CARTA ABERTA AO SECRETÁRIO DE ESTADO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL DA GUINÉ-BISSAU ARQT. JOÃO DE BARROS
Por: Fernando Casimiro (Didinho)
03.12.2006
Assunto: Excerto da entrevista de João Monteiro ao Diário de Bissau - Edição de 24 de Fevereiro de 2000
Ilustre arquitecto, jornalista, político e empresário
Sabendo que o senhor é um homem que sabe das coisas por iniciativa própria, mas também e devido ao facto de ser proprietário de um jornal, saber de coisas por outros, decidi, depois de vários contactos no sentido de esclarecer a minha consciência e, creio que, de muitos guineenses e não só, fazer chegar a si, esta carta aberta.
Uma carta aberta dirigida a si e extensiva ao país: pessoas e instituições, bem como a todos quantos, pelo mundo fora, se interessam pela Guiné-Bissau.
Não fosse o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social igualmente proprietário do jornal Diário de Bissau esta carta não lhe teria sido dirigida, porquanto não haver intenção em prejudicá-lo no exercício das suas funções (des) governativas!
Cabe a si, Sr. João de Barros, responder em função do cargo que ocupa no (des) Governo, como Secretário de Estado ou na qualidade de proprietário do jornal Diário de Bissau, pois vai dar ao mesmo: O João de Barros é o João de Barros, independentemente de ser arquitecto, jornalista, político e empresário!
Esta carta aberta, apesar de ser suportada por um documento disponibilizado na Internet, sem referência da sua proveniência, o que lamento ser contrário aos meus princípios, tem mais razões de ser do que deixar de ser.
Tentei por várias formas obter a autenticidade do referido documento e até então não obtive respostas concretas, apesar de referências fidedignas em como realmente o documento foi publicado pelo Diário de Bissau.
Volto a evocar a VERDADE e a JUSTIÇA como alicerces da reconciliação nacional plena, ao invés da mentira e da impunidade constantemente apregoadas por aqueles que se querem ilibar das responsabilidades que uma verdadeira reconciliação não pode ilibar!
Esta carta aberta, destina-se ao esclarecimento de um assunto deveras penoso para os guineenses. Muitos estarão nos seus direitos de questionar o porquê deste reavivar de memórias tristes. Saberei compreendê-los.
Muitos, igualmente, do lote onde me incluo, estarão nos seus direitos de quererem saber as verdades sobre os horrores das várias lutas pelo poder na Guiné-Bissau. Peço que nos saibam compreender também!
Neste documento há uma referência sobre uma entrevista publicada no jornal Diário de Bissau de 24 de Fevereiro de 2000. Na Guiné-Bissau não é usual o arquivo de jornais e como se passaram 6 anos, é difícil, mas não impossível, encontrar algum original da publicação do Diário de Bissau.
Se por um lado (dado o peso criminal do conteúdo da entrevista em relação à envolvência de nomes apresentados) haver matéria mais do que suficiente para se avançar com o maior processo judicial de sempre na Guiné-Bissau, por outro, o facto de João de Barros, proprietário do jornal Diário de Bissau ser o actual Secretário de Estado da Comunicação, reforça a ideia da estratégia de limpeza de arquivos que poderiam sustentar inquéritos e processos judiciais contra várias figuras que continuam impunes e no poder na Guiné-Bissau, tendo à cabeça o general Nino Vieira.
É certo que esta estratégia não está confinada ao departamento de Comunicação Social do (des) Governo, pois no sector da Justiça, Nino Vieira manda e desmanda e, enquanto assim for, nenhum processo será ordenado pelo Ministério Público.
Para que amanhã, tal como hoje, aqueles que ontem me contrariavam enquanto apresentava inúmeras razões para sensibilizar o povo guineense a não votar em Nino Vieira nas presidenciais, não voltem a arrepender-se, fica a consistência das minhas posições resumidas no seguinte: É preciso colocar a VERDADE e a JUSTIÇA ao serviço da Guiné-Bissau e do povo guineense!
Ao Sr. João de Barros, Secretário de Estado da Comunicação Social da Guiné-Bissau e proprietário do jornal Diário de Bissau, peço um esclarecimento sobre a entrevista alegadamente publicada pelo seu jornal, numa altura em que Nino Vieira estava "caído em desgraça" e o João de Barros estava à vontade para assumir a publicação da entrevista no seu jornal.
Não tendo sido um documento digitalizado, a reprodução apresentada contém inúmeros erros de ortografia, o que em condições normais, não acontece com as publicações do Diário de Bissau, mas o encaixe e o enquadramento do conteúdo estão ao alcance de uma leitura e interpretação sem muito esforço.
Peço a compreensão para a necessidade de se tirar a limpo questões que nos pesam na consciência!
Peço aos meus irmãos guineenses para que adoptem a VERDADE como o espelho real das suas vidas!
Vamos continuar a trabalhar!
Excerto da entervista cedida por João Monteiro ao Diario de Bissau 24
fevereiro de 2000. João Monteiro, Comissão de Inquérito (CI)- João queremos a tua cooperação nesta matéria. Estamos na quarta tentativa para que digas onde foram fuzilados e onde foram enterrados os restos mortais das pessoas acusadas no caso 17 de Outubro? R. João Monteiro (JM) – não tratei nem lidei directamente com essa matéria. As pessoas que lidaram directamente com essa matéria foram o Julio Semede, na altura ministro dos Negocios Estrangeiros, Coronel Manuel Satos, o Morgado, o Iaia, o Joãozinho, o Marcos. Consta que foram fuzilados em Mansôa e transportados para a mata de Portugole. O Inacio que tem uma ponta naqueles lados pode indicar exatamente o local. CI- porquê o Ministro dos Negocios Estrangeiros nessa matéria? JM – porque ele estava a prepara o anuncio oficial ao corpo diplomatico do fuzilamento dos acusados. O Camarada Presidente insistiu em que fosse ele a coordenar a operação. CI – Porque é que utilizas o termo acusados e não condenados? JM – Porque estas pessoas nunca chegaram de ser julgadas em qualquer tribunal. CI – Nem mesmo no tribunal militar? JM – Não houve tribunal militar nenhum. O Tribunal Militar era tudo uma grande encenação. Todos sabemos que o Coronel Humberto Gomes era pessoa de mão do Nino. Ele mandava executar todos aqueles que o Nino e o Coronel Manuel Santos indicavam na lista. Os fuzilamentos no Caso 17 de Outubro estavam num estado de decomposição fisica como resultado das torturas do Capitão Robalo, Tchutchu, Marcos e ... vou contar-vos um episodio que se passou no quintal do Palacio. No decorrer do progresso do Caso de 17 Outubro o Huberto e demais membros do Tribuna Militar aparecem no quintal e o Huberto diz ao Presidente Nino : Senhor Presidente, o resulttado do inquérito mostra claramente que estes acusados não são culpados. O Tribunal e o acusador público disseram ao Tribunal que as provas não existem contra estes acusados. As únicas provas são as confissões conseguidas sob tortura, e por isso invalidas perante o Tribunal. O Presidente Nino bateu com as mãos na cadeira dizendo que as provas tinham que ser inventadas, porque ele tinha informações seguras dos vizinhos do Paulo Correia, Manecas e Francisca, como provas suficientes do golpe do Paulo que recebia constantes visitas dos implicados. O Tribunal tinha que encontrar provas. Os olhos do NinoVieira brilhavam de sangue vermelho. CI – E como reagiu o advogado de defesa do Paulo Correia ( Carlos Pinto Pereira)? JM – Qual advogado de defesa. O advogado de defesa do Paulo Correia foi escolhido por nós, mais precisamente, pelo Manecas. O advogado entregava a Segurança do Estado todas as declarações do Paulo Correia. CI – Mais porque é que tu menciona o Manecas em quase todos os pontos? JM – Porque uma vez disse ao Nino Vieira que as atitudes do Manecas iam afundar a sua presidência se ele não tomasse cuidado e afastasse o Manecas? CI – Porque é que o Nino devia afastar o Manecas? JM – Uma vez na reunião da ANP do partido PAIGC (partido único), ouvi o Manecas a chamar os deputados que estavam a colocar perguntas sobre o Imposto de Reconstrução Nacional de confusionistas e anaflfabetos. A partir daí, cheguei a conclusão do grau de irresponsabilidade desse homem. CI – Certas pessoas pensam que tu também foste irresponsavel em certas tomadas de posção. Estamos referindo-nos ao teu papel na prisão do João da Costa? JM – Em toda a minha carreia, nunca tomei decisões por mim mesme. Tudo o que fiz foi em cumprimento de ordens recebidos de Nino. O Manecas aventurava-se na tomada de decisões aventureiras que, as vezes, complicavam mais do que resolviam determinadas situações. CI – Conta-nos o que sabes do caso João da Costa? JM- Foi uma encenação estúpida em que as pessoas inocentes perderam a vida. A reação da oposição e do Chefe de Estado Maior na altura o Saco Cassamá dificultou ainda mais a operação ao tomar sob sua custódia pessoal o João da Costa. CI – Quem foi o reponsável pela encernação? JM – O proprio Nino Vieira. Ele era incapaz de compreender que os tempos tinham mudado. Os tempos exigiam outros métodos, mais discretos. CI – Porque dizes que o Saco complicou a operação? JM - Por causa da caustódia sobre o Jão da Costa. Porque o Saco gozava de um prestígio enorme entre os jovens oficiais e tnhamos recebido informações que ele já estava farto do Nino até aos miolhos. Ele era intocável por causa de uma brilhante folha de serviços em missões de manutenção de paz das Nações Unidas. O Nino tinha muito medo do Saco, por isso decidiu envenená-lo. CI – Tinham decidido eliminar também o João Costa? JM – Não. O plano nunca foi de eliminar o João. O plano era de encarcerá-lo com uma valente panacadaria e inutilizar os seus orgãos genitais. CI – Anteriormente, tu disseste a esta comissão que vôces ( a Segurança do Estado) tinham o controle de toda a situação na Guiné? Como explicas isso? JM – A Guiné é um país pequeno e pobre. Basta apertar as pessoas um pouco economicamente para aliciá-las. As nossas estruturas mantinham um controle interno e externo ao mesmo tempo. Internamente, temos os nossos agentes nos Bancos, nos Ministérios, nas Embaixadas, na Presidência e nas Forças Armadas. Na Guiné ninguém ascende ao posto superior de hierarquia do Estado sem ser um dos nossos. Ninguém consegue um trabalho condigno sem a nossa autorização. Durante anos, como exemplo, o Bartolomeu e o Bernadino entrevistavam os quadros que chegavam ao país e forneciam-nos informações sobre as convicções políticas dos mesmos. Deste modo complicavamos o cadastro de todos os quadros do país e sabiamos com quem podiamos contar. Quem estava contra nós. O Delfim desenvolveu o mesmo trabalho durante anos na antiga URSS para nós. CI – E em relação aos Partidos Políticos? JM - Em relação aos Partidos Políticos, as coisas foram bem mais fáceis. Nunca iríamos fazer a abertura política sem termos a certeza de controlarmos a situação. Financiamos a criação de certos Partidos como por exemplo o PCD do Victor Mandinga e a Frente Democrática do Menezes. Ambos, devem somas colossais ao Estado e são comerciantes interessados no lucro. O Manecas organizou esta parte do trabalho com fundos do Nino e de alguns empresários portugueses, amigos do Nino. Foi levada a cabo uma acção de infiltração dos nossos oficiais nos Partidos, como é o caso do Edmundo Évora, do Victor Mandinga, do Sanca e outros. Identificamos os elementos que nos poderiam dificultar no interior da oposição e levamos a cabo uma campanha de desinformação para criar as condições de expulsão destes elementos do interior da oposição. CI – E daí? JM – Uma vez expulsos tornavam-se numa presa fácil porque ficavam também sem os seus empregos. Para uma vida normal esperava-os uma grande complicação na vida. CI – E no exterior? JM – No exterior as acções foram desenvolvidas através das nossas Embaixadas. CI – Com o conhecimento dos Embaixadores? JM – Julgo que não é segredo para ninguém que os Embaixadores eram nossos agentes uma vez que assinavam um documento de compromisso connosco no acto da nomeação. Eram totalmente fiéis ao Nino. CI – Ao Nino ou ao Estado? JM – Ao Nino CI – E as instituições financeiras privadas? JM – Julgo que todos vocês tem a ideia de como foram feitas as privatizações. Uma célula no Ministério da Coordenação Economica, chefiada pelo Manecas e dirigida pelo Issufo Sanhá. O resto não é difícil de imaginar. O BIGB com os nossos homens de mão Lobo de Pina e o Chico. No Banco Central (BCEAO) o Luís Cândido, o Godinho, o Desejado. O Totta que é a caixa forte dos dirigentes da Guiné. CI – Que sabes do caso das enfermeiras? JM – Não me envolvi directamente nisso por causa das operações militares em curso. O Gabinete de crise decidiu confiar essa matéria a Francisca Pereira e ao Paulo Medina. Pensava-se que eram as pessoas que tinham alguma experiência na área da Saúde e conheciam todos os Camaradas. Os feridos da Junta, com alguma formação militar, eram injectados com veneno e eliminados... CI – Quem tinha decidido essa estratégia? JM – O próprio Nino e o Samba Lamine. CI – E aqueles que foram enterrados no cemitério? JM – Foram descontentes que pressionavam para que abrissemos negociações com a Junta. Foram executados sumariamente com um tiro na nuca por mim, pelo Manecas, pelo Baciro Dabó, pelo José Manuel, pelo Saido e alguns oficiais senegaleses. CI – Quantos foram executados dessa maneira? JM – Um número indeterminado na medida em que as execuções eram sumárias, sem julgamento. Por isso, não mantinhamos uma lista porque era muito perigoso, dizia o Presidente Nino. |
Para além da entrevista de João Monteiro ao Diário de Bissau, uma outra entrevista foi concedida igualmente por uma alta figura da segurança de Estado, Baciro Dabó que há uns meses atrás foi exonerado por Nino Vieira e recentemente repescado pelo mesmo Nino Vieira...ao semanário português "O Independente", que já não existe.
Por ter encontrado o recorte digitalizado de parte dessa entrevista de Baciro Dabó na Internet, conforme segue referenciado e sem meios técnicos para uma edição mais perfeita que permita ampliar sem distorcer o conteúdo reproduzido, lanço um apelo (já pedi a várias pessoas) para a colaboração na obtenção deste registo que, infelizmente não tive oportunidade de ler.