A RECONCILIACÃO NACIONAL NA GUINÉ É « AQUELA FICHA » !

 

 

 

Dixit Malam Bacai Sanhá

 

 

Nino VieiraMalam Bacai SanháCarlos Gomes Júnior

 

     Nino Vieira|Malam Bacai Sanhá|Carlos Gomes Júnior

 

 

 

Por: Norberto Tavares de Carvalho, « O Cote »

 09.05.2006

 

Caros amigos defensores dos direitos do Homem,

 

O Sr. Bacai Sanhá  parece ter descoberto a fórmula mágica para unir os guineenses. Trata-se da « reconciliação nacional » que, segundo as suas declarações [1],  significa entre outros, o « entendimento…entre os máximos responsáveis pelo último processo eleitoral ». [2]

Só que, no entender da poda, o Sr. Bacai Sanhá, que, digo já de antemão, merece toda a minha consideração, está colocando a carroça antes dos bois. Por exemplo, com uma simplicidade extravagante, propõe a criação de um « Governo de Unidade Nacional » (GUN) que lançaria as bases de um « processo de reconciliação nacional que envolveria também o PAIGC ». Nada mau.  Só que o « nacional », aqui, parece estar restringido  num GUN e no PAIGC. Ou ainda « Temos de dar o exemplo para que possa haver ‘aquela reconciliação’ da grande família do PAIGC… » (Como quem diz : « A reconciliação nacional é ‘aquela ficha !’ »). Mas de que reconciliação nacional se trata ? Se a reconciliação no PAIGC é um pressuposto para o lançamento do grande processo de reconciliação nacional na Guiné, está tudo bem. Se a  « reconciliação nacional » não é mais do que o restabelecimento das relações outrora de cumplicidade entre o Presidente do PAIGC e o seu rival, o Sr. Bernardo Vieira, está tudo usurpado. Infelizmente, pelos dizeres do Sr. Bacai Sanhá, tudo leva a crer de que se trata do segundo caso. Quer dizer que uma vez normalizado o trato entre os dois concorrentes, poder-se-á concluir que a reconciliação nacional está ganha na Guiné. Isto quer ainda dizer que a relação de costas viradas que os dois ex-comparsas entretêm é o que impede a reconciliação nacional. Eu quero defender aqui que isto não é verdade, que tal não se trata de « reconciliação nacional » nenhuma mas sim da política da má intençao da avestruz.

A paz pressupõe um debate sobre a reconciliação nacional, e este debate implica a possibilidade de participação de toda a sociedade guineense e não só de uma ridícula minoria. Se o Sr. Bacai Sanhá quer de facto falar da reconciliação da nação guineense, que equacione então todos os elementos. É salutar que este dever moral ou esta atitude nacional e republicana comece a interessar os políticos, mas é bom parar com a valsa das demagogias e da falta de uma visão global sobre o assunto. Pois me parece que o que se preconiza de novo na Guiné não passa da intenção do velho poder reinstalado de limitar, arbitrar e reprimir toda a tentativa de vasculhar os crimes do passado com o fim de impôr uma « História oficial » desviada da verdade. Por isso se reduz o tema num perímetro abusivamente designado de «nacional».

Porque até à data actual, toda a veleidade de constestação desta « História », que seja na Guiné ou no estrangeiro, recebe a reprovação das autoridades guineenses e dos seus embaixadores. Amedrontando desta maneira o debate, o poder autoriza-se a instrumentalizar as feridas da tragédia nacional, a fragilizar o tecido social, a desonrar os que serviram a Pátria de maneira digna, a sujar a imagem dos guineenses no palco internacional e a hipotecar o processo democrático.

 

O Sr. Bacai Sanhá deve avaliar as suas declarações e compreender que ao afastar o debate do seu fulcro essencial, contribui para perpetuar a impunidade dos crimes e outros atropelos cometidos durante os tempos da ditadura e do desconcertante governo kumbayalista.

 

Deve ser evidente que a paz eventualmente negociada entre o Sr Gomes Júnior e o actual Presidente, terá sido uma reconciliação entre dois antigos cúmplices que, contas feitas, nâo tem nada a ver com o PAIGC, Governo ou Presidência. Porque, concretamente, o que se passa entre os dois é a clara estratégia da utilização de reféns num sinistro jogo de conflitos pessoais.  Como sempre, quem paga é o povo guineense que já está de certeza farto de ser constituido penhor nos ajustes de contas resultantes de falhados pactos entre diabos.

Num verdadeiro processo de reconciliação nacional os debates têm que ser abertos e levados a cabo com a participação dos guineenses dos dois sexos e de maneira nenhuma redutíveis nem ditados do topo do poder. E na elaboração do processo, devem tomar parte as vítimas das violações dos direitos humanos que devem poder tratar as suas reivindicações, reparações e aspirações. Não se pode imaginar que temas de tão elevada importância possam ser sugeridos de maneira irreflectida, sem conhecimento de causa e sem a promoção deste largo debate abrangendo toda a sociedade.

 

Os guineenses estão ainda a viver num estado de sítio em que os orgãos da imprensa oral e escrita são sistematicamente confrontados  com as pressões das autoridades, as liberdades civis estão limitadas e o poder continua a utilizar discursos intimidatórios para semear a discórdia.[3] E isto, desde os tempos em que os Sres Gomes Júnior e Bernardo Vieira andavam abraçados.

Neste exercício de mediocracia, a unidade nacional peca cada vez mais e acaba por se redundar às calendas gregas.

O Sr. Bacai Sanhá deve lembrar-se, por exemplo, da maneira como os espanhóis trataram o mesmo sujeito à volta das valas do General Franco ou mais recentemente o caso do « Projecto do memorando pela paz e a reconciliação » referendado na Argélia em Setembro de 2005. Pode-se criticar estes processos mas não são obras de varrinhas mágicas.

É evidente que há urgência em accionar os mecanismos institucionais para promover o debate sobre a reconciliação nacional na Guiné, mas, por favor, que parem as amalgamas e que deixem de lançar pólvoras nos olhos dos cidadãos.


 

[1] Veículadas nas « Notícias Lusófonas » do 20 de Abril de 2006.

[2] Idem

[3] Refiro-me às declarações incendiárias do Sr. Tagme Na Wai, General do exército, no caso casamancês.

 

 

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