O PODER E A CORTESIA ENTRE N´BUNDÉ E BINHANCARÉM
Ricardino Jacinto Dumas Teixeira * ricardino_teixeira@hotmail.com 26.01.2011 A disputa pelo poder no país de Titina Silá produziu duas lógicas paradoxais entre as elites políticas e governamentais. A primeira é a lógica da disputa do poder simbólico e material entre aqueles que lutam para controlar afincadamente todos os espaços políticos e aspectos sociais e econômicos, formais ou não, do aparelho do Estado e das relações sociais e privadas na sociedade controlada por N´bundé e Binhancarém.
Já a segunda é da cortesia política pública e excessiva para aqueles que, de alguma maneira, têm causado, no passado, algum tipo de problema relacionado com o poder de comando. Por isso o uso constante do discurso da unidade, da estabilidade e da concórdia nacional, de forma a criar um ambiente propício para o desenvolvimento do país assume um papel importante. Afinal não existe a “unidade” sem que a mesma seja regulamenta pela lei da convivência “harmoniosa” dos indivíduos na sociedade. O medo de ruptura história entre N´bundé e Binhancarém transformou-se em compaixão. Os dois precisam ser solidários nas suas relações, poupando-se o adversário, não liquida-lo totalmente, pois poderá ser útil no embate político eleitoral próximo, o que no mínimo contribui, de alguma maneira, para adiar a política de antecipação, de ajustamento, de estratégias, de golpes e contra-golpes ou táticas de neutralização total do inimigo, já que N´bundé e Binhancarém não podem viver eternamente amedrontado pelo poder personalizado, poder esse conquistado e exercido como se fosse a propriedade privada. O fato dos dois utilizarem seus poderes naturais e sobrenaturais sem consentimento da maioria da população, a contingência expressa por meio de palavras e acusações é tamanha; a certeza de futuras disputas é cada vez problemática nas suas relações. São eternos adversários políticos pelo poder. N´bundé é uma figura respeita entre “garandis”, entre os mais velhos. Ele é tratado com ternura e carinho. Binhacarém é criticado por não ter realizado, na sua adolescência, o “falado”, o ritual de passagem para uma vida adulta, o símbolo viril, sobejamente aceite e praticado nas tradições animistas em diversas comunidades e regiões africanas, e, na Guiné-Bissau, também. Nessas sociedades africanas “a palavra é ciência e a narrativa é formadora, pois o conhecimento especializado é apenas uma questão de revelação” (citando Baumann, Koudawo 1991, p. 61; Weber). Com base nessa revelação que se constrói a política de recompensa acompanhada de tanta violência verbal entre os dois, ameaças, acusações indiretas mútuas freqüentes. Mas, no fundo, se amam com ternura. Os dois são hoje os “donos” da “morança”, pois controlam o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Nenhum deles respeita os princípios formais da lógica da separação de poderes, e cada qual, a sua maneira, conta com o apoio dos homens da independência nacional da “Pátria”. Não há hipótese, em qualquer condição e contexto, de N´bundé se referir a queda da “morança” de Binhacarém sem dizer que o seu governo vai até o fim. N´bundé tomou essa decisão contra os anseios políticos dos membros da sua própria comunidade que defendiam enfaticamente um radicalismo político contra a Binhancalização do poder. A recente política da cortesia defendida por N´bundé e Binhacarém surpreendeu os moradores das duas “tabancas”. O pacto de não-agressão entre eles foi estabelecido, sabe-se lá até quando... A população receia que esse pacto venha ser rompido ou parcialmente quebrado entre N´bundé e Binhacarém. Oriundos da mesma “djorson” da antiga Casa Grande Kaabunké, suas relações de parentescos e familiares não são da época da democracia, remontam o período da expansão do islamismo nos séculos XIII e XIV, que reuniam Mandingas e Papéis, entre outras, na Casa Grande Imperial. No entanto, N´bundé é um chefe de “morança” desconfiado, político estratégico, um homem de sorriso aberto, pândigo, mas em certas circunstâncias sociais e políticas fica difícil saber em que campo político joga, ataca e/ou defende. Os membros da sua “morança” estão todos apreensivos e alguns começam até a distanciar-se do Chefe. Quando assumiu o poder no império Kaabunké que negociou uma rede ampla de clientelas que garantiu a sua vitória, N´bundé defendeu a separação de poderes, à concórdia nacional e justiça, à democracia revolucionária e o desenvolvimento pleno do kaabunké, porém, não tem conseguido, até ao momento, o resultado prometido. Binhancarém, por sua vez, apresenta-se na atual conjuntura política como o campeão. No entanto, quando confrontado, como ocorreu na Praça do Império, com os homens da independência nacional, mostrou-se vulnerável... “Eu não vou abandonar a Praça do Império, sou legítimo escolhido pelo povo...” O que fica claro nessa salada da política da recompensa é o amor pela continuidade da família kaabunkense no poder. Talvez seja o melhor, nesse início de 2011, para o bom relacionamento entre os dois. Com essa estratégia política discursiva, N´bundé e Binhancarém tentam a todo custo espalhar o discurso da confiança de que, em seus governos, o regime dos seus sonhos, o remédio da justiça e da concórdia nacional, do desenvolvimento, da democracia tal a qual as concebe, não acontecerá mais disputas de comando e do poder. A luta pelo poder hegemônico e controle do Estado e da sociedade é dura entre N´bundé e Binhancarém, mas é preciso manter a cortesia entre kaabunkenses.
* Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Pernambuco
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