GUINÉ-BISSAU: As fraquezas e contradições das candidaturas de Kumba Yalá e de Nino Vieira
Alin Li
23.05.2005
Depois da “fracassada”, graças a vigorosa e determinada intervenção das forças da polícia de choque, auxiliadas por tropas das guarda-fronteiras e de algumas unidades do exército, deitaram por terra a tentativa de cerca de quatro centenas dos ainda “fiéis” seguidores de Kumba Yalá, de criar um caos político, através de uma marcha que supostamente terminaria num meeting e do assalto às instalações da Presidência da República e servir-se dessa situação para levar alguns sectores das Forças Armadas a intervirem em seu favor e consolidar assim de facto a sua autoproclamação como Presidente da República.
Para além de uma fraca adesão registada, comparada com as anteriores convocadas pelas hostes “kumbistas”, o autoproclamado Presidente da República conta somente com os apoios de alguns sectores do Partido da Renovação Social e de algumas formações políticas sem a mínima expressão no contexto político guineense.
Figuras como a de Salvador Tchongó, que se tornou Presidente de uma ala do RGB-Movimento Bafatá (a outra ala então liderada por Helder Vaz, a mais importante e com mais implantação nacional, transformou-se no UPG, liderado por Francisca “Zinha” Vaz) e de Abubacar Baldé da UNDP (que foi Ministro da Segurança de Nino Vieira) não têm nenhum peso político susceptível de trazer vantagens políticas para Kumba Yalá. Salvador Tchongó, brandiu, inclusive, a arma do oportunismo e da falta de princípios quando considerou que, citamos, “os balantas foram e estão sendo vítimas de perseguições e de abusos”, como forma de acicatar ainda mais os ânimos e pretender com esta acção calculada levar os “militares balantas” a apoiarem a loucura de Kumba Yalá e dos seus apaniguados.
Os comentários que surgem dos mais variados quadrantes políticos e de observadores independentes, é de que os líderes dos quatro partidos aderiram, porque pensaram que Kumba Yalá poderia, depois de se autoproclamar Presidente da República, chegar ao poder com o auxílio dos militares, interromper o processo eleitoral e serem nomeados Ministros nos quase um ano e meio de mandato que faltavam ao ex-Presidente deposto cumprir.
A previsão de evolução da situação política que apresenta mais elevado grau de probabilidade é a de um esvaziamento das tensões criadas pelo gesto de Kumba Yalá de se autoproclamar Presidente da República, acompanhado de um retorno à normalidade e consequentemente o processo conducente a realização de eleições presidenciais em 19 de Junho, apesar das ameaças e das incógnitas que continuam a subsistir quanto ao papel futuro que os militares (leia-se da ala militar balanta que apoia Kumba Yalá, constituída principalmente pelos Coronéis Bubo Na Tchuto e Aniceto na Flak) .
Os factores-chave em que assenta a nossa previsão, baseia-se nos seguintes factos:
- Kumba Yalá está a demonstrar fraqueza e não força e isso não lhe permite mobilizar apoios e gera hesitação nos indefectíveis com que poderia contar.
- Uma maior e mais consistente concertação entre o Governo e a Presidência da República, faz transparecer uma maior lucidez política e firmeza na forma como lidam com a situação (em circunstâncias análogas anteriores, reportamo-nos aos acontecimentos que levaram aos assassinatos do General Correia Seabra e do Coronel Domingos Barros a conduta da Presidência da República não foi somente frouxa como politicamente incorrecta pela forma como Henrique Rosa conduziu o processo. De um lado disse ter compreendido as motivações que levaram os militares revoltosos e do outro convidou-os a serem eles a escolherem as novas Chefias Militares), sendo de destacar que a mudança é-lhes benéfica como sinal de determinação em afrontar focos da instabilidade endémica no país há 7 anos.
- Os militares não intervieram a favor de Kumba Yalá e as condições para o fazer estreitaram-se, dada não só a unânime e firme condenação internacional, como igualmente o corajoso e determinado posicionamento do Presidente da República e do Governo (realçando-se o papel diplomático do Primeiro Ministro em Portugal, onde se encontrava de passagem a caminho de Maputo, para uma viagem oficial adiada à Moçambique). O comunicado do Conselho de Ministros e a mensagem ao país do Presidente Henrique Rosa foram categóricos e firmes na restauração da autoridade do Estado.
- O já candidato Presidencial Francisco Fadul (calculem que um dos impedimentos invocados seria o facto de nos documentos apresentados não constar a idade do pai), que tinha já apalavrado um acordo de cavalheiros com Kumba Yalá, desmarcou-se deste, ao condenar de forma categórica a intolerável postura política do ex-Presidente, afirmando ainda que este deu um tiro no seu próprio pé.
Factor convergente a considerar: ONU, CEDEAO e CPLP lançaram acções políticas e de influência, algumas das quais discretas, tendo em vista levar Kumba Yalá a reconsiderar. A eficácia destes esforços é relativa devido a atitudes dúbias de países como o Senegal e a República da Guiné-Conakry, bem como de uma certa indiferença de Kumba Yalá face aos mesmos.
Tendo em conta especificidades da política da Guiné-Bissau e a mentalidade-padrão da sociedade guineense, a atitude de Kumba Yalá de se autoproclamar Presidente da República foi vista como sinal de fraqueza e desorientação do próprio, a uma escala nociva para o seu crédito pessoal e político e vejamos porquê:
- O seu gesto demonstra de forma eloquente que está inseguro e/ou não tem confiança interior num resultado que lhe seja favorável nas eleições de 19 de Junho próximo.
- Kumba Yalá revelou igualmente falta de sensibilidade política e não conseguiu discernir entre uma especiosidade formal e legal a que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre as candidaturas deu azo e o descabimento de uma autoproclamação presidencial no quadro da normalização política e constitucional em curso (isto, se se tiver uma apreciação minimamente contemporizadora com as decisões assumidas pelos Juízes Conselheiros do STJ).
- O autoproclamado Presidente, anda a medir apoios e a tentar fomentar um clima de agitação interna (como principais conselheiros estão os membros da sua nova guarda pretoriana autodenominada MKP).
- É escasso em número o apoio popular com que conta (a tentativa de manifestação que foi vigorosamente interdita pelas forças de ordem demonstrou um reduzido número de participantes se comparada com outras manifestações promovidas pelo PRS e Kumba Yalá) e duvidosa a sua composição e muitos indivíduos que lhe são próximos ligam-se a ele por interesses pessoais (casos de Beto Pinto Pereira, Alexandre Vieira) e/ou laços familiares.
- Os militares não intervieram nem se manifestam a seu favor – contrariando expectativas de que o fariam.
A identificação entre os actuais chefes e comandantes militares e Kumba Yalá assenta nos seguintes elementos, como sejam, o de afinidades étnicas e níveis de preparação geral comuns, sendo a destacar que a convicção entre os militares de que Kumba Yalá atende melhor os seus interesses materiais, por depender deles; não os chamará a prestar contas pelas suas já habituais “amotinações interna” e garante a sua continuidade.
Nos últimos meses esta identificação tem perdido consistência por efeito de fenómenos como quebra da coesão dos militares (caso da demarcação de Bitchofula Na Fafe) e de acções de persuasão tendentes a induzir neles a ideia de que é do seu interesse manterem-se alheios à política. Também há a registar o “regresso” no âmbito da chamada “política de reconciliação” aos quartéis dos elementos afectos tanto a Anssumane Mané como de Nino Vieira, que trouxeram um certo equilíbrio de forças na sociedade castrense.
As exibições de fraqueza de Kumba Yalá e a correspondência entre as mesmas e a constatação de uma erosão da sua implantação real, levaram igualmente a atitudes de demarcação dos militares, agora cientes de que não tirarão disso proveito, antes pelo contrário. O distanciamento dos militares relativamente a Kumba Yalá ainda não é, porém, total.
Em 2000 quando foi eleito por 72% dos votos, Kumba Yalá contou com circunstâncias especialmente favoráveis, mas sem aplicação na actualidade:
- Tinha o patrocínio da Junta Militar e do Brigadeiro Ansumane Mané, que controlavam a situação no país e gozavam de elevada popularidade.
- Podia contar seguramente com um maciço voto balanta.
- Representava a novidade;
- O seu adversário, Malam Bacai Sanhá, era visto como uma continuidade (o PAIGC estava debilitado e desacreditado, graças ao descrédito que Nino Vieira e sua política o conduziu).
- Conseguiu alimentar expectativas de prosperidade e estabilidade da Guiné-Bissau.
- Os apoios de que dispunha permitiram-lhe manipular o processo eleitoral e, eventualmente utilizar métodos fraudulentos.
Agora, Kumba Yalá é desfavorecido pela ligação generalizada e quase instintiva que se estabelece entre ele e a desgovernação/instabilidade a que a Guiné-Bissau esteve sujeita durante o seu consulado, que degenerou na ruína da economia; no desprestígio do país resultante das suas bizarras excentricidades de personalidade e de estilo e na sujeição que revelou face ao Senegal.
Malam Bacai Sanhá é aparentemente o candidato que mais beneficia das debilidades de Kumba Yalá e dos riscos que são associados à eventualidade do seu regresso ao poder, do mesmo modo que também tira partido de um crescendo clima interno avesso a Nino Vieira – que explora especialmente, não só as condições anormais em que voltou a Bissau, como dos casos relacionados com o “17 de Outubro que levou ao fuzilamento de figuras como Paulo Correia, Viriato Pam, Braima Bangurá, Pedro Ramos, João da Silva, Beate Na Beate, N´Fore Bitna, Pas Kul, Agostinho Pereira, João Pereira, e dos horrores causados no âmbito da guerra político-militar de 7 de Junho, nomeadamente do bombardeamento pelas tropas coligadas (nguentas de Nino, senegalesas e guineenses) no CIFAP onde morreram centenas de mulheres e crianças.
A candidatura de Nino Vieira, que está a passar por uma fase letárgica, é associada na mente comum de todos os guineenses (uma grande e esmagadora maioria) a um propósito de ajuste de contas do mesmo com pessoas que lhe foram desleais e também com os processos de marginalização a que votou os seus adversários.
Nino Vieira, não se pronunciou nem emitiu quaisquer opiniões ou comentários sobre a autoproclamação de Kumba Yalá, contrariamente do que fez e bem Francisco Fadul.
As fraquezas e contradições das candidaturas de Kumba Yalá e de Nino Vieira, beneficiam Malam Bacai Sanhá na justa proporção de que este se apresenta como prudente e conciliador. Alamara Nhassé Intchia, ex-Primeiro-Ministro e um dos líderes carismáticos do PRS, é igualmente um balanta com forte implantação no Sul e Zinha Vaz, ex-RGB/MB e agora Presidente do recém-criado UPG manifestaram-lhe apoio.
A atitude de Kumba Yalá de se autoproclamar Presidente da República e estabelecer um prazo para retomar funções, confirmou estimativas, de acordo com os quais, uma decisão do Supremo Tribunal favorável à sua candidatura seria interpretado pelo próprio como um precedente em termos de desrespeito da lei que ele usaria para se obter novas vantagens.
O Supremo Tribunal (instituição de que falaremos mais tarde) praticamente revogou a limitação que vedava a Kumba Yalá o exercício da actividade política nos 5 anos seguintes à sua renúncia, em 2003. A argumentação usada foi a de que a renúncia de Kumba Yalá não resultou de um acto de liberdade e vontade. Kumba Yalá, actualmente muito influenciado por Caetano Ntchama, João Manuel Gomes (ex-Assessor de Imprensa de Nino Vieira e ex-Secretário de Estado da Comunicação Social) e de Beto Pinto Pereira (ex-testa de ferro de Manecas Santos e Nino Vieira), viu nisto um artifício para voltar expeditamente ao poder, sem ter que se apresentar a novas eleições.
Basta recordarmos um velho ditado guineense, citamos “dgissilim kata kêma ku bedja dus biás” para termos a esperança de que o povo guineense saberá escolher o seu Presidente da República, excluindo do baralho Nino Vieira e Kumba Yalá.
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO