Hora Tchiga!?
(Ponto de Vista)
“Está é a Nossa Pátria Amada!
Hino Nacional da Guiné-Bissau.”
Rui Jorge da Conceição Gomes Semedo *
22.09.2009
A posse de Malam Bacai Sanhá no passado dia 8 de Setembro marcou pela quarta vez a ascensão ao poder de um presidente da República democraticamente eleito, isso após Nino Vieira em 1994 e em 2005, e Koumba Ialá em 2000. Contudo, vale ressaltar que seus antecessores nunca chegaram ao fim dos mandatos, por razões das fragilidades institucionais que resultaram nas interrupções violentas do ciclo democrático. Esse temido histórico tacitamente faz prevalecer preocupação duvidosa sobre a continuidade do processo democrático no País. Entre cenários e factos que se desenha não se pode descartar que o desempenho equilibrado do presidente pode garantir a estabilidade no funcionamento das instituições civis e militares e, consequentemente, permitir a continuidade do processo. Daí a necessidade de levar a sério a proposta do presidente Bacai Sanhá de construir um verdadeiro “Contrato Social” assente na estabilidade e solidariedade nacionais.
Alguns pontos do discurso de posse podem ser relevantes caso o presidente queira realmente findar o ciclo de desmandos e de instabilidades. O primeiro relaciona-se com a questão da Unidade Nacional onde disse que os guineenses precisam reconhecer-se no somatório dos valores e interesses que os unem e que permitem fazer da diversidade do xadrez étnico-cultural uma riqueza incomensurável e força de união. Nesse ponto reside parte dos problemas que hoje enfrentamos e, como bem disse, existem contornos que tendem com o advento da era democrática sobrepor a identidade particular à nacional. É nesse particular a necessidade de rever a lei da nacionalidade guineense que é muito importante para a construção de uma frente única de paz e de desenvolvimento. É ridícula a classificação de guineenses em duas categorias: legítimos e ilegítimos. Não há menor dúvida de que esta situação é um grave atentado à unidade de um povo que se complementa pela natureza da sua diversidade. Aliás, até hoje, não existe um fundamento convincente sobre razão e importância dessa medida para o desenvolvimento do País, senão um terrorismo contra o princípio pelo qual lutamos. Pois, no passado recente, uma das razões da nossa luta contra a ocupação colonial portuguesa foi justamente banir do nosso solo pátrio qualquer tipo de marginalização político-social, como a que classificava desumanamente guineenses em civilizados e indígenas. Em termos culturais e dados aos contornos de que o próprio presidente referiu no seu discurso, hoje não se pode negar que entre parte considerável de cidadãos com dificuldades de acesso ao conhecimento (e não só) existe uma forte tendência de particularizar, etnizar, tribalizar e até dar cor ao árduo processo de Unidade Nacional. Pior do que essa isolada e inculta tendência é a sua institucionalização mediante uma lei por parte do Estado. Se se pretende construir uma verdadeira Nação, o Estado guineense forjado na congregação do xadrez étnico-cultural deve banir qualquer lei que segrega a possibilidade de oportunidades aos seus cidadãos.
Um dia antes da posse tive a esplêndida oportunidade de acompanhar a entrevista do ainda candidato eleito Bacai Sanhá numa das emissoras nacionais onde disse ser admirador do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil e de Barack Obama, dos Estados Unidos de América. Muito rapidamente eis uma pequena apresentação do que esses dois presidentes têm feito nos seus respectivos países: O primeiro conseguiu em quase dois mandatos mudar a cara do Brasil tanto no aspecto social, quanto no econômico e político com reformas que permitiram acesso de mais pessoas à educação, aumentou a renda de famílias mais carentes e lançou o país para uma conquista diplomática impressionante, principalmente, o mercado africano e os países que constituíram o G-20, mas sem abdicar dos tradicionais parceiros como os EUA e a UE. A preocupação da administração Lula com a justiça social atingiu até os estudantes estrangeiros com dificuldades financeiras, na sua grande maioria africanos que foram beneficiados com bolsas emergenciais para prosseguir estudos. Em relação ao Obama estamos a assistir além de uma tenaz luta pela estabilização da crise econômica que assolou a economia mundial, provocada pela falência no sector imobiliário nos EUA, sua preocupação com a justiça social, entre outros, está na reforma que pretende fazer na saúde e que vai permitir ao americano pobre sem condições para ter um plano de saúde ter acesso a um melhor atendimento médico no sistema público. Outro reparo relevante é o apelo público lançado por Bacai Sanhá nas suas primeiras declarações onde manifestou a necessidade de seguirmos a experiência cabo-verdiana para consolidarmos a nossa democracia e construirmos um Estado forte. Se é verdade que não se pode esquecer que durante a colonização Cabo-Verde recebeu um tratamento diferenciado diferentemente da Guiné, Angola e Moçambique, onde a colonização foi mais agressiva, não é menos verdade reconhecer a exemplar postura dos presidentes Aristides Pereira, Mascarenhas Monteiro e Pedro Pires, no processo de edificação do bom nome que esse pequeno país no meio do Atlântico conquistou no mundo. Por isso, esperamos que o nosso presidente da República, Bacai Sanhá consiga espelhar nas experiências de personalidades que apontou como referências para fazer um mando exemplar. Para isso, pode ser um bom começo se conseguir livrar-se das armadilhas, principalmente, de pessoas corruptas conhecidas da Praça de Bissau habituadas a viver à custa dos desmandos do poder.
A predisposição demonstrada em dialogar com a comunidade guineense na diáspora, em minha opinião, é extremamente importante para os propósitos de criar condições reais de desenvolvimento. É obvio que, com uma boa administração, os quadros internos que hoje temos podem dar conta das demandas, mas também, não se pode abdicar da preciosa contribuição da diáspora. Aliás, houve por duas vezes, tentativas da diáspora representada pelas Associações que agregam profissionais de diferentes áreas, casos da Bolanha e Guineáspora, quando ambas se dispuseram em colaborar com o governo no sentido de ajudar não só na elaboração de planos de desenvolvimento como também em incentivar o regresso de quadros desde que estejam reunidas condições para seus enquadramentos na vida laboral. Mas, ao longo desse período constata-se um enorme empecilho à contribuição da diáspora na política de desenvolvimento nacional, porque por um lado existe uma fobia interna por parte de alguns quadros medíocres e, por outro, o intercambio com a diáspora pode oferecer importantes ferramentas para ajudar a administrar a corrupção, desenvolver projectos e colocar o País no trilho que se pretende. É obvio que a elite que destrói não quer ver isso acontecer. Se realmente existe a verdadeira intenção de colaborar com a diáspora, uma das primeiras acções deve ser a convocação de uma Conferência Nacional de Quadros sobre o País. Nessa conferência, o Governo, em parceria com institutos de pesquisas nacionais, com organizações internas e na diáspora, pode discutir de forma inter e multidisciplinar os mecanismos para a elaboração de um Plano Nacional de Desenvolvimento.
Outro ponto é o sector da defesa e segurança que requer uma atenção especial e que exige do presidente uma postura de Comandante-em-Chefe das Forças Armadas como garante a constituição. Contudo, sabe-se que o grande entrave de muitos países que aderiram recentemente à democracia encontra-se na relação de subordinação do poder militar ao poder civil, no entanto, estabelecer um diálogo permanente com a instituição militar pode reduzir riscos de interrupções democráticas e reforçar a consolidação das instituições. Mas isso só não basta, a reforma precisa ser mais ampla, e o fortalecimento da educação deve ser a base para o sucesso da modernização. Pois, reformar um veterano de guerra e depois em seu lugar colocar um jovem sem um preparo acadêmico necessário significa trocar seis por meia dúzia, ou seja, a violência vai continuar a ser opção para resolver problemas institucionais.
Em termos políticos, podemos dizer que existem possibilidades favoráveis para a estabilização institucional, visto que, o presidente eleito é do partido no poder, PAIGC, com maioria qualificada no parlamento. E, entre vários aspectos do jogo e luta pelo poder, o princípio de separação de poderes é imprescindível para uma pacífica convivência institucional.
Para concluir, não podemos fechar esta reflexão sem questionar a opção do presidente de morar numa residência não oficial. É inegável de que a inauguração de uma presidência moderna conforme afirma o presidente no seu discurso de posse exige “correções nas tradicionais atitudes e práticas nefastas”, ou seja, temos que começar a institucionalizar as coisas. Pois, houve reformas desnecessárias na actual residência do presidente, enquanto a residência oficial se encontra abandonada sem motivos. Quantos milhões foram gastos nessa reforma que poderiam ser usados de forma mais racional noutros serviços públicos? Por quanto tempo o presidente vai ficar numa residência não oficial a perturbar o direito de ir e vir dos cidadãos? Não sei qual é o mistério da residência oficial da Presidência da República, que faz com que nos últimos anos os presidentes tenham optado por morar em espaços não apropriados. Minha única certeza é que abdicar de morar nela e de desfrutar de seu conforto e dignidade não é sinônimo de garantir segurança, o acontecimento de 2 de março deste ano pode confirmar a observação.
* Cientista Político
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Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO