A QUESTÃO DA GRAMATICALIZAÇÃO NOS ESTUDOS CRIOULOS
Hildo Honório do Couto
(Universidade de Brasília)
1. Introdução: o que são línguas crioulas
De acordo com a definição mais corrente, os crioulos são línguas mistas que surgiram durante o processo de exploração da África, Ásia, Oceania e América pelas potências européias. Dessa perspectiva, as línguas crioulas seriam precedidas de um outro tipo de língua mista, ou seja, os pidgins. Portanto, faz-se necessário começarmos pela definição dos conceitos de pidgin e crioulo. Mais abaixo, essas definições serão revistas, uma vez que nos últimos anos a crioulística (= estudo das línguas crioulas e pidgins) tem progredido muito. Para uma abordagem mais detalhada, inclusive com muitos exemplos de textos crioulos, pode-se consultar Couto (1996). Para o estudo de um crioulo particular (o da Guiné-Bissau), pode-se ver Couto (1994a).
Vejamos o que vem a ser pidgin segundo a concepção tradicional. Como se sabe desde pelo menos Bloomfield (1933), mas sobretudo após os estudos detalhados de Hall (1996), pidgin é uma língua de contato, que surge quando povos falantes de línguas mutuamente ininteligíveis entram em contato estreito, ou seja, quando têm necessidade de se comunicarem uns com os outros, como ocorreu durante a exploração do mundo pelos europeus. Como o povo dominante (colonizador) não se dava ao trabalho de aprender a língua dos povos dominados (colonizados), o que em geral acontecia era os últimos tentarem se comunicar na língua dos primeiros. Dadas as situações precárias em que isso se dava, via de regra eles conseguiam pegar apenas pedaços dessa língua, freqüentemente apenas palavras isoladas, que eram usadas sem nenhuma sintaxe nem morfologia. Enfim, o pidgin é uma língua que tem uma gramática drasticamente reduzida (se é que a tem), sobretudo a morfologia, bem como um léxico bastante restrito. Por definição, ele não é língua materna de ninguém, pois entre si os povos dominados só falam suas respectivas línguas, ao passo que os dominadores nunca se dão ao trabalho de falar outra língua que não a sua própria. Segundo a hipótese mais aceita, a palavra pidgin teria provindo da expressão inglesa "business English", como pronunciada pelos chineses em seus contatos com os colonizadores ingleses. Entretanto, acredita-se que o primeiro pidgin de certa importância da história teria sido uma variedade de português estropiado falada ao longo de toda a costa africana e em toda a rota marítima, desde os primeiros anos das Grandes Navegações. Historicamente, porém, a chamada língua franca medieval o precedeu.
Se o grupo misto formado por colonizadores e colonizados começa a se consolidar e o pidgin passa a ser língua materna de crianças da nova comunidade, tem-se o crioulo. Logo, língua crioula é um pidgin que foi adquirido como língua nativa, como preconiza a chamada teoria da nativização. De acordo com essa concepção, o crioulo é um ex-pidgin, ou seja, um pidgin que virou língua materna de uma comunidade. Como veremos abaixo, há autores que acham que mais importante do que se nativizar é transformar-se na língua principal da nova comunidade (comunitarização). Pelo fato de passar a atender todas as necessidades comunicativas e expressivas de seus usuários, e não apenas as do contato interétnico como faz o pidign, o crioulo apresenta uma expansão (complexificação) da gramática pidgin bem como um aumento do léxico. Essa situação se deu no arquipélago de Cabo Verde, na Guiné-Bissau, em São Tomé e Príncipe, na Malaca e em outros lugares, todos eles de colonização portuguesa. No entanto, há crioulos e pidgins de base espanhola, francesa, inglesa e até de base africana (como o Sango da República Centro-Africana). Alguns dos mais conhecidos são o papiamentu (crioulo espanhol das Antilhas Holandesas), os crioulos do Haiti, da Ilha Maurício, de Guadalupe e outros (de base francesa), o tok pisin, o jamaicano, o havaiano (de base inglesa), entre muitos outros.
O objetivo do presente artigo é discutir essa conceituação de crioulo, mostrar que no fundo a formação de uma língua significa a formação de uma nova gramática. Só que, a formação de uma gramática implica o processo sócio-histórico de contato de povos e suas respectivas línguas. Embora os processos sócio-históricos sejam mais importantes e pré-requisito para a formação da gramática, no momento enfatizo mais a formação da própria língua crioula, ou seja, a formação da gramática crioula. Portanto, é necessário começar pelo próprio processo de formação da gramática, que chamo de gramaticalização, não necessariamente no mesmo sentido em que ela vem sendo empregada pelos especialistas em "gramaticalização".
2. Gramatizalização
O fulcro de interesse na crioulística é a formação e a transformação das línguas crioulas. Isso significa, em última análise, que essa disciplina se preocupa basicamente com a questão da formação e transformação das gramáticas crioulas. Ora, formação de gramática é nada mais nada menos do que aquilo que se chama de gramaticalização. É claro que só pode haver gramaticalização se houver antes uma situação de agramaticalidade, se houver uma desgramaticalização prévia. No caso específico das línguas crioulas temos, em seguida e às vezes concomitantemente com a fase de gramaticalização ou de formação do crioulo, um processo de adoção de elementos da língua dominante, de superstrato ou lexificadora, ou seja, a língua de que provieram. Trata-se do processo de regramaticalização. Esse processo pode ir até ao ponto de desfigurar a língua crioula, com o que ela passaria a ser apenas uma variedade, ou dialeto, da língua lexificadora. É o que parece estar ocorrendo com o crioulo inglês da Jamaica, entre outros.
Em crioulística raramente se usam os termos desgramaticalização, gramaticalização e regramaticalização. Em seu lugar são empregados os conceitos de pidginização, crioulização e descrioulização, segundo um processo que ficou conhecido como "o ciclo vital pidgin-crioulo" (Hall 1962, Hymes 1971). Quando povos de línguas mutuamente ininteligíveis passam a conviver em contato estreito, pode acontecer de a língua que tem mais poder se impor. Porém, como se pode ver na Fig. 1 abaixo, o mais comum é surgir um meio de comunicação interétnica (MCI) (Baker 1990), com elementos de todas as línguas intervenientes, sendo que o léxico da língua do povo mais forte em geral predomina, donde a expressão "língua lexificadora". Em um primeiro momento, esse MCI não passa de estratégias individuais de comunicação, como se pode ver nos exemplos de (1)-(3), proferidos por trabalhadores das plantações de cana-de-açúcar do Havaí no começo deste século (a origem do falante e a data da coleta da "frase" estão entre parênteses) (cf. Bickerton 1984: 174). O exemplo (4) me foi dado por Jürgen Heye (c.p.). Ele pode ocorrer em várias situações pidginizantes (cf. Couto 1996: I.1) em que a língua inglesa esteja envolvida. A propósito, posteriormente ouvi-a de chineses de Nova York.
(1) kote, motete, awl frend giv, no? (Japonês, 1918)
Buy, take back, all friend give, INTERROGATIVE
"[Eles] compravam [presentes] traziam [-nos], e davam [-nos] a todos seus
amigos, né?"
(2) insai lepo aen hanapa aen blanket, finish (visaya, 1916)
inside dirt and cover and blanket, finish
"[Eles punham o corpo] no chão e [o] cobriam [com um] lençol, e pronto"
(3) mi onli chachi go palei, tarin gonon naega bisanis ani
(coreano, 1916)
I only church go pray, other things I business is-not
"Eu simplesmente ia à igreja para rezar; outras coisas não eram de minha conta"
(4) long time no see
"Há muito tempo não nos vemos"
Como se vê, os itens lexicais de (1)-(3) que não são ingleses, isto é, da língua de superstrato, lexificadora, são japoneses como os de (1), visayas como os de (2) e coreanos como os de (3). Os de (4) são todos ingleses, mas usados sem a sintaxe inglesa. O fato é que em todos os exemplos, praticamente não há gramática. O pouco que poderia ser tido como algo que lembra ligeiramente uma gramática pertence à língua de substrato do falante. Em (1), por exemplo, temos o objeto precedendo o verbo, como em japonês. Algo semelhante se dá com os "enunciados" proferidos por falantes de outras línguas. A esse tipo de comunicação parcialmente bem sucedida devido apenas ao contexto da situação os crioulistas chamam comunicação pelo modo pragmático, por oposição à comunicação pelo modo sintático, em que o entendimento se dá mediante um instrumento socializado de interação, logo, gramaticalizado (MÜHLHÄUSLER 1986: 125, GIVÓN 1979: 223).
A conclusão a que se chega sobre uma situação como a do Havaí do começo de nosso século, que é quando os exemplos (1)-(3) foram colhidos, é a de que o equilíbrio estrutural da gramática de cada indivíduo estava sendo perturbado pelo impacto do encontro com as gramáticas que os outros indivíduos dominavam, todas diferentes entre si. Estava-se, portanto, em um processo de desestruturação das línguas originais, ou seja, um processo de desgramaticalização. Trata-se, portanto, do início do processo que em crioulística se chama de pidginização. Mühlhäusler (1986: 1-11) chamou esse estágio inicial de jargão (ângulo I da Fig. 1). Ele usou também os termos alternativos "pre-pidgin", "multilingual idiolect" e "secondary hybrid". Hymes (1971) fala em "pidgin instável". Quando esse jargão começa a se cristalizar, tem-se o pidgin estável (ângulo II da Fig. 1). Até este momento, o MCI (pidgin) ainda não tem falantes nativos. Quando ele começa a adquiri-los, passa a ser chamado de crioulo (ângulo III da Fig. 1). Para a maioria dos crioulistas, o crioulo é um pidgin nativizado, ou seja, um pidgin que passou a ser língua materna de uma comunidade ou de parte dela (Hall 1966). Em Couto (1996) eu propus o quadro da Fig. I para visualizar todo esse processo. Na Fig. 2, abaixo, eu proponho um outro modelo para explicar o processo de formação e transformação dos crioulos.
Fig. 1
(LS = língua(s) de substrato; LL = língua lexificadora ou de superstrato)
A evolução de I para II é chamada de pidginização, cujo resultado é o pidgin. De II para III ocorre a crioulização, cujo produto é o crioulo. A volta de III para I, isto é, a reaproximação do crioulo à língua dominante, recebe o nome de descrioulização. Não há um nome para o seu resultado (descrioulo?).
3. A proposta de Roman Jakobson
O caso que gostaria de examinar mais detalhadamente é o da formação da gramática fonológica (GF) do crioulo português da Guiné-Bissau. Para tanto, gostaria de usar três conceitos propostos independentemente por Roman Jakobson no início da década de 30, ou seja, desfonologização, fonologização e refonologização, nessa ordem (Jakobson 1970, 1978). Como se vê, trata-se do equivalente fonológico de desgramaticalização, gramaticalização e regramaticalização, respectivamente. A desfonologização é definida por Jakobson do seguinte modo: "A e B se opõem fonologicamente, ao passo que entre A1 e B1 não há nenhuma diferença fonológica". Trata-se, assim, de uma "desvalorização fonológica" (Jakobson 1970: 319). Ele aduz vários exemplos das línguas eslavas. Llorach (1967:132-133) mostra que no castelhano e no catalão medievais /b/ e /v/ eram fonemas distintos. Porém, quando /v/ passou a ser pronunciado como [ß] confundiu-se com o /b/ intervocálico, que também era [ß]. Com isso, a relação original /b/-/v/ se transformou na relação /b/-/ß/. No galego-português, a distinção fonológica existente entre /ts/ (cem) e /s/ (sem) se desfez, dando lugar a um único fonema /s/. O mesmo se deu com /dz/-/z/ (cozer, coser) que confluíram em /z/, com /t3/-/3/ (chaga, leixar) que viraram /3/ e com /d3/-/3/ que se neutralizaram em /3/ (Teyssier 198726-27).
Quanto à fonologização, Jakobson afirma que "entre A e B não há nenhuma diferença fonológica, enquanto que entre A1 e B1 essa diferença existe" (Jakobson 1970: 321). Trata-se, portanto, do surgimento de uma distinção fonológica onde ela não existia. Os exemplos do autor consistem basicamente de variantes combinatórias de fonemas que passam a ser dois fonemas distintos. Assim, no polábio antigo, o fonema /x/ era realizado como a espirante velar surda [x] antes de algumas vogais; antes de outras vogais, ocorria como espirante palatal surda [ç], de modo que eram apenas variantes combinatórias de um único fonema. Tornaram-se dois fonemas autônomos quando as vogais fracas médias e baixas se coalesceram, com o que se deu uma diferenciação em palavras como [sauxa] (feminino) e [sauça] (neutro), de modo que o par /x-ç/ passou a ser uma oposição fonológica (Jakobson 1970: 322).
A adoção de empréstimos é outra fonte de fonologizações. Em russo, [f] só ocorria em final de palavras como variante ensurdecida de /v/, como no nome próprio "Gorbatchof". Devido à importação de termos que continham [f] em outras posições, essa variante se fonologizou, formando a correlação /v/-/f/. Em português, o som [t3] é apenas um alofone de [t] antes de [i], em alguns dialetos. No entanto, em itens lexicais periféricos como "tchau", "tchan" e "tchê" ele já está ocorrendo em outros contextos fonéticos. Em expressões de gíria ele já apareceu em "mintchura", "tchurma" e "pitchula", entre outros. Em alguns dialetos do nordeste, ele ocorre como alofone de /t/ se vier precedido de [i] ou [y], como em [direytšu] (direito). Por fim, no Mato Grosso ele substitui o fonema /3/, de modo que uma frase como "O Coxipó (rio) enche e o peixe se vai" é pronunciada por alguns falantes de Cuiabá como [o kotšipò entše e o petše se vay]. Não se deve desprezar nem mesmo a influência do espanhol dos países que nos circundam. Pois bem, devido a tudo isso parece que o par [t]-[tš] tende a passar por um processo de fonologização, resultando na distinção fonológica /t/-tš/, como no espanhol.
A refonologização, por fim, consiste em uma reorganização de oposições fonológicas. Segundo Llorach (1967: 133), "não se criam nem se perdem distinções fonemáticas; o que ocorre é uma reorganização da estrutura do sistema". Assim, quando a consoante vibrante múltipla alveolar do português /r/ de "carro" e "rua" passou a realizar-se como vibrante múltipla uvular [R] e, por fim, como fricativa velar [x], deixou a oposição isolada em que se inseria (as líquidas) para fazer parte da oposição velar oclusiva /k,g/ e fricativa /x/. Abaixo, o conceito de refonologização será ampliado para qualquer tipo de alteração de um sistema fonológico devido à influência de outra língua, como no caso dos crioulos que estão se descrioulizando.
Em crioulística, o percurso desfonologização-fonologização-refonologização equivale aproximadamente ao ciclo pidginização-crioulização-descrioulização. A diferença está em que a desfonologização de Jakobson compreenderia apenas o momento inicial do processo de pidginização, em que se dá o desmoronamento das gramáticas das línguas intervenientes. É, portanto, apenas o ângulo I da Fig. 1, ao passo que a pidginização é um processo que se inicia em I e termina em II. Segundo alguns crioulistas, haveria pidgins relativamente estabilizados, como o tok pisin da Papua Nova Guiné, o jargão chinook dos EUA e o fanagalo (pidgin zulu) da África do Sul (cf. Mühlhäusler 1986: 147-176). A fonologização, por seu turno, começaria aproximadamente no meio do lado direito do triângulo da Fig. 1 e iria até o ângulo III, ou seja, até o momento em que já se tem um crioulo. Abrangeria, portanto, parte do período da pidginização e todo o da crioulização. A refonologização, por fim, equivaleria à descrioulização, isto é, ao processo de reaproximação à língua de superstrato.
Diante da não concordância total entre a tricotomia da crioulística e a de Jakobson, eu gostaria de sugerir que se opte pela de Jakobson, adaptando-a ao arcabouço da crioulística. Assim, creio que não seria violentar a concepção original desse autor redefinindo seus conceitos da seguinte forma: 1) desfonologização: processo que consiste no desmoronamento das fonologias das línguas dominadas ou de substrato (LS) e da língua dominante, de superstrato ou lexificadora (LL), no momento do contato; 2) fonologização: formação de uma estrutura fonológica (GF) para o MCI (crioulo) a partir dos disjecta membra que restaram dos escombros das fonologias de LS e LL e, quiçá, do dom biológico para a linguagem; 3) refonologização: revisão da gramática fonológica do crioulo por influência de LL, inclusive mediante adoção de fonemas e de estruturas silábicas nele inexistentes. Tudo isso vale igualmente para os outros componentes da gramática. Entretanto, ater-me-ei ao componente fonético-fonológico (gramática fonológica).
Diante do que acaba de ser dito, parece ter ficado evidente que o conceito de pidgin perde sua razão de ser. Após o momento inicial do encontro de falantes de LS e LL, ou seja, após o momento da desfonologização, o que há é gradual porém diretamente a formação da gramática fonológica do crioulo (fonologização), sem o intermediário da pidginização. Com efeito, língua é basicamente um meio para os membros de determinada comunidade interagirem entre si (comunicarem-se). Portanto, o mais importante na formação de uma língua crioula (um crioulo) não é propriamente a aquisição de falantes nativos, ou seja, a nativização, como tem sido defendido pela maioria dos crioulistas. Mais importante é a comunitarização, isto é, o fato de MCI passar a ser a língua principal da nova comunidade. Por essas e outras razões gostaria de propor na Fig. 2 uma outra visão do processo de formação e transformação dos crioulos, em substituição ao modelo da Fig. 1 acima.
Fig. 2
A Fig. 2 mostra basicamente que, em um momento inicial, representado pelo quadro maior superior, convergem várias línguas de substrato (LS) com uma língua de superstrato ou lexificadora (LL), em geral mais forte socio-economicamente. Nesse momento, tudo que fazia parte das línguas e das culturas de LS e de LL se desestrutura, uma vez que ainda não se tem uma comunidade propriamente dita nem muito menos uma língua que lhe seja específica. O que há é um agregado heterogêneo de pessoas de línguas e culturas as mais diversas, uma vez que as próprias LS são em geral múltiplas e ininteligíveis entre si. Trata-se, portanto, de uma agregação tópica ou tropista, isto é, de um agrupamento de pessoas que se dá por contingências meramente ambientais ou físicas, alheias à vontade dos membros de LS (Sebeok 1967). No caso das "sociedades de plantação" em que a maioria dos crioulos surgiram, isso se deu com muita violência.
Nessas condições, não há a mínima afinidade entre as partes em contato, a interação entre os indivíduos só pode se dar idiossincraticamente, mediante estratégias individuais de comunicação, isto é, pelo modo pragmático, devido ao esboroamento das gramáticas de LS e de LL, conseqüência do esfacelamento dos vínculos comunitários de origem. No caso específico, temos uma perda das distinções fonológicas de LS e de LL, ou seja, uma desfonologização, para ampliar um pouco a concepção original de Jakobson. Em (1)-(4) acima temos alguns exemplos de "enunciados" que podem ser (e foram) produzidos nessas situações. O pouco que há de fonologia (gramática fonológica) é da língua LS original do falante, talvez até mais do que o que acontece no caso da sintaxe.
Se a convivência entre os falantes de LS e de LL desse agregado heterogêneo se prolongar no tempo, há uma tendência para se formar uma espécie de compromisso entre as diversas partes envolvidas e, portanto, para a emergência de uma comunidade propriamente dita. No plano lingüístico, algumas construções tendem a se cristalizar, com o que se tem o início do processo de gramaticalização (início do MCI). Freqüentemente, tomam-se itens lexicais de LL e resquícios das gramáticas de LS. O restante se deve a uma tendência natural de escolha de formas menos marcadas, ou seja, a faculdade de linguagem. No caso em tela, inicia-se a fonologização de sons das línguas em contato, que ocorriam aleatoriamente no lapso de tempo que medeia entre o momento do encontro dos falantes aloglotas (desfonologização, desgramaticalização) e o início de um certo entendimento (fonologização, gramaticalização). Logo a seguir, porém, inicia-se um novo influxo de LL sobre o crioulo, provocando uma reorganização de sua fonologia (e de sua gramática em geral).
Sumariando temos, no quadro maior da Fig. 2, o início (e os momentos imediatamente subseqüentes) do contato de LS e LL: desfonologização. A seta descendente representa a manutenção desse contato e a subseqüente formação paulatina de um MCI: fonologização. O quadro inferior mostra o resultado do processo indicado pela seta descentente, ou seja, a cristalização do MCI, cujo resultado final é uma língua crioula, um crioulo. A seta ascendente indica o processo também paulatino de reaproximação do crioulo à língua lexificadora (LL), de superstrato: desfonologização. No quadro superior interno, direito, finalmente, temos os momentos finais do processo de descrioulização, ou seja, o momento em que o crioulo perde suas características em prol das de LL, desaparecendo quase por completo. O pouco que dele resta são alguns vestígios na língua lexificadora, sob a forma de um dialeto relativamente bem marcado. As equivalências completas são as seguintes: contato LS + LL º desfonologização; crioulização º fonologização; crioulo º gramática fonológica; descrioulização º desfonologização; obsolescência do crioulo º língua lexificadora dialetalizada (LL). Como se vê, em nenhum momento o conceito de pidgin fez falta.
Um fato nada despiciendo que deve ser notado é que o gatilho para todo o processo de mudança lingüística em questão (desfonologização, no caso presente) é um fenômeno social. Sem o contato dos povos falantes de línguas mutuamente ininteligíveis nada do que se descreve aqui teria ocorrido (cf. Thomason & Kaufman 1988). E o que é mais, com a nova concepção do processo de crioulização sugerida acima (surgimento do crioulo concomitantemente com a cristalização de um MCI sem um pidgin prévio), fica claro que gramática pressupõe comunidade. Não basta um único indivíduo ter na cabeça um conjunto de regras para formar frases gramaticais para se ter uma língua, como querem Bickerton (1991: 37-38) e os seguidores da gramática gerativa em geral. Não se tem nenhum caso de indivíduo que tenha desenvolvido uma língua sem que seja no seio de uma comunidade.
4. O caso do crioulo da Guiné-Bissau
Como se pode ver em Couto (1992a, 1993b, 1994), os portugueses começaram suas investidas na região da costa ocidental africana já no final do século XV. Nesse processo, entraram em contato com diversos povos, falantes das mais variadas línguas. Quando começaram a estabelecer núcleos de colonização (fortes, fortalezas, feitorias, etc.) ao longo da costa, arregimentaram auxiliares africanos para o trabalho (grumetes) e se juntaram a esposas ou concubinas locais (tangomas), de modo que começaram a surgir comunidades mistas euro-africanas, como Cachéu, Geba e outras, no continente, e Cabo Verde, no arquipélago do mesmo nome. Portanto, as bases para o surgimento de uma comunidade e conseqüetemente de uma língua, já estavam dadas. Porém, diante do multilingüismo vigente nessas comunidades emergentes e heterogêneas, certamente houve um desmoronamento das estruturas das línguas intervenientes, ou seja, de um lado o português seiscentista e, de outro, o mandinga, o mancanha, o pepel, o bijagó, o beafada, o fula, etc. (ver Couto 1992a, 1993b, 1994). A conseqüência natural foi o início da formação, nesses núcleos mistos euro-africanos, de um MCI para atender as necessidades de comunicação não só entre portugueses e africanos mas também dos africanos entre si, dadas as diversas línguas que falavam.
Infelizmente, não temos registros desses momentos iniciais de formação de uma nova comunidade e, conseqüentemente, de uma nova língua a partir dos escombros das diversas línguas que passaram a conviver neles. O que temos é o crioulo atual. Do período de formação, o que temos são apenas palavras isoladas, citadas por cronistas, freqüentemente em uma grafia lusitanizante. Portanto, é praticamente impossível sequer tentar reconstruir a morfologia, e mais impossível ainda a sintaxe crioula dessa fase inicial. No entanto, podemos ver com relativa segurança como pode ter sido a sua gramática fonológica (GF), sobretudo os padrões silábicos, uma vez que ela pode ser feita, pelo menos parcialmente, tendo por base as poucas palavras isoladas que esses cronistas nos legaram.
No restante dessa seção, analisarei alguns desses registros de palavras isoladas no intuito de tentar rastrear a formação da GF do crioulo em questão, de que já apresentei uma prévia em Couto (1993a). As conclusões adquirem mais plausibilidade diante de algumas formas alternantes ainda subsistentes no crioulo basiletal atual. Passemos à análise da formação histórica da fonologia do crioulo português da Guiné-Bissau.
O ponto de partida pode ser o quadro fonológico do crioulo tradicional, chamado em crioulística de crioulo basiletal (CB), por ser a variedade mais conservadora, portanto, presumivelmente mais próxima de fases anteriores da língua. O quadro da Fig. 3 mostra as consoantes e o da Fig. 4 mostra as vogais dessa variedade de crioulo. À exceção das fricativas /f/ e /s/ e das líquidas /r/ e /l/, trata-se de um quadro bastante simétrico. Além disso, em geral se trata de sons não muito marcados. Na Fig. 5, mais abaixo, temos as principais estruturas silábicas dessa variedade conservadora do crioulo, detectada a partir da contagem de uma amostra 452 sílabas tiradas de um conto tradicional crioulo (cf. também Couto 1994: 75-76). Em Mbodj (1979: 54) temos resultados muito parecidos obtidos de 304 sílabas também de um conto tradicional.
Labiais Alveolares Palatais Velares
Fig. 3
Anteriores Central Posteriores
Fig. 4
Padrão Porcentagem
Fig. 5
Para o que deve ter ocorrido na época de formação do crioulo, há uma excassez dramática de dados. No que tange a enunciados, há uma ausência total de registros. Os únicos registros lingüísticos dessa época de formação da gramática fonológica do crioulo que consegui são 58 palavras transcritas, em uma grafia lusitanizante embora, pelos cronistas Fernandes (1506/1510), Almada (1594), Guerreiro (1600-1693), Faro (1664), Coelho (1669 e 1684), De la Courbe (1685), Mota/Peña (1695), Portuense (1695-1696) e Labat (1728), reproduzidas no Apêndice. Parto do pressuposto de que eram pronunciadas aproximadamente como no crioulo basiletal atual ("crioulo puro", "kriol fundu"), como a própria grafia dos cronistas dá a entender. A partir delas, obtemos as consoantes /p-b-m, t-d-n, tš- d3-ñ, k-g, w-y, r-l/ e as vogais /a,e,i,o,u/. Como se vê, elas já mostravam praticamente todo o sistema do crioulo basiletal atual, com exceção da velar nasal /N/.
No que tange à sílaba, as 58 palavras permitem detectar os padrões expostos na Fig. 6, seguidos de porcentagem de ocorrência.
Fig. 6
Nesse quadro estão faltando os padrões CVVC, VVC e CCVC que ocorrem no crioulo tradicional, como visto na Fig. 5. No que tange ao padrão CVVC, para não nos perdermos em detalhes irrelevantes, devo salientar que ele só foi registrado em 4 ocorrências da palavra "deus". A estrutura VVC, por seu turno, só aparentemente teria ocorrido em exemplos como "ientra" (entrar), "ianda" (andar) e "iagu" (água), já herdada dos portugueses. Ocorre que o [y] inicial dessas palavras deve ser interpretado como C, com o que a sílaba inicial das três seria CVC ou CV. O padrão CCVC, por fim, também é raro, porém, deve ter ocorrido em época relativamente recuada pelo menos na palavra [kristoN] (cristão). Lembremos que até hoje os falantes do crioulo do sul do Senegal são chamados de "kristons". Veremos ainda nesta seção que do ponto de vista teórico, a ausência desses três padrões não é tão significativa assim. Com efeito, uma gramática que disponha de CV, VC e CVC já fixou os parâmetros necessários para se terem também CVVC e VVC. Por outro lado, uma gramática que já tenha os padrões CCV e VC e CVC já prevê também CCVC, mesmo que esse padrão ainda não ocorra em nenhuma palavra da língua. O fato é que podemos afirmar, com relativa margem de segurança, que os padrões silábicos do crioulo dos séculos XVI e XVII não devem ter sido muito diferentes dos do crioulo basiletal (CB) atual.
A fim de continuar a argumentação, gostaria de me deter mais detalhadamente em quatro momentos de transição que não foram devidamente ressaltados na Fig. 2. Para tanto, reproduzo-a na Fig. 7 abaixo, com esses momentos indicados por 1, 2, 3 e 4.
Fig. 7
O momento 1 é o instante crítico do início de fixação de uma fonotática própria (GF). Como demonstra a esmagadora maioria das palavras do Apêndice, o que dominava era o padrão universal CV; ele foi o ponto de partida, como previsto pela própria teoria (cf. Clements & Keyser 1983). Mas, além dessas palavras da época e da previsão teórica, temos também fatos da sincronia atual que apontam na mesma direção, como exemplificado em (5), em que a estrutura CCV virou CVCV..
(5) (a) garandi 'grande', (b) kiriol 'crioulo', (c) kuru 'cru', (d) firiu 'frio', (e) birinka 'brinca(r)'.
Diante desses exemplos, podemos afirmar que o recurso à epêntese para se desfazerem grupos consonantais (tendência à sílaba CV) deve ter sido a norma nesse momento inicial da GF crioula.
Há outros argumentos sincrônicos que reforçam essa conclusão, como as alternâncias de (6). Elas mostram claramente que a tendência atual vai na direção contrária à do que se deu nos momentos iniciais da fonotática crioula. O fato de a segunda forma alternante de cada exemplo ser a mais comum mostra que a língua de certa época para cá (e daqui para o futuro) anda na direção da complexificação. O corolário disso é que antes tudo era mais simples.
(6) (a) juguta - jukta 'pular', (b) tisina - tisna 'queimar, tisnar', (c) notisi - notsi 'anoitecer', (d) gurumeti - grumeti 'grumete', (e) kapili - kapli 'escapulir', (f) ofirisi - ofirsi 'oferecer', (g) kuturinu - kutrinu 'anca, rins'
Os exemplos 1 e 2 do Apêndice mostram que logo após os instantes iniciais em que o padrão CV era a forma preferida, o crioulo fixou o parâmetro de (7). Com isso, o incipiente MCI adicionou a sílaba V a sua fonotática, passando a ter os padrões CV, V.
(7) apagar C inicial
O processo de complexificação do sistema simples original continuou. Como as necessidades de comunicação certamente foram aumentando, no instante subseqüente do momento 1 da seta descendente, a GF crioula fixou mais um parâmetro, ou seja, o de (8), a fim de prover um MCI mais eficaz.
(8) acrescentar C final
Mediante (8), a língua passou a contar com os padrões silábicos CVC e VC adicionados aos já existentes CV e V. As palavras 6, 10, 32 e 40, entre outras, do Apêndice, exemplificam o padrão CVC. O padrão VC não está presente em nenhuma das 58 palavras desse período que foram registradas. No entanto, o parâmetro (8) o prevê. Portanto, sua ausência nesse rol de palavras se deve ao acaso e, provavelmente, ao seu reduzido número. Há um pássaro que deve ter sido conhecido desde essa época que se chama "alma biafada", em que o padrão VC ocorre.
Chegamos, assim, ao momento 2, o instante em que a GF crioula se consolida mediante a fixação do parâmetro (9).
(9) inserir líquida após C inicial
A partir desse momento, a língua passa a dispor de estruturas como a da palavra de número 58 (trusiman) do Apêndice, entre outras. Acrescentam-se, portanto, os padrões CCV e CCVC aos já existentes. A palavra de número 58 exemplifica apenas CCV. Porém, como já adiantei acima, a palavra "kriston" deve ter assumido essa configuração aproximadamente na mesma época, deixando de lado a possível forma inicial "*kiriston" ou até mesmo "*kirisiton".
Mas, a língua não estacionou nesse momento. Provavelmente devido à influência massacrante da língua lexificadora (LL), no momento 3 ela fixou um último parâmetro, ou seja, o de (10).
(10) inserir /s/ antes de C inicial
Essa regra criou não só o exemplo de (11a) mas também os de (11b-d).
(11) (a) sta 'ser, estar', (b) strada 'estrada, via', (c) skribi 'escrever', (d) splika 'explica(r)'.
Nos padrões silábicos fonologizados até aqui estão faltando CVV, VV, CVVC e VVC. Devo salientar, no entanto, que VV não passa de uma expansão de V, ou seja, com V temos um núcleo silábico simples, ao passo que com VV temos um núcleo silábico complexo, como (12) (a) e (b), respectivamente. Em (12b) temos, como se vê, o ditongo.
(12) (a)N (b) N
| / \
V V V
A palavra número 20 (cay) do Apêndice já exemplifica o padrão CVV. Isso mostra que já nos instantes iniciais do Momento 1 a língua fixou um parâmetro adicioinal do tipo: "Inserir vogal alta após primeira vogal no núcleo silábico". A partir desse momento, pelo menos teoricamente todos os padrões silábicos existentes se duplicam. Com isso, teríamos adicionalmente CVV, VVC, CVVC, CCVV, CCVVC, CCCVV e CCCVC. No entanto, nem o crioulo acroletal faz uso de CCCVV e CCCVC. O mesmo se dá com CCVV e CCVVC. Nem mesmo o padrão VVC consegui registrar porque, como já vimos, o [i] de palavras como "ianda" é fonologicamente C. Desse modo, parece que o crioulo só usa CVV, CVVC e, talvez, VV só em monossílabos e interjeições. Isso mostra pela enésima vez que nem tudo que a gramática de uma língua prevê ocorre efetivamente. E assim, temos a gramática fonológica crioula completa, como se apresenta nos dias de hoje em sua variedade basiletal. Ela consta dos padrões CV, CVC, V, VC, CCV, VV, CVVC e VVC.
Partindo do pressuposto de que a língua é antes de tudo um meio de comunicação de que os membros de uma comunidade se servem para interagirem entre si (comunicarem-se), o foneticista canadense Jean-Guy Lebel parte de três estágios de competência, quais sejam, (a) um nível de comunicação mínimo (primário), (b) um nível de comunicação agradável (essencial) e (c) um nível de comunicação máxima (ótima). Para cada nível de competência comunicativa, tem-se um estágio de desenvolvimento da GF. Portanto, para (a) temos a GF primária (minimal), para a (b) a GF essencial e para (c ) a GF ótima (maximal). No caso das vogais portuguesas, uma competência minimal poderia constar de apenas as vogais /a, è, i, ò, u/. Um sistema essencial para uma comunicação agradável teria que ter pelo menos /a, (ã), e, (e~), i, (i~), o-ò,(õ), u, (u~)/. No sistema maximal temos a presença plena de todas as vogais da língua, sem nenhuma restrição. Devo acrescentar que o africanista Bernd Heine também fala, a propósito dos pidgins de base bântu, em "minimales phonologisches System" e "maximales phonologisches System" (Heine 1973: 72-76).
Voltando ao crioulo, parece que no que tange às vogais não há diferença considerável nos planos (a) minimal, (b) essencial e (c) maximal, desde o Momento 1. É o que dá a entender a lista de palavras do Apêndice. No que tange às consoantes, tampouco houve grandes alterações ao longo de todo o período de fonologização. Alterações houve muitas, mas na fonotática. Assim, desde os instantes iniciais de predomínio de CV até a fixação dos parâmetros (7) e (8), temos (a) a fonotática minimal. Com a fixacão do parâmetro (9), a língua passou a dispor de (b) a fonotática essencial. Por fim, após adotar (10), ela passou a ter (c) a fonotática maximal.
O que sobreveio depois de a língua já ter sua fonotática maximal representa uma perturbação do sistema crioulo, que passa a se confundir com o do português e, portanto, a perder sua autonomia. A influência da língua de superstrato se intensifica cada vez mais, de modo que, pelo menos para um crioulo mais acroletal (e talvez até mesmo para o mesoletal), temos mais um momento, ou seja, o momento 4. Nesse instante, o crioulo começa a adotar praticamente toda e qualquer estrutura de LL, com o que está se consolidando um processo de descaracterização do crioulo original. Trata-se, portanto, da desfonologização de GF em um estágio bastante avançado. Se esse processo continuar na direção em que está indo, em breve não se poderá falar mais em uma língua crioula distinta da língua portuguesa. Tratar-se-á de um dialeto, ainda que bastante marcado, do português. Quando muito teremos o que poderia ser chamado de continuum pós-crioulo, ou até mesmo de um semi-crioulo (cf. Holm 1992).
No momento 4, praticamente toda e qualquer forma da língua portuguesa passa a ser potencialmente uma forma do crioulo. Em (13) temos alguns exemplos desse tipo de influxo (L = lateral palatal).
(13) (a) ri3ion ("Região", uma das divisões administrativas da Guiné-Bissau; (b) miLoradu (melhorado), (c) koLeyta (colheita), (d) vivi ("viver", em vez de [bibi]), (e) kaza ("casa", em vez de [kasa]), (f) šikeru ("chiqueiro", em vez de [tšikeru]).
Como se vê, todos as consoantes portuguesas ausentes do quadro da Fig. 3 ocorrem nessa variedade, ou estágio, do crioulo. São elas os fonemas /v, z, š, 3, L/. Os fonemas que existiam na época de formação mas que inexistem no português continental não ocorrem no crioulo. Afinal, os falantes estão refonologizando sua língua na direção do português atual. Para maiores comentários sobre esse assunto, pode-se consultar Couto (1994). Quanto às vogais nasais, parece que tendem a ocorrer nesse estágio. Porém, o assunto precisa ser investigado mais aprofundadamente. Curiosamente, as estruturas silábicas não se complexificam. Como vimos, elas já são mais complexas do que as do próprio português.
5. Fonologia do crioulo comparada à de LL e de LS
Até este ponto, a argumentação sobre o possível sistema fonológico crioulo que teria surgido a seguir à desfonologização de LL e LS se baseou apenas em 58 palavras da época registradas pelos cronistas e em uma comparação da estrutura fonológica dessas palavras com a do crioulo basiletal atual. Nesta seção, gostaria de comparar a fonologia deste último com a da língua lexificadora e a de algumas das línguas de substrato. Esse procedimento tem por objetivo salientar (a) quais fonemas e que padrões silábicos de LL e de LS foram mantidos no crioulo, (b) que fonemas e que padrões silábicos existentes em LL e LS não existem no crioulo e (c) se no crioulo há fonemas e/ou padrões silábicos inexistentes em LL e LS.
No que tange ao inventário de fonemas, o que os navegantes portugueses levaram para a região em que surgiria o crioulo constava das 21 consoantes /p, t, k, b, d, g, f, s, s', v, z, z', 3, l, L, rr, r, m, n, ñ/ e das 13 vogais /a, â, è, e, i, ò, o, u, ã, e~, i~, õ, u~/ (â = [a] não-baixo). Vê-se, portanto, que o crioulo não fonologizou as consoantes fricativas /v, s', z, z', 3, š/, a lateral palatal /L/ nem a vibrante múltipla alveolar /rr/. Do quadro vocálico português da época, não entraram para o crioulo nenhuma das nasais, nem /â, è, ò/. Em todos os sentidos, houve uma grande simplificação, uma vez que se evitaram sons altamente marcados, relativamente à fonologia do português, como era de se esperar. Em suma, essa tendência fala a favor das conclusões a que chegamos no final da seção 3 por se tratar de um movimento na direção do menos marcado.
Quanto à estrutura silábica, verifica-se que os padrões do crioulo basiletal atual e, provavelmente os do crioulo em fase de refonologização de final do século XVI e começo do XVII, são muito semelhantes aos do português atual, ou seja, CV, V, CVC, VC, CCV e CCVC. E o que é mais interessante, as consoantes que ocorrem na coda silábica são basicamente as mesmas em ambas línguas, ou seja, /l, r, N/, em que N representa um travamento nasal de coda, de natureza consoantal, independentemente de ponto de articulação. Quanto às que ocorrem na posição C1 do padrão C2C1V, são outrossim as mesmas, isto é, as líquidas /l, r/. Em (6d, e, g) temos alguns exemplos de ambas posições. Quanto ao /N/, temo-lo até mesmo nas palavras do Apêndice, como "balafon", "bandin", "mankara", entre outras.
É bem verdade que há aclives com /s/ na posição C2 como o exemplo de (11a). Esse /s/ pode ocorrer até mesmo antes de duas consoantes, como previsto em (10) e como está exemplificado em (11b-d). No entanto, como tentei mostrar acima e em Couto (1993a), essas estruturas devem ter surgido no início do processo de refonologização, ou seja, no Momento 3. Em fases anteriores elas certamente não ocorreram. Tanto que até hoje ocorrem variantes como /siplika/, para mostrar que são tardias.
No caso das línguas de substrato, elas são mais de 20. Por isso levo em conta apenas uma amostra delas, ou seja, o manjaco, o mancanha, o mandinga e o balanta. O manjaco (Carreira & Marques 1947, Diniz 1982) contém um sistema consonantal muito semelhante ao do crioulo. Os sons dessa língua inexistentes no crioulo basiletal são [T, x, h,] (T = "th" inglês). As estruturas silábicas são mais simples, no sentido de ter menos posições estruturais, ou seja, apenas CV, V, CVC e VC. Os aparentes casos de CCV são apenas aparentes. Isso se deve ao fato de estar ocorrendo um enfraquecimento da vogal pretônica que às vezes chega a zero, como em [bârèm] (â = schwa) (mato), que tende a virar [brèm]. Isso demonstra que em estágios anteriores só deve ter havido a primeira forma. Por outro lado, são mais complexas no sentido de permitirem praticamente todas as consoantes na coda. O mancanha é aparentado ao manjaco, portanto, tem uma estrutura fonológica muito semelhante. Contém todas as consoantes de CB, exceto [T, x]. No que diz respeito às estruturas silábicas, constam de CV, V, CVC, VC e CCV. O padrão CCVC parece ocorrer só em empréstimos, como na palavra /pler/ (ler). O padrão vernáculo mais complexo parece ser CCV (Lopes 1986, Sanca 1988).
A língua balanta tem três consoantes a mais que o CB, ou seja, [T, z, h]. Suas estruturas silábicas são exatamente como as do manjaco, talvez com a ressalva de que os casos de dois C prevocálicos sejam efetivamente CCV, e não resultado de síncope de vogal (Gomes 1994, Mane 1995).
Entre todas as línguas de substrato, a que teve mais influência na formação do crioulo foi indubitavelmente o mandinga. Ele tem apenas uma consoante que não ocorre em CB, ou seja, [´]. Suas estruturas silábicas são também mais simples do que as do crioulo, ocorrendo apenas CV, V, CVC e VC (Rocha 1994). Assim, do ponto de vista do inventário de fonemas, essa é a língua que mais se aproxima do crioulo. No entanto, seus padrões silábicos ficam bem aquém dos dessa língua, do ponto de vista numérico.
6. Observações finais
Diante do que vimos nas seções anteriores, podemos fazer algumas ilações interessantes para a crioulística. A primeira é a de que tanto o inventário de fonemas quanto as estruturas silábicas do crioulo são diferentes do que se dá em LL e em LS. No entanto, essa diferença é mínima. A segunda consiste no fato de que no crioulo não há nenhum fonema que não ocorra nas línguas de substrato. Há, isto sim, fonemas destas que não ocorrem naquele. Contrariamente, o crioulo contém três fonemas que inexistem em português, mas que são muito freqüentes em todas as línguas de substrato. São eles (/tš, d3, N/). A terceira é que há diversos fonemas do português que não foram fonologizados pelo crioulo, quais sejam, /s'/, /š/, /z/, /z'/, /3/, /v/, /L/ e /rr/. Vê-se, portanto, que desse ponto de vista o crioulo se aproxima mais de LS do que de LL. Ainda no concernente ao inventário de fonemas, temos a questão das consoantes pré-nasalizadas. Elas estão presentes em praticamente todas as línguas de substrato mas são, como sabemos, inexistentes em português. No crioulo, elas existem só foneticamente. No nível fonológico, elas são interpretadas como uma seqüência de N+obstr., ou seja, consoante nasal mais consoante obstruinte, como em /N+b/ ® [mb]. Dessa perspectiva, o crioulo fica a meio caminho entre LL e LS (cf. Couto 1992b).
Estranhamente, as estruturas silábicas crioulas são mais próximas das do português do que da das línguas de substrato. E o que é mais, nos últimos tempos elas passaram a ser até mais complexas do que as do português, como mostram os exemplos de (11) e assemelhados. Uma vez que estruturas silábicas (ou fonotática) estão para gramática assim como inventário de fonemas está para vocabulário, esse resultado vai de encontro à hipótese da língua mista, segundo a qual os crioulos constariam de um vocabulário europeu e uma gramática africana (cf. Couto 1966, cap. III, 4 para mais detalhes e discussão). Essa questão merece ser investigada mais a fundo pelos crioulistas.
A segunda conclusão fala a favor da chamada hipótese do denominador comum. De acordo com essa hipótese, os crioulos apresentariam uma redução de complexidade relativamente a LL e LS "que vai na direção dos traços que são comuns às línguas de todos os que usam o pidgin, para maior facilidade de uso e inteligibilidade, com isso chegando a uma espécie de máximo denominador comum" (Hall 1996). Apesar das restrições que Mühlhäusler (1986: 118-119) tem a ela, essa hipótese é confirmada pelos dados do crioulo discutidos acima, pelo menos no que se refere ao inventário de fonemas. No que tange às estruturas silábicas, o crioulo vai além não só de LS mas até mesmo do português. Tudo isso mostra que o crioulo tem autonomia estrutural relativamente tanto a LL quanto a LS, ou seja, ele não pode ser confundido nem com as línguas nativas africanas que lhe serviram de substrato nem com a língua lexificadora, uma vez que é diferente de todas elas.
Por fim, os dados analisados tiram o pouco de razão que os colonialistas criam ter ao afirmarem que o crioulo não era uma língua, que era português errado. No caso, além de ser a principal língua de comunicação interétnica na Guiné-Bissau, o crioulo é também (ou principalmente) a língua materna da maioria dos guineenses. Portanto, se não bastasse ter uma autonomia imanente, estrutural, isto é, ter uma gramática independente das de LS e LL, ele tem também autonomia política.
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APÊNDICE
Lista de palavras que entraram no crioulo de cerca de 1500 a 1728. Algumas delas têm uma forma ligeiramente diferente na atualidade, embora isso não afete substancialmente os argumentos que tento ilustrar com elas. As abreviaturas que vêm entre parênteses significam o seguinte: VF = Valentim Fernandes (1506-1510), AA = André A. Almada (1594), FG = Fernão Guerreiro (1600-1603), AF = André do Faro (1664), LC = Lemos Coelho (1669, 1684), DL = De la Courbe (1685), MP = Mota/Peña (1694), VP = Vitoriano Portuense (1694, 1695, 1696), JL = Jean-Baptiste Labat (1728).
Quanto à grafia, c = tš, j = d3, ñ = como no espanhol ou o português "nh". Entre aspas vem uma tradução aproximada.
1. anima 'ídolo' (VF)
2. atagara 'gamela' (VF)
3. bafetá 'Bafatá' (LC)
4. bagri 'bagre' (AA)
5. bajuda 'moça, rapariga' (AF)
6. balafon 'instr. de percussão com pauzinhos' (JL)
7. baloba 'casa dos ídolos' (MP)
8. banana 'banana' (JL)
9. bandin 'Bandim, bairro de Bissau" (LC)
10. batanga 'doce de arroz' (VF, DL, JL)
11. batata 'batata doce' (JL)
12. becerin 'marabu' (VF, AA, FG, LC)
13. biafada/biafari 'beafada' (VF, FG, LC, DL)
14. biñu di palma 'vinho de palmeira' (JL)
15. bisaw 'Bissau' (LC, VP,
16. bonbolon/bombalon 'tambor africano' (AF, LC, MP, JL
17. bufaru 'búfalo' (VF, LC)
18. bulama/buam 'Bolama' (LC, VF)
19. cabew/ceben 'chabéu, óleo de dendê' (LC)
20. cay 'adultério' (MP, VP)
21. cina 'ídolo' (VF, AA, AF, DL, MP,VP,
22. coka 'perdiz' (AA)
23. colona/calona 'intérprete, turgimão' (AF)
24. coru 'carpimento, cerimônias fúnebres' (AF)
25. daba 'enxada mandinga' (VP)
26. fanadu 'circuncisão' (LC)
27. farin 'Farim, imperador' (AA, LC)
28. gine 'Guiné' (VP)
29. goyaba 'goiaba' (JL)
30a. grumeti 'auxiliar africano dos portugueses, gurumeti' (LC)
30b. gurumeti 'grumete' (VP)
31. jagra 'classe superior pepel' (VF, MP, VP)
32. jambakus 'curandeiro, adivinho' (AA, FG)
33. janta 'almoço' (JL)
34. judew/jidiw 'menestrel, griot' (AA)
35. kabasera 'cabaceira' (VF)
36. kabu 'lugar' (VF)
37. kaciw/kati_ew 'Cachéu' (VF, AA, LC, MP, VP)
38. kalambe/kalame 'pano de virgem' (MP)
39. kola 'cola, noz de cola' (FG)
40. kuskus 'cuscus' (VF, AA)
41. lala 'várzea, pastagem' (AA)
42. lagartu 'crocodilo' (VF, DL)
43. makariw 'macaréu, pororoca' (AA)
44. mampatas 'mampatás' (VF)
45. mandinga 'mandinga' (AA)
46. manduku 'porrete' (AF)
47. mankara/makara 'amendoim' (VF, AA)
48. marlota 'veste moura' (VF)
49. nomina 'amuleto pendurado no pescoço' (AF, VP)
50. ñami 'inhame' (JL)
51. polon 'poilão, árvore frondosa' (JL)
52. prasa 'praça, vila, cidade' (LC)
53. siga 'antílope' (VF)
54. somana 'semana' (VF)
55. tangoma 'concubina africana dos europeus' (VF, AA, MP)
56. tapada 'paliçada' (DL)
57. tara 'tipo de palmeira' (AF)
58. trusiman 'turgimão' (VF)