Interesses Externos no Conflito Político na Guiné-Bissau: o ontem e o hoje

 

 

 

Por: Ricardino J. D. Teixeira[1]

Ricardino Dumas Teixeira

ricardino_teixeira@hotmail.com 

05.03.2009

 

Este artigo resume-se na resposta a uma única pergunta sobre os recentes conflitos políticos e assassinatos na Guiné-Bissau: Até que ponto os interesses externos jogaram um peso importante nos sucessivos conflitos políticos na Guiné-Bissau? Enganam-se aqueles que ainda acreditam exclusivamente que as disputas políticas e assassinatos de militares e civis na Guiné-Bissau são resultantes exclusivamente da luta interna e conflitos ideológicos entre grupos políticos e militares em disputa pelo controle do Estado. Com isso não pretendemos de forma alguma, neste texto, ocultar a responsabilidade da sociedade política e da sociedade civil guineense, questões bastante debatidas em diversos textos científicos e de opinião redigidos de forma pioneira por intelectuais e estudiosos guineenses em diversos espaços, chamando a atenção e denunciando a dificuldade da elite nacional de superar a herança negativa da colonização portuguesa, que fora ampliada em outras formas pelo autoritarismo do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guine e Cabo Verde) e do PRS (Partido da Renovação Social), duas forças políticas com maior expressão política.

 

O objetivo deste artigo é mostrar ou tentar mostrar que os interesses internos não podem ser separados da cobiça externa, que infelizmente continua a influenciar as decisões e as ações políticas e militares na Guiné-Bissau. Basta lembrar o desenvolvimento do conflito político de 1998, nosso recorte temporal e analítico de uma análise em profundidade de alguns aspectos recentes da atual conjuntura política – assassinato do presidente João Viera - que esteve à frente dos destinos da Guiné-Bissau durante décadas - e do General Tagme Na waie, que durante o governo de Vieira (1980-1998) fora acusado de protagonizar ou participar de tentativas de golpes de Estado contra o governo de Vieira, particularmente no conflito militar que teve seu início no dia 07 de Junho de 1998.

 

Na ocasião, a Guiné-Bissau serviu não apenas de disputas internas entre atores políticos nacionais como também de atores externos, sendo os principais o governo de Portugal e da Gâmbia, que apoiavam a Junta Militar na derrubada do presidente Vieira, por um lado, e tropas da França, do Senegal e da Guiné-Conakri, que defendiam a manutenção de Vieira no poder, por outro.

 

Portugal

 

Jaime Gama, na época Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, como sabemos, apoiou totalmente a Junta Militar no derrube do governo de Vieira, quer na concessão de armamentos e fardas militares, quer ainda na concessão de telefones satélite ao mesmo tempo que desenvolvia a partir de Lisboa uma campanha internacional a favor dos militares da Junta Militar alegando, grosso modo, que não se tratava de um golpe de Estado. Um fato interessante semelhante ao atual acontecimento pode ser comprovado na recente entrevista que o Conselheiro português do presidente Vieira concedeu em Lisboa, segundo a qual teria falado dias antes com o presidente, sendo que Vieira demonstrou preocupação com a recente visita de Jaime Gama à Guiné-Bissau e a do Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau à Gâmbia.

 

I.                 Como explicar esse fato se Portugal concedeu asilo político ao Presidente Viera e sua família após a derrubada do seu governo em 1998, que contou com apoio dos militares de etnia Balanta?

 

II Como explicar o fato de que foi de Portugal que Vieira retornou, concorreu e ganhou as eleições presidenciais realizadas, em dois turnos, em 2005?

 

O papel da Comunidade dos Estados da África Ocidental, bem como o engajamento diplomático por parte da Comunidade Internacional sob comando da França foi determinante para o retorno de Vieira para concorrer às eleições presidenciais realizadas em 2005. O presidente voltou à Guiné-Bissau por uma imposição externa, legitimada por um sistema judicial caótico, frequentemente acusado de corrupção, somada a autoritarismo e à ganância de uma parte das chefias das Forcas Armadas que utilizavam o território nacional para o tráfico internacional de droga.

 

A diplomacia portuguesa parece cometer o mesmo erro do passado por legitimar o atual conflito político e assassinatos servindo-se do discurso de que não se tratava de um golpe de Estado, já que os militares não pareciam interessados em assumir o poder. Ao tomar conhecimento do assassinato do presidente Vieira, o esperado aconteceu-se. O ex-presidente de Portugal, Mário Soares, afirmou recentemente numa entrevista em Lisboa que o presidente Vieira era um homem violento, por isso teria que morrer na violência. Que afirmação infeliz que não dignifica o discurso dos Direitos Humanos e da democracia bastante pronunciado por Mário Soares nos seus discursos políticos! Trata-se na verdade de um desafeto antigo de Mário Soares com o presidente Vieira, colocado de forma inoportuna e autoritária.

 

A diplomacia portuguesa parece estar mais preocupada na escolha de um novo Chefe de Estado e na realização de eleições presidenciais dentro de 60 dias, mesmo sabendo que o problema da Guiné-Bissau vai além de um simples ato de voto ou escolha formal dos representantes do Estado. Não faltaram experiências eleitorais desde as primeiras eleições multipartidárias realizadas em 1994, que reforçam esse argumento!

 

Essa preocupação não significa dizer necessariamente que o governo português (que não pode ser confundido com o povo português – diria Amilcar Cabral) está empenhado na denúncia de comportamentos antidemocráticos das elites políticas e militares em defesa dos Direitos Humanos, consolidação da democracia e do Estado de Direito na Guiné-Bissau. O atual Primeiro-Ministro e líder do PAIGC - Carlos Gomes Júnior –representa uma linha ideológica e uma prática política extremamente dúbia: defende os interesses do povo guineense que o elegeu ao mesmo tempo em que representa na condição de porta-voz, os interesses econômicos do governo português na Guiné-Bissau (empresa Petromar, apêndice da maior empresa de combustíveis do país – Dicol - parece um caso paradigmático), da mesma forma que o presidente Viera representava os interesses da Franca por meio de negociações das riquezas do país ou privatizações das empresas nacionais (empresa de eletricidade e água EAGB, desvio generalizado do dinheiro público, nepotismo, favoritismo, perseguição acompanhada de matanças de adversários políticos) e, finalmente, a desastrosa administração pública do governo de Kumba Yalá (corrupção generalizada misturada com discursos e práticas tribalistas), são apenas alguns exemplos da cultura e da prática política das elites que assumiram o poder, da independência ao pluralismo eleitoral minimalista na Guiné-Bissau.

 

  Gâmbia

 

Embora saibamos em parte que o governo da Gâmbia não enviou soldados para o campo de batalha na Guiné-Bissau durante o conflito de 1998, o seu apoio a favor da hegemonia política de Ansumane Mane, líder da Junta Militar, parece inquestionável, alegando particularmente as relações de parentesco e de amizade com o líder militar guineense, naquele período. A variável religião também foi importante nessa relação. Vale lembrar que o líder militar guineense fazia parte da religião muçulmana, a mesma do presidente gambiano, Yahya Jammeh, que assumiu a presidência por um golpe de Estado em 22 de Julho de 1994.

 

O recente acontecimento de assassinatos coloca mais uma vez as autoridades gambianas no embrulho da disputa política na Guiné-Bissau. Trata-se da recente visita que o atual Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau - Carlos Gomes Júnior – efetuou à Gâmbia cuja pauta da proposta de cooperação a sociedade civil guineense parece desconhecer. Quem o disse foi o Conselheiro português do presidente Vieira, numa entrevista em Lisboa, segundo a qual teria falado dias antes do assassinato com o presidente Vieira onde o presidente demonstrou a preocupação com a recente visita de Jaime Gama à Guiné-Bissau, e a do Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau à Gâmbia. Também ficou sem devido esclarecimento a suposta fuga para a Gâmbia do Chefe do Estado-Maior da Armada, José Américo Bubo Na Tchuto, acusado por diversas organizações internacionais de ser um dos principais “mediadores” da passagem da droga pela Guiné-Bissau, desmentindo o argumento do governo de que o mesmo estaria planejando um novo golpe de Estado.  

 

 

França

 

Aproximação da elite governamental da Guiné-Bissau no governo de Vieira com os países francófonos apoiado pela França não parece agradar às autoridades portuguesas. A entrada da Guiné-Bissau, em 1997, no bloco econômico regional e a adoção da moeda comum franco CFA auspiciada pela França, somada à construção de um Centro Cultural Francês no país, ampliaram ainda mais a disputa geopolítica entre Portugal e França, cada um alegando à sua maneira, ser o porta-voz da Guiné-Bissau na União Europeia - UE. Essa disputa também pode ser percebida no conflito de 1998, quando a diplomacia francesa enviou contingentes militares para ajudar na manutenção de Vieira no poder.

 

De maneira geral, evidencia-se no atual cenário político guineense dois discursos antagônicos entre Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP) e a Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Enquanto a diplomacia portuguesa tenta articular o consenso ao nível da CPLP com o discurso de “pacificação” por não se tratar de um novo golpe de Estado, a CEDEAO, um bloco regional formado por 15 Estados do continente busca de alguma maneira responsabilizar os autores dos assassinatos, especialmente o do presidente Vieira, bem como a possibilidade de envio de uma força de manutenção de paz, caso for necessário, proposta militar descartada pela diplomacia portuguesa.

 

 

Senegal

 

Os sucessivos governos do Senegal sempre demonstraram receosos com o conflito político de Casamança que, há décadas, reivindicava sua independência do Senegal. As autoridades de Bissau diversas vezes foram acusadas de auspiciar os guerrilheiros de Casamança por meio da comercialização de armas. O próprio conflito de 1998 tem sua base, em grande medida, nessa acusação, sempre envolvendo direta ou indiretamente as instituições de Bissau.  Neste conflito, o governo senegalês colaborou com homens e armamento para a manutenção de Vieira na presidência. Com essa atitude militar, o governo senegalês esperava conseguir o apoio de Vieira na resolução do conflito de Casamança, o que veio a acontecer nos primeiros meses após a eleição de Vieira em 2005. Quando aconteceu o suposto ataque à residência do presidente, a primeira pessoa contatada foi o presidente do Senegal, Abdulaye Wade, cujo teor da conversa entre os dois a opinião pública parece desconhecer. Essa aproximação da autoridade senegalesa com o presidente Vieira gerou certa desconfiança entre os líderes guerrilheiros de Casamança, que deram um vasto apoio ao líder da Junta Militar com envio de homens e materiais bélicos que ajudaram na derrubada do presidente Vieira. A guerrilha de Casamança temia um provável ataque oriundo de Bissau caso Vieira permanecesse na presidência.

 

  

Guiné-Conacry

 

Já o objetivo da Guiné-Conacry se explica pela relação histórica que o presidente Vieira articulou com as autoridades da Guiné desde o período da luta de libertação contra o domínio colonial português, quando o PAIGC constituiu base de guerrilha nesse país vizinho da Costa Ocidental nos princípios do ano de 1960. Vale lembrar que desde esse período, que a Guiné-Conacry mantinha uma política de apoio ao PAIGC que fora ampliada em outras formas no governo de Lassana Conté que ascendeu ao poder através de um golpe de Estado em 1984, quatro anos após a queda do governo de Luís (irmão de Amilcar Cabral, líder fundador do PAIGC), deposto em 1980 através de um golpe de Estado liderado por Vieira.

 

Alerta: Forças Armadas

 

Em diversos textos de opinião e científico com base em dados empíricos vários pesquisadores e intelectuais, guineenses e estrangeiros alertaram de alguma maneira sobre a herança negativa do colonialismo e da luta de libertação nacional dentro das Forças Armadas e a necessidade da sua remodelação radical, bem como a forma como a mesma deveria ser conduzida. Estes textos podem ser consultados nos arquivos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), que desenvolveu vários trabalhos abordando diversas questões como a política, a sociedade, a economia, a língua e a questão étnica ou cultural. Também podem ser consultados os trabalhos mais recentes no site do Contributo e do Africanidade, dois instrumentos de comunicação de massa contemporânea com maior expressividade na sociedade guineense, especialmente entre a classe política e a elite urbana de Bissau.  Seria bom que o atual governo do PAIGC prestasse mais atenção ao INEP e valorizasse os trabalhos de pesquisadores nacionais com reconhecimento acadêmico e científico em cada área temática.

 

Em vários textos redigidos por intelectuais guineenses e estrangeiros (sendo os principais Carlos Lopes, Carlos Cardoso, Raul Fernandes, Mamadu Jau, Moema Augel, Tereza Montenegro, Patrick Chabal, Fafali Koudawo, entre outros), em que chamava atenção da herança autoritária colonial, um fenômeno não apenas ocorrido na Guiné-Bissau, mas em todos os países ex-colônias portuguesas saídos da luta de libertação nos seus territórios. No caso guineense, após a independência oficial em 1974, os militares voltaram aos quartéis, mas não deixaram o mundo político. Mudaram os presidentes e governos, mas a influência militar na política doméstica não mudou. Porque é que isso aconteceu? Na Guiné-Bissau (diria em todos os países com forte legado militar e autoritário), os militares têm objetivos bem claros que podem ou não coincidir com os projetos políticos e econômicos dos governos civis democraticamente eleitos.

 

Estamos assistindo na atual conjuntura política guineense o mesmo discurso de 1998, quando a Junta Militar com apoio da diplomacia portuguesa articulou a fala de que os militares não queriam assumir o poder ao mesmo tempo em que afirmavam que existia no país uma coexistência institucional entre a classe castrense e a autoridade civil, ou seja, os militares estavam, nessa perspectiva, sob administração do controle civil democrático. Esse discurso apareceu em todos os levantamentos militares na Guiné-Bissau, que resultou no fato de que nenhum governo ou presidente democraticamente eleito conseguiu terminar o seu mandato constitucional devido aos conflitos militares. O país possui uma tradição de conflitos sociais não institucionalizados e golpes de Estado bem sucedidos sem grandes ameaças, o que abre espaço para novas tentativas. Fala-se em justiça, mas quando os militares percebem que seus status quo são negligenciados pelo governo civil, aparecem ameaças de um novo golpe de Estado. E daí, o que fazer? Como assegurar o controle civil sobre os militares na Guiné-Bissau? Se os governos quisessem impor o controle civil sobre o militares teriam as condições básicas para fazê-lo?  Existem outras forças sociais com a capacidade de ação no sentido de estabelecer ou tentar estabelecer esse controle e de que forma seria possível?

 

Proposta: Sociedade Civil

 

A sociedade civil guineense traz alguns indícios de amadurecimento, ainda que de forma tímida, na resposta às questões acima levantadas. Trata-se da capacidade da sociedade civil organizada (ONGs, sindicatos, associações de bairro, de jovens, de mulheres, de crianças, imprensa etc.), uma sociedade civil com capacidade ampliada de ação capaz de inibir ou tentar limitar o comportamento agressivo dos militares e a corrupção do poder judiciário através da denúncia do uso da violência, acompanhada de manifestações públicas. Para tal empreitada é importante a automatização das lideranças da sociedade civil em relação aos partidos políticos. Esse papel da sociedade civil no atual contexto político explica-se em grande medida pelo fato de que os partidos políticos perderam a sua função clássica de canalizar as demandas sociais junto ao Estado e de influenciar a opinião pública.

 

Nos sucessivos golpes os líderes dos partidos políticos com maior expressão na Guiné-Bissau não denunciaram a violência e o uso da força bélica para assumir o poder. Muitos deles deram e continuam a dar um vasto apoio aos militares na derrubada de governos eleitos, com o objetivo de maximizar suas possibilidades políticas de assumir o controle do Estado. Daí o papel da sociedade civil na institucionalização da democracia na Guiné-Bissau. Essa dinâmica da sociedade civil de interferir efetivamente nos assuntos de interesse nacional pode não evitar um novo golpe de Estado, mas não facilita sua institucionalização como único caminho de acesso ao poder, colaborando extensivamente na busca de novas formas de prevenção e de resolução de conflitos internos, assim como no aprimoramento das instituições públicas.

 

[1] Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor de sociologia na Faculdade de Ipojuca - Brasil

 


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