Ricardo Pellegrin El Kady
ELKADYSAMI - Kirié
Nas tuas mãos o meu poema
Para que nunca mais haja…
Soluços amargos de seiva deslizando sem lágrimas
aquando de fugas e partidas em bicicletas bóias autocarros canoas comboios ou aviões.
Para que nunca mais haja…
O sentir triste e magoado de
beijos roubados à pressa
na programação dos Cães de Água oportunistas e corrompidos
que com tambores bombolons koras balafons sorrisos ou trompetes
nos separam e fragmentam sem avisos.
No teu poema…
Te dou as minhas mãos amor
para te sentir de novo e então…
Navegando nus e livres em *Canhabaque
iremos ao encontro das nossas palmeiras em flor
tragando musgo velho e amigo do suco divino de “chabém”.
Para que…
Do arco-íris do napalm ainda em combustão
desflorando raízes virgens
germinemos um novo CHÃO !
Mas… um chão liberto de grilhetas nostálgicas
trabalhando e amando os outros noite e dia
bebendo mas de mansinho gotas da liberdade merecida.
No meu poema querida…
Um soluço sozinho na noite enluarada
um gargalhar amigo e sensual…
E tuas mãos esguias suaves e singelas…
serpenteando nervosas
no que ficou do sal amargo mas fértil da nossa terra de promessas abençoadas
mas já esquecidas.
* Ilha do Arquipélago dos Bijagós.
El Kady
Julho de 2009
Mãe na dor
Mãe…
Quando se assassina cobardemente
um músico e um poeta é o mundo inteiro que assassinam
é o teu coração que atingiram marcaram e encheram para sempre de dor.
Mãe…
Carimbaram de maldade e cobiça as árvores do nosso Fouta Djalon divino
as rolas amedrontadas pelo sinistro alarido fugiram para cantar bem longe
os citrinos e os cajus choram perante a vergonha nas secas
de nossas bolanhas
violentadas abandonadas esgotadas.
Mãe oh mãe…
Até as marés das nossas praias sublimes ficam estacionadas no lodo desconhecido
e os nossos peixes cansados e marcados pela ganância dos homens preferem emigrar
mas para viverem em paz num aquário alheio.
Mãe…
Como sempre nos dizias
vidas fugiram espantadas com a tempestade
criaturas foram sacrificadas pelo ódio e a ambição
mas os campos em carvão refloresceram e então…
nasceram novas canções novos poemas e nossas crianças criaram um novo sorriso.
Mãe…
Não choremos
porque o sorriso irónico do povo e a sua força criadora
serão suficientes para transformar em flor a terra queimada
comer o que foi comido e…
de amar o que já tinha sido amado.
Como tu dizias…
O gosto de vingança não existe para este povo de transformadores
chorando sempre com olhos secos dando amor e centeio às suas quatro vidas.
Mãe…
Vou enfrentar-te nas alvoradas
do meu peito ardendo
e no abismo do meu olhar cansado.
Mãe sabes…
Ontem sonhei contigo
ouvi teu grito em meu centro iluminado
e então te vi…
correndo e dançando como uma linda musa de carne em flor.
El Kady
Junho de 2009
Nessa altura saltávamos da velha ponte da rua da Casa Gouveia em Bolama
para mergulharmos no calor das águas cristalinas.
Dançávamos juntos nas carícias das ondas tal peixinhos-músicos procurando
a caverna onírica seguindo alucinados o canto térreo e mágico da Sereia Bijagó.
Na liberdade contagiosa da noite sem açoites ou traições
nos sentíamos pássaros criativos e livres
longe das reprimendas retrógradas
e sempre alheios às burrices dos seres apáticos ou mesquinhos.
Ah terra amada oh minha Bolama pequenina…
Quantas vezes contigo sonhei
nos meus prantos tristes e solitários
te querendo apenas tocar no vácuo da noite.
Quantas vezes minhas mãos tremendo no desejo
colocaram pétalas de caju
no côncavo do teu umbigo latejando livre e sensual nas cadências gumbé
sentindo então as carícias cúmplices dos Deuses antigos
nos visitando no clarear das madrugadas mornas.
Ao acordar de mansinho sem fazer barulho…
Bebo-te no espelho histórico de cada minuto perdido
bebo-te encharcado nos soluços duma cabaceira ardendo
nas fugazes correntes da distância
bebo-te na dança sensual duma bailarina mandinga sorrindo feliz ao sal da terra.
Bebo-te infinitamente…
para nunca mais te esquecer.
Para que juntos festejemos o milagre da nossa chuva sempre engravidada
mas risonha e feliz regando noite e dia as nossas bolanhas em flor.
MUAMBEIRA DA GUINÉ...
* Para a Nety, e também para as antigas e novas construtoras duma Guiné actual e positiva!
Muambeira da Guiné...
saindo sempre aflita mas altiva dançando liberta e nua
voando esguia... de acácia em acácia no gozo sublime dos impulsos térreos.
Muamba beijando de mansinho o sol e o pó do meio-dia
no seu sempre eterno sorriso de mulher-mãe camarada
amiga e guia esclarecida.
Oh Muambeira dos meus sonhos...
tratando as feridas já em pus dos meus filhos
sem hospitais seringas sorrisos ou cuidados enluarados.
Muambeira amiga uterina
ajudando
na construção do alicerce-tijolo do homem chão liberto
mas ainda domesticado.
Muamba dos meus amores irreais...
ainda me lembro quando nos trazias cabazes cheios do perfume de foles maduros
e... no maneio sensual de tuas ancas nos transformavas em criadores e inovadores
dum novo chão de oferendas.
Muambeira amiga...
por favor não esperes na boca da fogueira sem sequer um soluço ou um gemido de amor
vem me buscar para transformarmos em realidade os sonhos dos anciãos
beijando raios de lua aquando da chegada dum novo dia no sol do meio-dia.
El Kady -13.10.2008
CASA GRANDE
Terra oh ! Terra
minha garganta está faminta
de teus beijos nocturnos.
Procuro a verdade nas dunas de teus seios
e a noite raivosa só me responde
com mentiras e desventos.
Oh! Querida, estou tão cansado
Dá-me um pouco do teu suco divino...
Oh ! terra amiga,
eu tenho necessidade d'água
porque no concâvo do teu centro me alimento.
O perfume
das flores de teu jardim.
são asas que me faltam
para renascer na beleza de tuas fontes.
E então voando de novo...
Dia e noite
noite e dia até ...
o regresso das novas nascentes.
2007 do CD – Orgânico cujo título é « The Source »
Ei Mulata...
Sim… Esse era o nome de vagabundos da genética que os analfabrutos das ideologias nos deram.
Coitado deles… Porque agora näo há mais ideologia não… Acabou!
Como vai você meu amor?
Ainda se lembra daqueles tempos? Eu vou lembrar para você:
A gente começou abrindo caminho à vida aí na Guiné-Bissau terra d'arroz em flor. Depois de muita porrada demos um salto aí para Mozambique – Maputo
as árvores de Quelimane as praias de Inhambane e...
na calada da noite em casa do poeta Pedro Saraiva líamos Craveirinha, Ovidio Martins e Fernando Pessoa. Ah !… essas belas noites de amor vinho e poesia. Só recordações querida saudade muita saudade!
Mais tarde partimos para essa maravilhosa terra de poetas que choram com olhos secos no tempo das acácias – Angola.
No calor da noite da baía de Luanda amámos aquando da chegada do cacimbo na praia da ponta da ilha – a nossa ilha!
O odor de musgo velho nos embriagava na sinfonia dos orgasmos e ali na
areia quente… Nós íamos e vínhamos no doce balanço a caminho do mar ... O
vai e vem maravilhoso da verdadeira vida!
Depois de muita bagunça… Colhemos búzios nas tardes mornas de Dakar
tocámos darbuka em Casablanca e Tombouctou para reviver o amor numa asa ainda intacta! Bebemos vinho amargo sem sabor de uvas colhendo trigo e joio num altar d'ilusões.
E em Portugal no cais da partida – uma mala d'imigrante cheia d'ilusões perdidas.
E então tudo foi só saudade querida… Saudade só saudade!
El Kady -1994
Inocência... Se nem sequer calados
respeitamos a fome e o dilúvio.
Idílicos...
Dançamos e cantamos nas faienas dos « bulibundas »
para esquecer amores falhados já esquecidos.
Torturados...
Oferecemos agora o chicote
ao algoz-mestre entesado que nos chicoteia
para envergonhados lhe pedirmos pão de migas vomitadas.
Somos a vergonha duma juventude
desconcertada na ilusão perdida
pois que para desorientá-la ainda mais até rogámos à China de Confucius
que nos enviasse uma estátua do Amilcar com cara de chinês malandro mas nascido em Bafatá.
Então...
Se somos dionísicos
negros brancos ou mulatos
façamos antes uma peleja valente e autêntica
jogando ao pau com ursos canadianos.
E se como sábios conseguirmos
enganar o balão vazio da morte…
É porque somos génios
saídos do ventre
dum arco-íris explodindo
na raíz das nascentes.
El Kady - 1997
Meu amor há tanto sem um beijo
meu amor há tanto sem um aconchego
meu amor perdido reamado na escuridão duma noite estrelada.
Meu amor vivido na sede da terra
nos gestos de minhas mãos sedentas fazendo desenhos
nos contornos do seu ventre quente no silêncio da madrugada.
Meu amor perdido dum fado dolorido
canção de fome em lábios carnudos de beijos
contaminados p'la gesta da distância.
Meu amor ao longe indo nua em cumplicidade
com o perfume da lua
e nós… separados nas paredes
dum bairro sem luz
mergulhados na escuridão antagónica.
Minha vida meu amor…
voando como uma pomba em sorriso-criança
toda de vermelho e cor
esperando chegada do vapor.
Meu fantasma nocturno amado
minha ânsia a reviver
minha ilusão para sempre perdida.
Mas no calorento entardecer...
os sinos tocaram
anjos sorriram…
E então colados boca na boca peito no peito nos adormecemos
para toda uma vida nas brumas do alto-mar.
El Kady -1997
Sereia de Varadero...
Você é rainha dos mares
você nasceu
no centro dum chão de raízes antigas.
Você é o cimento fresco de Marti
nos dando a coragem da construção…
Mesmo se o gringo bêbado espreita ainda distraído na sua besteira passageira.
Sereia linda de luz e mel com ancas de âncora
de cabelos negros caindo em cascata… Você me transformou
na ribalta do meu adeus ao povo sublime do país de Guillén.
Sereia...
desde sua partida
ficaram apenas
marcas de sua silhueta sensual
na areia quente ainda molhada.
Você foi meu polém
meu pão
minha amante na noite incógnita
meu vulcão escondido no poço
desta manhã assim tão fria.
Sereia sabe...
Agora tenho tanto frio
por favor
me ilumine… m'aconchegue no seu sagrado véu de nuvens
para que…
A manhã morna me aqueça no seu manto dourado de estrelas
ao chegar da lua e no dançar erótico das novas nascentes.
El Kady - 1982 ( Recordações de Cuba )
Para Ovidio Martins – poeta maior!
Dança dos Deuses antigos
paridos nas paredes verdes
das secas de Cabo-Verde
Poesia do tempo antigo do morabeza blues
quando as mulheres de pano preto
enxugavam prantos na tristeza duma praia deserta d'algas verdes
no habitual momento da largada chorando de olhos secos.
Poesia do tempo antigo de Madina...
Donde na criatividade compartilhada do sonho poético de Cabral… Éramos só Um - o que nos levou a toda esta loucura metafísica e surrealista!
Hoje… Os gritos lacerantes das velhas árvores do Futa Djalom nos esganam as entranhas… E as melodias dos balafons não soam com o mesmo lirismo d'autrora – pois que há algo que soa falso…
Parece que os instrumentos estão desafinados na porcaria da gestão!
E nessa porcaria… Há o grito do imigrante africano solitário
antes guerrilheiro para uma fugaz libertação com razão!
Mas agora sem consolação aparente…
Trabalha a terra e o arado no Ocidente
para que seu jardim natal
seja sempre ensolarado.
Coitado do pobre poeta lírico…
Hipnotizado p'lo cheiro de marés salinas
desconfiado no desconsolo
acabou perdido por se deitar no pelouro!
Mas de suas cinzas…
Germinarão para sempre…
Novas espigas
de milho nos jardins das crianças de Madina.
El Kady - 1979
A Vida
Em homenagem ao grande autor,
compositor, militante e humanista
que foi José Carlos Schwarz.
A vida viaja noite e dia…
Numa toada sublime e mágica de sinfonias
Buscando como que perdidas
O compartilhar amoroso e ensolarado
Duma sincronicidade com o momento presente.
Ela é flor desnuda das manhãs…
Quando acorda sensual dançando
No calor das noites tórridas dos orvalhos
O direito de gritar a sua faculdade de amar fecundamente.
A vida vive sempre apaixonada…
Para germinar em nós um desejo indescritível e inesquecível de viver em paz
Pois que como fonte e alicerce de nossas estruturas transparentes…
Ela nos acompanha mesmo para além da morte gargalhando amando e cantando.
El Kady - Montréal, 2008
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO