e da frustração como alguém os chamou, emigrando como forma de fugir à miséria, engrossando o limbo da marginalidade do Ocidente desenvolvido com problemas de desemprego. Outros, cujos destinos entregues ao castigo do ´nsunsum*.
Como podemos atrair os melhores se o próprio Estado como “pessoa” de bem, tem este tipo de comportamento e atitude? Como? E o que deveria acontecer era haver um mix de gente mais velha com experiência e novas gerações bem preparadas para renovar as administrações públicas e mesmo os partidos políticos, cheio de velhos dirigentes que serviram/servem sem escrúpulos os partidos e os interesses obscuros!?
Sabemos quão as oportunidades no país são escassas! Desde o fim do conflito de 1998 a esta parte, os resultados económicos espelham isso mesmo (poupança interna, insignificante, pois os rendimentos são muito baixos, que por sua vez, conduzem a investimento baixíssimo, e leva a que a oferta global de trabalho seja diminuta; a inflação não se sabe com rigor, as despesas e o produto total diminutos e o desemprego aumenta em todo lado, e o nível de vida dos guineenses piora, etc.) e espalharam os seus efeitos nefastos com consequências no estado psíquico, principalmente comportamental dos guineenses e na vida das suas famílias.
Não obstante o Estado não poder dar trabalho a todos, mas o que qualquer Estado pode fazer, é prestar um elevado número de serviços com boa qualidade sem no entanto necessitar de um grande número de funcionários públicos. Um Estado assente numa administração pública muito competente, pequena, independente e eficiente.
Mas aqui, há um paradoxo entre um PERP (Plano Estratégico para a Redução da Pobreza) acordado pelo Governo que visa dar apoio à redução da pobreza ao acelerar o ritmo de gastos prioritários no âmbito do orçamento existente, e o aumento da fila de milhares de guineenses desempregados quando há tanto trabalho para ser feito e ausência de apoios concretos.
Como se pode integrar uma pessoa no sector privado, a espinha dorsal de qualquer economia, se este sector quase não existe? Sabe-se qual é a percentagem que o sector privado contribui para a criação do emprego? Claro que não! Os excedentários e as pessoas não qualificadas continuam a receber ordenado, mas estão em casa numa espécie de reforma, diz o governo. Recorde-se ainda que esta reforma é financiada com fundos dos doadores. Esta situação é financeiramente sustentável durante quanto tempo, sabendo nós, as contribuições obrigatórias para regime de protecção social são uma ninharia? Quantas pessoas irão para a reforma? Fizeram as contas? Racionalizar serviços públicos implica melhor afectação dos recursos.
Se há assim tantos “excedentários” porque é que na maioria das regiões do país, onde não há capacidades institucionais (poder judicial, poder administrativo - em que as pessoas admitiram já não contar com o Estado para a melhoria das suas condições de vida. Nada de novo! Tudo na mesma!) há tantas pessoas que querem trabalhar a ficar desocupadas?
“… está em estudo uma parceria com o Ministério da Saúde, para os funcionários públicos começarem a ter acesso médico gratuito”. A ser verdade, é muito importante porque além de assistência na doença, o controlo das doenças e melhoria das condições de saúde e de nutrição tornam as pessoas mais felizes e torna-as trabalhadores mais produtivos.
Para concluir, diria que, com a passagem do tempo, as atitudes políticas evoluem. E são bem vindas as positivas! As doutrinas radicais de uma era acabam por ser aceites como evangelho da próxima. Quando se fala na despesa pública pensa-se na dança dos números e os nossos governantes devem encontrar um equilíbrio entre resolver problemas de fundo com que o país se defronta na realidade, com uma grande sensibilidade para com os guineenses que neste momento estão desesperados e na miséria, e sobretudo, perceber os factores que estão na origem dos cancros da nossa sociedade. Os governos devem tomar medidas para aliviar as dificuldades da falta de trabalho e promover a realização do bem-estar das suas populações.
Os poderes constitucionais dos governos podem ser interpretados no sentido geral e utilizados para “assegurar o interesse público” e para “policiar” o sistema económico. Se assim é, e sendo a Economia uma ciência inexacta, inicialmente as coisas até podem não correr bem, se calhar até anos, contudo pode-se persistir no caminho a seguir corrigindo alguns aspectos das políticas económicas. Não podemos logo descartar soluções quando elas não têm efeitos imediatos. Mudar para que tudo fique igual, não, obrigado! A prudência aconselha que é preciso definir uma estratégia nacional coerente para progredir em termos económicos e de nível de vida dos guineenses e implementando-a. O país tem de fazer isso, e que esta reestruturação se faça não de uma forma atabalhoada mas com rigor e objectividade e se possível, tomada como um Propósito Nacional mobilizando todas as sensibilidades e mais-valias nacionais!
* É o nome de um vinho produzido localmente, bastante apreciado, sobretudo pelas hostes “Pirdi Kuru” (Reis destituídos)
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO