A ESTRATÉGIA DA DISSIMULAÇÃO
Por: Fernando Casimiro (Didinho)
18.06.2006
De José Sousa Dias, delegado da Agência Lusa em Bissau (A LUSA é a maior agência de notícias de língua portuguesa. Sete dias por semana, 24 horas sobre 24 horas, a Agência distribui aos seus clientes notícias sobre o que de mais significativo acontece ou vai acontecer em Portugal e no mundo.), recebi um comentário ao meu desmentido sobre a notícia publicada pela Agência Lusa e assinada por José Sousa Dias, em relação à causa e local de falecimento do meu irmão, o jornalista Carlos Alberto "Beto" Casimiro.
Falecimento ocorrido na noite do dia 5 de Junho, pelas 22:00 horas locais, no Hospital Simão Mendes em Bissau, conforme consta nos certificados de óbito e de causa de morte emitidos pelo Ministério da Saúde Pública e confirmados pelo boletim de óbito emitido pela Conservatória do Registo Civil de Bissau.
O certificado médico de causa de morte concluiu que o jornalista Carlos Alberto "Beto" Casimiro teve morte súbita provocada por hemorragias digestivas.
Conclusões superficiais, na medida em que o corpo não foi autopsiado, aliás, raramente se fazem autópsias na Guiné-Bissau, o que abre espaço para muitas suposições, contradições e inverdades, principalmente em casos de morte súbita.
Resolvi escrever este texto complementar sobre a morte do meu irmão Beto Casimiro, depois de ter recebido e analisado a argumentação do delegado da Agência Lusa na Guiné-Bissau, José Sousa Dias, argumentação essa que a meu ver se encaixa numa estratégia de dissimulação entre a actual estrutura do poder na Guiné-Bissau através do secretário de Estado da Comunicação Social, João de Barros e o delegado da Agência Lusa em Bissau, José Sousa Dias. Não me passa pela cabeça que o conluio envolva a própria Agência Lusa, aliás, espero que este texto sirva para alertar o seu Conselho de Administração sobre a forma como a Agência Lusa trabalha na Guiné-Bissau.
Quero desde já deixar claro que não existe neste trabalho espaço para acusações infundadas no sentido de criar bodes expiatórios.
O que justifica este trabalho é acima de tudo a denúncia de acções concertadas e mais do que evidentes, na cobertura de uma simples notícia de falecimento, que não foi na verdade uma morte nas condições como foi anunciada em combinação entre o secretário de Estado da Comunicação Social da Guiné-Bissau, João de Barros e o delegado da Agência Lusa em Bissau, José Sousa Dias, conforme o próprio admitiu.
Mas o que é que me leva a desconfiar das causas da morte do jornalista Carlos Alberto Casimiro?
Primeiro, quero alertar para o facto de no espaço de 40 dias o Beto Casimiro tornar-se no terceiro membro da família Casimiro a morrer em Bissau, depois do assassinato do meu tio Fernando Varela Casimiro a 23 de Abril, da morte da minha tia e irmã de Fernando Varela Casimiro, de nome Maria de Fátima Varela Casimiro, a 29 de Maio, para a 5 de Junho o Beto entrar nessa lista de jovens quadros guineenses que subitamente desapareceram do mundo dos vivos...
Infeliz coincidência dirão alguns, mas não se pode deixar de questionar a sede de vingança do poder vigente e porquê?
Porque de repente o apelido Casimiro passou a ser bastante incómodo para a estrutura do poder na Guiné-Bissau.
Porque de repente alguém pensou que Beto Casimiro, por ser um jornalista conhecedor de muitos assuntos da Guiné-Bissau, e sendo meu irmão, poderia ser a minha "fonte", o que nunca foi!
De repente a estratégia da vingança ganhou forma no intuito de intimidar outro Casimiro que não vive na Guiné-Bissau, mas que luta insistentemente pelos direitos e causas dos guineenses e da Guiné-Bissau.
Sei que me querem atingir, têm procurado atingir-me e talvez um dia o consigam fazer, pois contrariamente a ditadores felizardos, eu não tenho estatuto de exilado e por isso não tenho direito à protecção policial!
Em todo o caso, a responsabilidade do que me possa vir a acontecer, bem como a demais familiares, fica desde já atribuída ao General Nino Vieira, pois continua a ser em sua defesa que tenho recebido ameaças de morte que continuam a ser dirigidas por Hélder Proença, Ministro da Defesa da Guiné-Bissau.
Como entra a Agência Lusa na divulgação da morte do Beto Casimiro e porquê?
A estratégia para anunciar uma morte suspeita passa necessariamente por uma dissimulação.
Dissimular com efeitos de reconhecimento e elogios, para simultaneamente com inverdades afastar qualquer tipo de suspeita que possa vir a ser levantada.
Foi o que aconteceu com o anúncio da morte de Beto Casimiro.
A Agência Lusa, sendo uma agência noticiosa estrangeira e de reconhecida credibilidade, ao anunciar de forma categórica as causas da morte do jornalista Beto Casimiro, bem como o local da sua morte, estaria a dar em primeira mão a versão oficial dos factos, o que serviria de suporte como notícia a divulgar para todo o mundo, com garantias de que Beto Casimiro faleceu pelos motivos anunciados e, ponto final!
José Sousa Dias, na mensagem que me enviou deu mostras evidentes de ter sido pressionado, aliás, não se compreende porque motivos teria o delegado de uma Agência noticiosa estrangeira que se reunir com um membro do governo da Guiné-Bissau para decidirem anunciar ou omitir supostas causas da morte de um jornalista guineense, quando na altura não havia nenhum relatório médico que desse conta das causas da morte que foi súbita conforme se confirmou posteriormente.
Se José Sousa Dias argumenta na sua mensagem a relação de amizade que o ligava ao meu irmão, então porque razões não consultou a família antes de publicar a notícia? Onde está a ética? Onde está o respeito pela dignidade humana?
O que sabia na verdade José Sousa Dias dos problemas de saúde de Beto Casimiro que mais ninguém sabia...?!
Será que José Sousa Dias procurou por exemplo saber em que condições Beto Casimiro foi atendido no Hospital Simão Mendes?
Será que soube que depois de ter falecido, Beto Casimiro foi atirado para um monte de cadáveres numa casa de banho do hospital, sem luz sequer, tendo a família andado às escuras a tentar encontrar o seu corpo?
José Sousa Dias até pode saber disso e muito mais, pois dá a entender na sua mensagem que sabe mais do que diz, só que, como ele próprio também diz: " as regras de uma agência noticiosa não se compadecem com estas coisas..."
É pelas imposições dessas mesmas regras que José Sousa Dias em nome da Agência Lusa prestou um mau serviço aos ideais do jornalismo.
É pelas imposições dessas mesmas regras que José Sousa Dias em nome da Agência Lusa foi conivente com a manipulação de uma notícia que à partida só interessa ao regime ditatorial que vigora na Guiné-Bissau.
Aqui fica a mensagem a mim dirigida por José Sousa Dias, no entanto, quero realçar o seguinte parágrafo da referida mensagem:
"Fernando, peço-te desculpa pelos inconvenientes que te causei e pelas "semi-verdades" que escrevi, mas não foram escritas de má fé. Bem pelo contrário. Sou jornalista há 16 anos, tenho a experiência que esses anos todos me deram, mas não a tenho em grau suficiente para este tipo de situações. Não sou fraco, mas também, caramba, não sou de ferro. Sou humano, independentemente de tal não poder servir de atenuante."
De: jsdias [jsdias@lusa.pt] Enviado: quinta-feira, 8 de Junho de 2006 13:38 Para: didinhocasimiro@gmail.com Assunto: Re: FALECIMENTO DO JORNALISTA BETO CASIMIRO
Caro Fernando,
Antes de mais, foi com tristeza, e acredita que
não é uma palavra vã, que soube da notícia do falecimento do teu irmão.
Fiquei, de facto, bastante triste e chocado, pois
tinha falado com ele precisamente no dia em que viria a falecer. Pareceu-me
triste e abatido, mas fiquei longe, muito longe mesmo, de pensar no que viria
a suceder.
Sempre o vi como um amigo e sempre me lembrarei
dele com o tradicional sorriso de orelha a orelha e também com o cigarro no
canto da boca. Sobretudo aquele olhar malandrinho, que tanto podia ser de
traquinice como de esperteza perante factos noticiosos, sobretudo quando havia
a malícia da política e dos seus executantes.
No passado, falámos muito um com o outro e posso
dizê-lo claramente que foi um dos jornalistas guineenses que, quando estive em
Bissau da primeira vez, me ensinou as "regras e as leis" dos políticos
guineenses.
Colaborou esporadicamente comigo numa altura em
que não tinha ninguém para me ajudar e só não foi por mim contratado porque a
Lusa, na altura, não tinha verba disponível para tal. Resignei-me. Fui
obrigado a isso.
Em relação à notícia que escrevi sobre o teu
irmão, e acredita que não foi fácil, pois não é fácil escrever sobre a morte
de um amigo, estive muito tempo a tentar escrevê-la. Para lhe dar o mérito de
divulgar publicamente o lutador que foi. Não consegui. As regras de escrita de
uma agência noticiosa não se compadecem com estas coisas e, depois de muito
matutar, "optei" pela notícia nua e crua, talvez o mais fácil para mim.
Gostava, porém, de esclarecer as declarações do
João de Barros, sem que haja qualquer intenção de o defender ou atacar, mas em
nome da verdade.
De facto, o João de Barros e eu, mais eu do que
ele, combinámos omitir as razões da morte por uma questão de princípio que,
para mim, é sagrado: preservar a dignidade das pessoas e dos familiares.
Quando optei (fui eu que, em última análise,
escrevi a notícia) por "vítima de doença prolongada" foi para evitar ferir a
dignidade do Beto, que eu muito prezava. Eu sabia dos seus problemas de saúde
e, no fundo, pensei, acabava por não faltar à verdade.
Depois, e isso é também culpa minha, não confirmei
e dei por dado aquirido que o Beto tinha falecido em casa. Não tinha
também razões para pôr em causa a informação. É desagradável, eu sei. Os meus
pais faleceram da mesma maneira, embora há já alguns anos.
Fernando, peço-te desculpa pelos inconvenientes
que te causei e pelas "semi-verdades" que escrevi, mas não foram escritas de
má fé. Bem pelo contrário. Sou jornalista há 16 anos, tenho a experiência que
esses anos todos me deram, mas não a tenho em grau suficiente para este tipo
de situações. Não sou fraco, mas também, caramba, não sou de ferro. Sou
humano, independentemente de tal não poder servir de atenuante.
Um grande abraço para ti e para toda a tua
família, manifestando ainda grande pesar pela morte do "nosso" Beto. Ele faz
cá falta.
José Sousa Dias
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Para além da mensagem de José Sousa Dias, recebi uma outra que, por razões de segurança não mencionarei a sua autoria, mas que é um registo de alguém que via o meu irmão todos os dias.
Deixo aqui igualmente um breve trecho dessa mensagem.
" Foi tudo tão rápido. No Sábado foi pedir-me para lhe carregar o telemóvel mas eu tb não tinha luz e no Domingo vi-o acender fogareiro no quintal da casa onde morava e gozei com ele perguntando se era dia de homens e ele disse que estava a cuidar da barriga dele; estava acompanhado da mulher e mais pessoas e ao que tudo indica, estavam a preparar petiscos. Gostei de o ver fazer aquele gesto à mulher (os dois se entendiam muito bem e ele adorava a filha Carla)e aparentemente estava óptimo; a morte foi repentina mesmo, nada prolongado como ouvi por aí porque o via à tardinha sempre sentado à varanda." |
Depois de todo este contra-senso deixo a seguinte questão: As notícias que a Agência Lusa publica sobre o que acontece na Guiné-Bissau, são mesmo dignas de credibilidade?