Fortaleza D`Amura: O Berço da Cidade de Bissau
(Ponto de Vista)
“A mente que se abre por uma nova idéia jamais volta ao tamanho original”.
Einstein
Rui Jorge da Conceição Gomes Semedo
21.02.2010
Os indícios dos interesses franceses em expandir suas influências e atividades comerciais, principalmente, no domínio do tráfico de escravos na região provocaram nos finais dos meados do século XVII uma rápida reação portuguesa que resolveu antecipar e projetar a primeira estrutura da Fortaleza São José D`Amura em 1696, mas, que sofreu subsequentes alterações estruturais nos anos 1753, 1766, 1858 a 1860 e em 1970 já quase nas vésperas da proclamação da independência, a última restauração. Estrategicamente construída para defender os interesses portugueses na época, muito rapidamente, nas suas proximidades se projetou uma cintura urbana a partir da histórica região de Bissau-Bedju (Bissau-Velho), (salvo erro, recentemente tombada pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade), e que estendeu a parte central da cidade aos bairros periféricos que constituem a capital guineense.
Com a proclamação oficial da independência em 1974, como era natural de se esperar, a Fortaleza passou a pertencer de forma legítima às Forças Armadas Revolucionárias do Povo, (FARP), e nela passaram a funcionar: o Ministério da Defesa Nacional e o gabinete do Estado-Maior.
Em 1975 a instalação recebeu os restos mortais do mais ilustre filho da Guiné e Cabo-Verde, Amilcar Lopes Cabral, como também mais tarde recebeu igualmente doutros destacados heróis nacionais, dentre eles, Francisco Mendes, Osvaldo Vieira, Titina Silá, e Pansau Na Isna.
A verdade é que se entrelaça e se mistura a história do surgimento da cidade de Bissau com a da Fortaleza D`Amura. Por isso e para isso, a função social desse espaço deveria transcender um mero local de convivência militar e passar a significar um lugar de confluência e de produção da cultura e de memória civil-militar e suas diversas manifestações.
Longe de negar e, muito menos, de subestimar o direito que a instituição militar tem de permanecer e desfrutar do referido espaço, a nossa preocupação que, aliás, é a da maioria dos guineenses, é transformá-lo num instrumento compatível ao imaginário comum nacional. Ou seja, num Palácio da Cultura onde possamos ter, entre outros, – o Museu da Luta de Libertação Nacional, o Museu Nacional, Biblioteca Pública, Sala de Convenções, a Escola Nacional de Artes e Danças, Livraria, etc. – ou seja, um espaço de integração civil/militar de produção de conhecimento.
Gaba-se nos discursos sobre o privilégio que temos de ter uma rica e diversificada cultura que começa pelas línguas e se penetra pelas mais variadas formas nas músicas, danças, produções artísticas, rituais religiosos e de iniciação, vestimentas, celebrações matrimoniais, gastronomias e tudo isso se encontra e desencontra numa natureza de apenas 36.125 km, exuberante em solo fértil, em chuva e sol, nas variedades de frutas, em peixes e mariscos, em florestas e faunas.
Contudo, desafortunadamente, ainda não temos racionalmente aproveitado de toda essa imensa riqueza que pudesse, se bem aproveitado, ser colocada na vitrine universal como Cartão Postal da “Guinendadi”. Chegou o momento em que muitos guineenses, inclusive, “os mais esclarecidos”, acreditam que a razão do nosso infortúnio pode estar relacionada com as conhecidas lendas, como a do navio enterrado algures no centro de Bissau ou a do excessivo e criminoso derramamento de sangue no solo pátrio.
Tudo isso é mentira! O nosso grande problema não está nessas lendas, mas nas mentalidades obsoletas que nos impedem de avançar. Quantas pessoas foram brutalmente assassinadas na Alemanha nazista e no desfecho da II Grande Guerra? Na Rússia da era Stalin? Ou em quase toda a Europa antes e no decorrer das duas grandes guerras? E por que esses países hoje estão a crescer?
A verdade é que aprenderam com os erros, mudaram suas mentalidades e ganharam a oportunidade de perseguir o desenvolvimento e garantir o bem-estar dos seus cidadãos.
Nossos administradores públicos precisam assumir com eles mesmos e depois com a Nação o grande compromisso que o cargo exige: que, além de organizar o funcionamento das instituições, um homem de Estado, precisa e deve deixar marcas que sobrevivam após a sua morte, ou seja, isso significa empreender projetos, construir infra-estruturas e inovar idéias. E na Guiné independente esse sentimento apenas começou a emergir com o visionário e saudoso presidente Luís Cabral e, imediatamente, desapareceu com o seu afastamento do poder.
Hoje por exemplo, criou-se uma enorme expectativa em relação à ascensão à chefia das Forças Armadas do general José Zamora Induta. Uns acreditam que ele pode e está em condições de restituir às FARP o valor adquirido durante o Congresso de Cassacá. Outros acreditam que é apenas mais um a passar pela instituição militar.
Em verdade, aqui não nos interessa inclinar de um ou do outro lado, o certo é que ele e a sua equipa, conforme diz o ditado, precisam matar a cobra e mostrar o “manduku”. Ou seja, demonstrar que são realmente capazes, e que podem transformar a realidade militar adotando uma perspectiva inovadora de responsabilidade público-social.
É um desafio difícil, todos nós sabemos, mas não impossível caso haja comprometimento, vontade e responsabilidade. Os três elementos cultivam-se pelas ações educadoras, que passam necessária e obrigatoriamente pela adoção da Fortaleza D`Amura a uma nova função social cívica. Transformar esse espaço num Palácio da Cultura pode ser um ingrediente indispensável ao Processo da Reforma da Defesa e de Segurança que está em curso, na medida em que alguns reformados podem ser treinados e recrutados para trabalhar no referido espaço ao Serviço da Cultura e da Paz. Isso é apenas uma possibilidade entre tantas que podem ser pensadas, amadurecidas e implementadas.
A Fortaleza D`Amura é uma das nossas maravilhas históricas e arquitetônicas e precisamos restaurá-la e apresentá-la não só aos guineenses, mas, ao mundo. Além do mais, é nela que repousa Amilcar Cabral, homem cuja história e dimensão intelectual ultrapassaram as fronteiras da Guiné e de Cabo-Verde e se perdem pelo mundo fora.
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Quantas pessoas nesse mundo podem estar interessadas em visitar o mausoléu Amilcar Cabral ou observar os seus pertences? Mas, enquanto seus restos mortais e de outros valorosos combatentes continuam “presos no quartel”, sem possibilidades de receberem visitas turísticas públicas, o país perde a oportunidade de divulgar as suas memórias e arrecadar receitas que poderiam reverter a favor da melhoria das condições nos quartéis.
Outrossim, nesse mesmo lugar se encontra a cair aos pedaços o carro marca wolkswagen, de onde o Amilcar desceu para receber os tiros assassinos de Inocêncio Kani. Ou seja, o Amilcar foi assassinado, seus pertences e ideologias também foram condenados a ter o mesmo destino na Guiné. É crime contra a sua memória e contra a humanidade deixar aquele carro se desfazer pela ação da natureza. Talvez, o governo alemão através da sua representação diplomática na Guiné se sentiria honrado e lisonjeado se fosse solicitado para ajudar a restaurar esse automóvel, na condição de fabricante da marca que Amílcar utilizava.
No momento, entre as mil e uma dúvidas, a nossa única certeza é que a Guiné não pode ser desenvolvida apenas com a exploração de fosfato, bauxite, petróleo, etc, como em alguns casos parece ser, no entanto, é fundamental priorizar a produção de conhecimento como base do progresso sustentável.
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO