PONTOS DE VISTA

 

 

Textos de Rui Jorge Semedo

 

Rui Jorge Semedo

 

Onde estamos, e para onde vamos?

 

 15/10/2004

 

Esta é a questão que temos de parar para pensar e responder. Recentemente a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou no seu relatório sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e tristemente – repito – tristemente, observamos que a Guiné-Bissau aparece na lista ocupando a 1720 posição, ou seja, a penúltima posição do ranking. Claro que não existe surpresa alguma na posição ocupada por Guiné-Bissau. Mas, literalmente, qual é o significado, ou melhor, o que isso quer nos dizer?

Isso nos disse que o País se encontra junto da linha da pobreza, ou seja, baixo índice na educação, esperança de vida, Produto Nacional Bruto (PNB) e rendimento per capita. Basicamente, aos olhos da comunidade internacional e aos dos parceiros bilateral, a Guiné-Bissau representa um emaranhado de caos social tomado pelo estado de natureza de Tomas Hobbs “onde o homem procura eliminar o outro para garantir a sua sobrevivência”.

Analisar o quadro Guiné-Bissau hoje significa achar a equação maior do que a sua extensão territorial (36.125km2), para resolver.  Isso está mais do que evidente no relatório, mas, apesar da situação crítica, não é impossível inverter a situação, projetar o desenvolvimento e simultaneamente a boa imagem do País. Para alcançar essa meta é exigida uma dose considerável de responsabilidade, onde a prioridade deve ser, sobretudo, o combate das idéias dentro do espírito democrático de forma a permitir a construção do Projeto Nacional de Desenvolvimento. Projeto isenta de cores partidária, religiosa, étnica e regional, onde a profissionalização das forças armadas (reforma) deverá ser imprescindível para o bom funcionamento das instituições políticas, sociais e religiosas do País. Por isso, Cabral sempre dizia que a luta do povo guineense não é só contra a ocupação colonial portuguesa, mas também para assentar as bases da construção do progresso econômico e social, elevar cada vez mais a consciência política nacional e criar os elementos essenciais da soberania e cidadania.

Entretanto, após trinta e um anos da independência, podemos afirmar que Guiné-Bissau é um País livre? Ou a falta de liberdade se resumia simplesmente a presença estrangeira no solo pátrio da Guiné? Não! Com todo o respeito que tenho por nossos heróis nacionais, quero afirmar que infelizmente a Guiné-Bissau nunca libertou da mediocricidade e ignorância dos seus próprios filhos. Como podemos falar de liberdade onde o cidadão está desprivilegiado dos direitos fundamentais, como: a alimentação de qualidade, a assistência médica, escolas bem aparelhada com seus professores qualificados, infra-estrutura para lazer, postos de empregos e, o pior de tudo isso é que as pessoas não têm nem a liberdade de dormir tranqüilamente, porque volta e meia, os militares saem nas ruas para “reivindicar”, ora porque as botas estão furadas, ora porque faltou caldo na comida ou porque alguém quer ser General.

Cabral por onde hoje ele estiver, deve estar a morrer de vergonha, no entanto, acho que não vai se estranhar porque também foi traído e barbaramente assassinado pelos seus amigos, como recentemente aconteceu com Paulo Correia, Ansumane Mané, Veríssimo Seabra e tantos outros que eternamente vão fazer falta a um País que padece muito de homens com capacidade, ou seja, a nossa querida Guiné. 

Longe de fazer julgamento de valor “de quem está certo ou errado”, nos diferentes cenários de que o País vem conhecendo nos últimos tempos, quero simplesmente manifestar de forma clara a minha insatisfação perante actitudes não gloriosas das forças armadas que evidencia de maneira explícita a divisão étnico-religiosa de um lado, e do outro lado à ganância pelo poder, ou seja, tirar os que estão a viver na corrupção, para da mesma forma viver nela. Matematicamente isso significa simplesmente trocar “seis por meia dúzia”, nada altera e nada melhora para o pobre povo que sempre foi e ainda continuará a ser o pagador das dívidas de actitudes sem escrúpulos das forças armadas.

O actual cenário nos faz perguntar da posição da classe política? Infelizmente, também não são flores que cheiram. Estão mais para corrupção do que para ética e compromisso com a sociedade. É verdade que o mundo da política não leva ninguém aos céus, mas, a sua ausência é o pior dos infernos. Quero com isso dizer aos que escolheram a política como profissão que faça dessa nobre actividade uma ferramenta para a construção da cidadania e não para a realização de fins próprios.

Ainda acredito que o nosso pranto brevemente transformará em alegria, por isso, quero apelar aos guineenses, principalmente, aos nossos dirigentes, intelectuais e a sociedade em geral que priorizem a tolerância, o dialogo e a unidade nacional como elementos essências para o nosso bem-estar e das gerações que virão.

Porque se não, vamos sempre estar a nos perguntar: Onde estamos, e para onde vamos?

             


 

Dedo na Consciência

 

“A grandeza de um País não depende da extensão do seu território,

mas do caráter do seu Povo”.

 

Golbert

 

 

02/12/2004

 

Quando ainda criança, depois adolescente, sempre escutava meus avôs, pais, tios, e pessoas adultas dizendo orgulhosamente em ritmos de cânticos “Bissau-nandô, piquinino na tamanhu má i garindi na fama”. A frase simbolizava não só o espírito esperançoso de uma Nação ainda em formação, como também expressava o valor cultural enraizado no amor à pátria e ao próximo. As dificuldades também faziam parte no dia-a-dia dos guineenses naquela época. Mas, mesmo assim, quando um chefe de família acordava pela manhã, olhava para casa do vizinho ao lado, e dizia satisfatoriamente em bom crioulo “ki noba di curpu nha parenti”. Hoje em dia, tudo isso mudou, em vez de cumprimentos a preocupação é perguntar ao vizinho sobre os tiroteios que foram travados durante a madrugada.

Maus hábitos desvalorizaram a honestidade de construir a nação, jogaram os sonhos das flores que brotaram em Setembro num mundo perverso tomado pelo desespero, onde se assiste a cada dia que passa a involução do Estado. Apelar aos guineenses que fizessem uma reflexão sobre o atual estado do País é a minha preocupação. Por isso, no meu primeiro artigo publicado na edição no 168 do Jornal Gazeta de Notícias, de 20 de Outubro passado, mencionei sobre a necessidade de se elaborar um Projeto de Desenvolvimento Nacional, onde os “intelectuais” precisam ser convidados para definir em parceria com o poder político o destino do País. Evidentemente, que este artigo não vai ser panacéia para os problemas da Guiné, e muito menos quem sou eu para definir os princípios que o País precisa seguir para alcançar os seus objetivos. Todavia, só sei que em torno desta idéia há centenas e até mesmo milhões de guineenses comungando com o mesmo sentimento.

Para compreender Guiné-Bissau, é preciso saber observar atenciosamente e, analisar os seus passos desde o período da formação colonial, momento em que começou a ser vítima de descriminação, por parte de Portugal, em detrimento das outras ex – colônias, simplesmente por não ser colônia de povoamento. Os reflexos negativos desse tratamento desigual, de modo geral, contribuíram para o fracasso de afirmação da Guiné-Bissau como Estado-Nação. Como se não bastassem, os novos governantes perpetuaram os erros advindos do período colonial, tais como; uma educação de baixa qualidade, escassez de mão-de-obra qualificada, sistema de saúde precário, ausência de liberdade de expressão, falta de infra-estrutura habitacional e de serviços públicos, etc. O pior ainda, é que foram criados novos problemas (erros), como; a oficialização da corrupção, e todas as formas de desvio, para fins privados, de bens, benefícios e serviços públicos, a ostentação pelo luxo entre governantes, o instinto da violência justificada pela incapacidade de dialogar e petulância de determinados grupos e pessoas carregadas de discursos e actos contra o princípio de unidade nacional.

Como resultado desse quadro, são as violências institucionais levadas a cabo pelas forças armadas, que assumiram atitudes usurpadora e infeliz de repor a ordem e justiça, actos que jamais aconteceriam no mundo de “homens civilizados”. Mundo onde se pauta pelo respeito ao funcionamento das instituições, de acordo com as atribuições, considerando, sobretudo, o princípio da legitimidade democrática. A grande saída para crise é a reforma das forças armadas, isso segundo o discurso hoje prevalecente entre diferentes arenas (política, social e religiosa) e, será que isso é a saída para resolução da questão? Afirmo que não (pode até ser uma das possibilidades), não se pode de forma alguma pensar em reformar a estrutura das forças armadas sem, no entanto, associá-la às outras estruturas sociais, por isso, aí vem a minha indagação! Que tipo de sociedade, educação, funcionários públicos administrativos, policiais, militares, governantes e até mesmo famílias temos hoje? Talvez compreender a actual formação da nossa estrutura social nos daria possibilidades mais consistentes para a questão da instabilidade político-militar que grassa a Guiné!  A sociedade guineense de um modo geral está desestruturada e, para estruturá-la, precisa-se mudar as mentalidades e hábitos das pessoas, através de um investimento forte na educação, daí vem a base para profissionalizar as forças armadas. Instrumento que vai permitir aos nossos homens das armas terem uma alta capacidade para dialogar sabendo, sobretudo, ultrapassar obstáculos institucionais por via pacifica. Para isso, o poder político tem que criar fortes parcerias com associações que “agregam valores intelectuais guineenses”, como é o caso da Associação Guineense de Estudantes e Quadros “BOLANHA” e outras do mesmo gênero, tanto a nível interno, quanto externo, para participarem na elaboração do Projeto de Desenvolvimento Nacional.

A Guiné - Bissau como nação, precisa estabelecer e cumprir acordos de cooperação e de ajuda mútua, principalmente, com as nações que comungam um mesmo sentimento histórico secular. Nesse sentido, a visita da comissão técnica da Comunidade dos Países da Língua oficial Portuguesa “CPLP” deve ser enquadrada como “mais” um gesto da comunidade na possibilidade de encontrar soluções para a paz. É lógico que toda a actuação da Comunidade tem que ser definida com base nos preceitos constitucionais que rege o Estado da Guiné-Bissau. Agora o que também é lamentável é o discurso criminoso que alguns partidos têm proferido sobre a questão, comportamentos vagos que não criam alternativas quanto à resolução da difícil situação que o País vem enfrentando desde 1998. Desafortunadamente, não se pode negar que os partidos sem exceção foram principais canalizadores da instabilidade político-militar.

É pura verdade que tanto o poder político quanto militar, demonstraram a falta de competência para lidar com questões sensíveis do país, nesse caso, quando um chefe de família não consegue pôr a casa em ordem, resta-lhe a contribuição da vizinhança para restabelecer a ordem, e é isso exatamente a tentativa da CPLP. Isso não é humilhação, nem é violação da soberania como tem sido comentado, pelo contrário, é um gesto solidário de países irmãos que querem ver Guiné crescendo. 

Só vamos conseguir mudar Guiné-Bissau, mudando o nosso caráter de homens público, que estão a serviço da “rés pública”, coisa pública.  


 

QUANTO VALE O SEU VOTO?

 

As eleições são verdadeiramente um instrumento pelo qual os

eleitores podem punir ou premiar candidatos.

 

Guillermo O’Donnel

 

10/02/2005

 

Poucas vezes as pessoas pararam para pensar quantas são responsáveis pela escolha do seu governo. Obviamente, essa falta de atenção, ou melhor, ausência de capacidade política na hora de decidir o destino da Nação, pode ser verificada tanto nas democracias com alta institucionalização, quanto nas de baixa institucionalização, mas, é nessa última que o desrespeito pelo valor do voto continua a ser banalizado.

A democracia não se resume simplesmente na realização de eleições livres e justas. Mas, requer um conjunto complexo de acções constitucionais que visam salvaguardar não só a sobrevivência das instituições políticas, como também zelar pelo bem-estar da sociedade. Nesse sentido, o exercício da plena cidadania passa necessariamente pelo posicionamento da sociedade “eleitor”, ou seja, o acto de votar deve significar a responsabilidade de saber selecionar o “melhor governo” entre os concorrentes (partidos ou candidatos) e não um simples acto de favorecer o candidato mediante princípios familiares, étnicos ou religiosos.

Na Guiné-Bissau a democracia ainda se encontra no processo de gestação. Inequivocamente, se o objectivo principal de luta armada contra a ocupação colonial portuguesa era unir os diversos segmentos sociais e étnicos em torno de ideologia da unidade nacional, contrariamente a esse princípio, a prática da política partidária que surgiu no inicio dos anos 90, com o advento de abertura democrática tem sido usada como instrumento segregador do mosaico etno-cultural guieneense. Tanto é assim, que fazer política significa pertencer a um grupo étnico, e de preferência saber falar o respectivo dialeto, e acima de tudo ter nome e sobrenome típico que o identifique com o grupo.

Em contrapartida, ao ganhar eleições, os governantes não se preocupam minimamente nem com o grupo étnico A, B ou C, nem com a sociedade como todo. Normalmente, a agenda fica preenchida com necessidades particulares e rede de “amiguinhos” que muitas das vezes são beneficiados por favores poucos esclarecedores de quem esta no poder. Ou seja, o principio da vida política guineense apresenta uma excessiva influência de troca de favores entre governantes e seus “amiguinhos”.

Nas vésperas de fechar o segundo ciclo da terceira eleição que o País já realizou a capacidade de discernir certas práticas demagógicas dos candidatos ainda está longe do alcance do eleitor, não só porque a democracia é um fenômeno novo, desconhecido pela grande maioria dos eleitores, mas pela actitude criminosa dos candidatos que usam o simbolismo étnico (uso de trajes étnicos) para confundir eleitores menos esclarecidos. Precisa-se urgentemente a revisão da Lei Quadro dos Partidos Políticos como forma de criar barreiras legais a esse tipo de manipulação criminosa. Quem tiver interesse em apresentar dotes culturais de algum grupo étnico, pode se utilizar várias ocasiões, como carnaval (que é a maior festa cultural do país), ritual do fanadu, toka tchur e outros cerimoniais onde a pessoa pode, e deve, manifestar livremente, sem perturbações, suas afecções culturais. “Usar simbolismo étnico para fazer campanha eleitoral deve ser considerado de prática criminosa que a lei deve punir”. Agora, espero que a classe política, principalmente, os Deputados, tenha a humildade e a ousadia de analisar a prática política que vigora no País e elaborar leis que possam garantir o exercício de uma democracia mais saudável. Precisamos salvaguardar o civismo e o intercâmbio cultural que ao longo de séculos foram estabelecidos entre diversos grupos étnicos. Isso pode ser constatado nos actos matrimoniais, nos rituais religiosos e nos momentos de dor, nesse último aspecto podemos mencionar 7 de Junho como exemplo vivo de solidariedade-étnica.

Voltando a questão principal, “o valor que um acto de votar deve ter” – questão que continua a ser para muitos eleitores bicho de sete cabeças. Na realidade, isso não passa de uma actitude racional, em que o eleitor precisa ter sangue frio para selecionar o melhor governo. Pode até surgir a dúvida! Como selecionar um governo bom? A resposta será simples. Vamos tomar como referência o desempenho do governo que está no poder, relacionando-o com fluxos de benefícios provenientes de atividades governamentais que podemos usufruir, como; qualidade de escola onde o nosso filho estuda, serviços nos hospitais, nossa situação alimentar, salário dos funcionários públicos, sistema de segurança da população, situação energética, condições das estradas e dos bairros da nossa cidade e situação dos direitos humanos. Quando esses requisitos forem razoavelmente satisfatórios, poderá existir a possibilidade de renovar a confiança no governo, mas quando forem inversos, a solução é mudar para partido ou candidato que vai nos proporcionar melhores hipóteses de executar políticas públicas.

Em linhas gerais, podemos identificar que um posicionamento racional em escolher personalidades para guiar o destino do País pode nos trazer benefícios palpáveis e ao mesmo tempo servirá de instrumento para punir falsos políticos e presentear os honestos e sensatos. Quero, no entanto, convidar a cada eleitor guineense que fizesse uma análise profunda sobre o estado da Nação e, na eleição presidencial que se avizinha saber escolher racionalmente um Presidente que vai defender a Rés-Pública (coisa pública).


 

 

PALAVRA DE ORDEM

 

“Os que sabem devem ensinar aos que não sabem”.

 

Amílcar Cabral

 

 

15/03/2005

 

A preocupação de Cabral não se resumia na desocupação da Guiné e das ilhas de Cabo-Verde pelas forças invasoras portuguesas, mas se centrava na formação do homem guineense e cabo-verdiano como mecanismo inalienável e sustentável ao desenvolvimento dos dois países.

No decorrer de luta de libertação nacional foi lançado, em 1964, o vibrante apelo à disseminação do conhecimento. Despido de preconceito, a “Palavra de Ordem – os que sabem devem ensinar aos que não sabem” não ignora uma determinada classe social em detrimento da outra, fato que, em diversas obras, tanto as que foram produzidas por Cabral, como nas celebres lições de Paulo Freire, ficou comprovado de que não existe saber mais ou saber menos, mas, existe saberes diferentes. Porém, a ideologia lançada situa-se mais no sentido cooperativo, ou seja, de o agricultor ensinar o professor como semear a terra, da mesma forma que este último tem por obrigatoriedade de ensiná-lo (agricultor), a escrever o seu nome. É o que exatamente hoje entendemos por interdisciplinaridade ou troca de conhecimentos.

Infelizmente, não houve coerência quanto aos ensinamentos deixados por “Mestre Guineense”. Ninguém ensinou ninguém a praticar o necessário (o bem), o curioso é que todo mundo aprendeu a roubar o bem público, literalmente, criou-se uma aversão ao conhecimento e a honestidade. A título de exemplo, podemos tomar emprestada a lição bíblica (Gênese 3:14-21). A desobediência de Adão e Eva às leis de Deus fez nascer o sofrimento aos descendentes. Claro que não se pode igualar Cabral a Deus, mas, ele sabia e previa o peso que um conhecimento bem elaborado e aplicado pode proporcionar a qualquer que seja sociedade.

Por isso, vale ressaltar que a falta de um investimento sério na educação pode ser visto como grande causador do retrocesso do país. É óbvio que o conhecimento adquirido no banco da escola, não é o único instrumento necessário para capacitar a afirmação de qualquer que seja o indivíduo a administrar os desafios que o quotidiano lhe impõe, mas, sua ausência muita das vezes desarma-o, deixando-lhe a mercê de tudo aquilo que podemos imaginar por sofrimento.

É extremamente importante salientar que o “desenvolvimento” se constrói com duas categorias de homens: uma de “homens comuns” e a outra de “homens dotados de conhecimentos especiais”, sendo que esta última categoria deve assumir o papel de elaborar as idéias e mostrar o caminho a seguir, enquanto que a primeira opera mais no sentido da execução de idéias. No caso da Guiné-Bissau, muito embora sem ter dados estatísticos que comprovassem o argumento, vou me arriscar a afirmar (acredito existir muita concordância nesse sentido), que mais de 80% dos quadros (pessoas de nível médio e superior), vivem fora do país, com o objectivo de garantir a estabilidade econômica e apoiar a parte da família que vive na Guiné.

Paradoxalmente a essa situação, existe um número considerável de quadros que não conseguiram melhor engajamento nos países de acolhimento, mas que jamais pensaram num possível regresso a origem, e contribuir com seus conhecimentos para melhorar a miserável situação da Guiné. Alguns preferem trocar longos anos de estudos com oneroso trabalho nas obras de construção civil, e outros que se acham mais tênues, preferem viver no mundo do dinheiro fácil, como traficar droga ou aplicar golpes de estelionato nas pessoas descuidadas.

Claro que o vilão da história é o governo guineense, que nunca soube se estruturar para garantir a estabilidade da sociedade. O descaso do comportamento governativo coloca o país na situação de perda humilhante e de calamidade pública. Na expectativa de explicitar o argumento de que é o País quem sai a perder, me despertou a fazer essa interrogação! Quem é o País? No meu conceito, o País significa toda a sociedade guineense, tanta a que está no espaço geográfico denominado Guiné-Bissau, quanta a que está fora dele. Ambas estão sujeitas à mesma derrota... “a da incompetência”. Situação que já é perceptível, recentemente a Suécia que sempre foi o parceiro da primeira hora da Guiné, resolveu tirar sua Agência “ASDI” que prestava apoio de desenvolvimento ao país, e ainda houve puxão-de-orelhas: “Guiné precisa caminhar com seus pés”. Talvez por questões diplomáticas o representante do governo sueco, Sr. Lars Berg, preferiu ser maleável e evitou dizer que “precisamos ser mais competentes, mais humanos e mais coerentes” para administrar nosso destino.

Concluindo: é lógico que ninguém gosta de viver fora do próprio país, muito embora, as circunstâncias acabam sendo factores determinantes do fenômeno da emigração, mas, uma coisa não se pode esquecer – que o desenvolvimento da Guiné-Bissau não vai ser construído pela Suécia, Banco Mundial, Comunidade dos Países da Língua oficial Portuguesa, Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental ou pela União Européia. Essas entidades são apenas parceiras do desenvolvimento, e suas actuações vão de acordo com a credibilidade interna de cada país. O futuro depende das habilidades dos guineenses em saber enfrentar os desafios, temer enfrentá-los pode ser atitude covarde e comprometedora. Faz-se necessário esclarecer, que se os próprios guineenses fogem da responsabilidade de construir o próprio país, alegando a instabilidade política e pobreza generalizada, imaginam quais devem ser a posição das pessoas ou entidades estrangeiras? Talvez a resposta para essa fatalidade possa ser encontrada na “reflexão nacionalista” de cada guineense.

Di fabur nô bai neni Guiné púbis!!! 


 

 

A IRRESPONSABILIDADE DOS MOVIMENTOS INFANTIS

 

 “Um Tolo encontra sempre outro maior que o admira”.

 

Boileau

 

31/03/2005

 

A maior desgraça que pode acontecer com um povo, é ter a frente do seu destino personalidades que mal sabem representá-lo e muito menos zelar pelo seu bem-estar social.

Fazer política partidária, votar e ser votado são direitos que assistem a qualquer cidadão, desde que sua pessoa se enquadra nos parâmetros definidos pela lei magna. Para além dessa vertente de carácter institucional, também existe, ou melhor, se faz necessário levar em consideração a questão da responsabilidade ética que é o pilar fundamental para avaliar o carácter da pessoa que pretende assumir o mais alto cargo da soberania, a Presidência da República. Sendo a República coisa pública, toda a tomada de decisão que envolve sua estrutura social, deve ser o mais sagrado compromisso com o que ela tem de mais precioso, o povo. No entanto, só pode ser brincadeira de mau gosto o surgimento de movimentos que apóiam as candidaturas de pessoas que atentaram criminosamente contra princípios elementares dos direitos do homem na Guiné, como são os casos dos ex-presidentes Nino Vieira e Koumba Ialá.

Sem entrar em pormenores, basta analisar o dramático passado recente, para entender de que jamais o Diabo se transformará em Santo para fazer milagres. No mínimo das hipóteses, talvez só um Tolo possa acreditar na lenda. O exercício da actividade política deve ser encarado com tamanha seriedade da mesma forma que são encaradas profissões como carpintaria, mecânica, medicina, agronomia, etc. , ou seja, se na verdade é pelo trabalho que se conhece o trabalhador, não vou me hesitar em afirmar que a única coisa que os ex-presidentes sabem fazer é NADA.

Senão vejamos: Nino Vieira assumiu o poder em 1980 mediante um Golpe de Estado que depôs o então presidente Luís Cabral. Durante aproximadamente onze anos da ditadura militar sob o seu comando, teve vários assassinatos de pais de famílias, prisões arbitrárias e perseguições aos opositores do regime. Com a transição nos anos 90 para a democracia, o pobre povo foi chamado às urnas para renovar inocentemente sua confiança no ditador, resultado – conduziu o País ao conflito armado de 1998 que, além de ceifar centenas de vidas, devastou a pacata infra-estrutura do País. No desespero de encontrar o salvador da pátria, surgiu o “filósofo, teólogo e direitólogo” Koumba Ialá, de origem humilde, cujos traços sociais se identificavam muito com a maioria da população, motivos que o possibilitaram a vencer com a maioria absoluta a eleição presidencial de 1999, com cerca de 72% dos votos. Ao ser empossado, a sociedade guineense e a comunidade internacional assistiram aquilo que pode ser considerado, até o momento, o maior espectáculo de abuso de poder na Guiné-Bissau; prendeu os jornalistas, fechou Jornais, Rádios e Emissora de Televisão, acabou com a independência do Poder Judiciário ao destituir do cargo o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (eleito pelos seus pares), e inconstitucionalmente nomeou outro no lugar deste. Derrubou a Assembléia Legislativa e o Governo, e conseqüentemente, formou o Governo de iniciativa presidencial, expulsou a seita islâmica Hamadya do País, teve perseguições, assassinatos a esclarecer de alguns oficiais militares, e para fechar o ciclo, foi derrubado por Golpe de Estado em 14 de Setembro de 2003.

Agora resta perguntar aos Movimentos de apoio às Candidaturas: que povo no mundo merece ser governado por esses dois fantasmas que fabricam a instabilidade? Outrossim, convém dizer, que os dois homens simplesmente contribuíram para deixar o País no estado em que hoje se encontra; insegurança, medo, miséria, doença e desespero. Pode até parecer estranho o silêncio do povo quanto ao petulante comportamento do Movimento Koumba Presidente, (MKP), mas, ele não é tão burro para compactuar com a desordem. Como é que o povo pode apostar no regresso de Koumba Ialá ao poder, se bem antes de ser eleito já provou o seu habitual carácter de navegar à margem das leis. Logo no seu regresso após sua viagem ao exterior, protagonizou a manifestação ilegal, ou seja, sem permissão de autoridades competentes, desafiou forças de ordem pública, parou o trânsito na cidade e provocou tamanha desordem. A “Bandeira Branca” que Koumba carrega, é mais uma habilidade para esconder o seu verdadeiro rosto: ódio, agressividade e sangue, ou melhor, sua personalidade violenta se simboliza no “Barrete Vermelho”, que nada tem haver com o seu uso tradicional. É preciso deixar isso bem claro. Agora, se pessoas querem promover o regresso de Nino Vieira ou Koumba Ialá por questões de benefícios pessoais (o que pode ser a desgraça nacional), é uma outra explicação! E, afirmar categoricamente que são homens da paz e unidade nacional, pelo amor de Deus, só pode ser passatempo de “homens pequenos”.

Tanto o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo-Verde, (PAIGC), quanto o Partido de Renovação Social, (PRS), têm pessoas que podem concorrer, vencer a eleição e dar seu melhor contributo ao País. A Guiné não pode continuar a adiar o seu futuro, acreditando nas figuras que já provaram mais do que suficiente, de que nem do jumento são capazes de cuidar. De certo modo, é motivo de regozijo saber que dentro desses partidos, PAIGC e PRS, existem personalidades moderadas, democráticas e com a visão política de reconhecido valor, e por outro lado, causa nostalgia verem oportunistas clamarem pela desordem.

A desordem que começou com o assassinato do Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, General Veríssimo Correia Seabra, que supostamente foi à queda da barreira para facilitar a candidatura de Koumba Ialá, sob pressão. Isso foi deixado em uma entrevista dada por Koumba Ialá, que diz o seguinte: “se o tribunal impugnar minha participação na eleição, vou tomar o poder da forma que saí”. E agora, dá para entender o porquê da morte do General Veríssimo? Ou ainda tem pessoas a duvidar da existência de “Movimentos Fantasmas” a cozinhar o regresso do ditador ao poder? Bem, isso pode provar, mais uma vez, o espírito maligno de Koumba Ialá – como dizia José Carlos – “si bu djuntá ku purku, forel ku bu ta kumé”.  

O que faz da democracia um “jogo político”, é a oportunidade que ela dá aos “jogadores” de competir e criar alternativas viáveis que oferece, sobretudo, paz social, prudência, virtude e alternância de poder entre os participantes. Vamos primar por essa lógica afim de não continuarmos a admirar os Tolos.

 


O MITO DA RECONCILIAÇÃO

 

Os crimes são cometidos pela falta de cultura, pela má educação, e pela

viciosa organização do Estado.

 

Platão

 

28/04/2005

 

A língua é um processo dinâmico em constante transformação. A medida que o tempo  passa, surgem novos termos para enriquecer o vocabulário local de qualquer povo. Com o advento do período cíclico da instabilidade política na Guiné, surgiu o termo “Reconciliação”, de origem latina (reconciliatione), e que faz parte do vocabulário português. A princípio, acredito que o uso deste termo é extremamente relevante se, pelo menos, as pessoas conseguissem traduzi-lo no seu sentido prático de promoção da paz, de respeito pelos direitos individuais e coletivos, de tolerância, perdão e união das partes beligerantes. Quando a intenção de usar o termo Reconciliação não for associada com a ação de construir e aproximar as pessoas, seu verdadeiro sentido se transforma em utopia. Hoje em Bissau está em voga escutar nos discursos falaciosos dos governantes e políticos o uso do termo Reconciliação. Nota-se que, o que existe na realidade é um sentimento maquiado de querer “falar bonito”, porque contrariamente aos discursos, nos é apresentado diariamente comportamentos grosseiros e prepotentes avessos ao que se veicula nos discursos.

Começamos a escutar a promessa reconciliadora após o levantamento inglório de Junho de 1998. O então Comandante da extinta Junta Militar, defunto General Ansumane Mané nas suas aparições relâmpagos sempre dizia que “jamais os militares voltarão a pegar em armas para desestabilizar a ordem pública”. Quem tinha acreditado na falácia se deu mal, ou seja, um ano e seis meses depois (6 Maio de 1999 a 20 Novembro de 2000), os militares que outrora foram amigos, pegaram em armas e assassinaram o General Ansumane Mané. Com a sua morte, o defunto General Veríssimo Seabra assumiu a chefia do Estado Maior com a mesma promessa, – “a sociedade guineense pode se tranqüilizar porque jamais pegaremos em armas contra o nosso próprio povo”, moral da história, pouco menos de completar quatro anos no comando das forças armadas, foi assassinado e todos os oficiais que pertenciam a chefia de Estado Maior foram afastados do cargo a mando dos militares revoltosos. Ainda nesse mesmo episódio, contra a vontade do governo e dos movimentos organizados da sociedade civil, os militares revoltosos impuseram o nome do Brigadeiro Baptista Tagme na Waie para ocupar o lugar de Chefe de Estado Maior das Forças armadas.

Ao assumir o cargo, escutamos a mesma promessa, – “comigo na chefia do Estado Maior, não tem mais revoltas e nem perseguições”. Não obstante, começou a promover a reintegração de alguns oficiais que nos anteriores conflitos foram afastados do exercício das funções. Bem, até aqui vimos que o novo General está preocupado em reconciliar os homens das armas, só que não foi justo, fingiu esquecer dos que foram afastados nos últimos acontecimentos de 6 de Outubro, no qual foi assassinado o seu antecessor Veríssimo Seabra. Bem, se a intenção é reconciliar, porquê que outros foram excluídos? Na verdade, reconciliar uma estrutura militar fragmentada e devastada pelos períodos cíclicos de revoltas, como é o caso das Forças Armadas da Guiné, exige pensar em diversos mecanismos, e o mais elementar não é promover reintegrações discriminatórias como temos visto, mas é permitir primeiramente a total submissão do poder militar ao poder civil, como manda claramente a constituição da República.

Hoje temos um governo que apesar das dificuldades crônicas do País, e da interferência dos militares nos assuntos que não lhe dizem respeito, procura na medida do possível transmitir a esperança de que ainda é necessário continuar a acreditar na recuperação da imagem perdida interna e externamente pelo País. O Primeiro Ministro não controla as instituições que dirige tudo porque suas atribuições foram seqüestradas, ou seja, os todos poderosos Generais fizeram dos outros poderes reféns de suas vontades.

Há algumas semanas atrás pousou sem permissão oficial do Governo no Estádio de futebol 24 de Setembro um helicóptero militar da vizinha Guiné Conakry que trouxe a bordo o ex-presidente Nino Vieira. Ao deixar o estádio, o avião seguiu diretamente para Marinha de Guerra Nacional onde ficou permanecido durante dois dias, esperando a volta do passageiro. Como qualquer guineense, acho que o ex-presidente Nino Vieira tem o direito de entrar na terra que o viu nascer, no entanto, já que o governo desautorizou a entrada de aeronave militar no território Nacional, ele podia se utilizar de vôos domésticos para visitar o País ou tratar dos assuntos que lhe interessam. Não foi isso o que aconteceu. Mais uma vez, os militares desafiaram o poder civil e autorizaram ilegalmente a entrada da aeronave e do homem que eles mesmos derrubaram do poder à custa do sangue de centenas de inocentes, entre os quais, mulheres e crianças.

O acto isolado dos militares vem contrariando aquilo que o nome da instituição diz – Forças Armadas Revolucionária do Povo (FARP). A instituição foi criada num período histórico heróico (de luta pela descolonização) para dar segurança e garantir paz social a todo o cidadão que vive no espaço territorial da Guiné-Bissau. É triste quando se vê que esta mesma instituição está sendo utilizada para devorar a carne humana do seu próprio povo, é triste quando temos a certeza que vivemos num País naturalmente rico, mas que somos miseráveis, é triste saber que uma criança nasceu sem ter o amor do pai que foi levado por uma bala assassina, é ainda mais triste quando todo o País sabe que está condenado a pena de morte, quer seja por balas, doenças, fome ou analfabetismo.

A necessidade de haver a mudança de postura por parte das Forças Armadas é de extrema urgência, isso não só no sentido de poder permitir o controle de políticas públicas por parte do poder civil, mas, no sentido de que essa mudança tenderá a permitir que a própria instituição militar economize muitas vidas dos seus soldados e oficiais, que nos últimos seis anos (1998 a 2004), foram altamente consumidos pelos canhões. Se isso não acontecer vamos continuar a assistir o velho ditado de: aqui se faz aqui se paga, a vida é um restaurante, a conta sempre chega. 

 


 

SUPREMO TRIBUNAL CRUCIFICA GUINÉ-BISSAU

 

Não somos responsáveis apenas pelo que fazemos,

 mas também pelo que deixamos de fazer...

 

Molière

                                                         

 

19/05/2005

 

Diz o ditado popular: a lei é como teia de aranha, só captura o menos forte. Para sermos mais coerentes, a lei é na maioria das vezes clara e justa, a ignorância e sua má interpretação levam com que muitas das vezes ela seja tida como instrumento do mais forte. Aliás, duma coisa eu já tinha conhecimento, que em Bissau uma rua é denominada de Rua Sem Lei, o que não significaria que os seus moradores são perversos à ordem social. Agora, só não percebia que a Guiné-Bissau é Terra Sem Lei. Tudo é permitido fazer; matar, roubar, mentir, caluniar e até estuprar mulheres. A única coisa ou acto proibido é ser justo. Ou seja, o justo sempre ganha a punição da perversidade do sistema.

Mais uma vez, a Justiça guineense provou a incompetência e a incapacidade não só de lidar com “situações delicadas” que envolvem a Nação, como igualmente provou que ainda ela é propriedade dos Generais. A aprovação das candidaturas dos ex-presidentes e rejeição de outras merecedoras (como a do Francisco Fadul) não passa de julgamento medíocre e infeliz que põe e porá em causa o verdadeiro sentido do “processo democrático” em construção. A decisão judicial do Supremo simplesmente legitimou a impunidade e abriu as portas para mais golpes assassinos, deu cartão de crédito para a permanência de movimentos vândalos; foi mais uma garantia para outros Ninos e Koumbas voltarem a matar, torturar, roubar, perseguir, censurar, oprimir, ou melhor, estamos em evidências de novamente sermos massacrados e devorados pelos “grupos neonazistas” que ainda concebem a Guiné e os guineenses como propriedades.

O que não dá para entender, ou melhor, precisamos saber o que os nossos Juizes fazem? Porque uma coisa sabemos, que, à custa do povo, ganham mais do que deveriam, quando na verdade não fazem nada. No momento em que o povo mais precisa de seus préstimos, fizeram a borrada. Não pode existir paixão só pelo dinheiro gordo e mordomias adicionais (carro, casa e freqüente viajem ao exterior), mas também, é mister na hora de opinar ousar. Mesmo com armas na nuca dizer não a aquilo que é injusto e que compromete o princípio da vontade geral. Uma coisa precisa-se saber que as instituições públicas não foram criadas para defender interesses de classes dos camponeses, dos médicos, dos padeiros, dos engenheiros, das igrejas, dos políticos e muito menos dos militares; a instituição deve operar em prol da Nação, munida de princípios éticos como suporte para uma tomada de decisão imparcial. Será que a aplicação da lei vai continuar a ser só para ladrões de galinhas? Ou também deve valer de igual forma para ladrões de boi, búfalo ou tubarão?   

Excelências, se na verdade os (as) senhores (as) são bons interpretadores da lei, o justo não é aceitar as candidaturas dos ex-presidentes. Mas, é voltar atrás e condenar o acto praticado a partir de Junho de 98, e determinar a recondução de Nino Vieira ao poder, porque num estado democrático é ilegítimo e criminoso qualquer acto violento que derrube o poder, desde que não seja pelos princípios das urnas, expressa pela vontade popular. É preciso que alguém ouse dizer para os militares, de que não são e nem serão elementos legítimos para pronunciar ou rebelar em nome do povo quando o assunto é a escolha do governo. O papel dos militares é prevenir o País da invasão externa e manter a paz interna. Cabe ao povo o de escolher, rebelar e reivindicar mediante seus movimentos organizados contra a desgovernação do País, sem esquecer de respeitar os princípios que a lei lhes conceda.

Em várias nações do mundo, onde tem como princípios a responsabilidade política e social (Estados Unidos de América, alguns países da Europa e mesmo nos países onde a democracia é ainda incipiente), não é prioritário ser cem por cento originário (ser da quinta geração) do local, para se candidatar à Presidência da República. O factor determinante é o carácter do candidato e a leitura que o povo fará dele; se merece ou não ser elegido como tal. Acho que na Guiné não deveria existir motivos para dúvidas. Já tivemos experiências nesse sentido! Se não podemos indagar: entre Amílcar Cabral, Luís Cabral tidos como “filhos ilegítimos da Guiné” e Nino Vieira, Koumba Ialá considerados pela lei segregadora de“filhos legítimos”, quais foram mais úteis para o País? Quais deles demonstraram o verdadeiro sentido nacionalista? Que os legisladores respondam isso para o povo!

Bem, não sei se os Senhores são dignos do nome, mas, vou-me arriscar a utilizá-lo. Senhores Deputados, representantes do povo, a existência da lei no3/98 do arto101 da Constituição, que proíbem alguns guineenses de concorrer ao mais alto cargo do País, ferem os princípios pelos quais Amílcar Cabral e outros “verdadeiros filhos” da Guiné dedicaram toda juventude e ainda pagaram com a morte para construir uma nação independente, onde o seu filho jamais será descriminado. Sem inclinação pessoal pelo fulano ou sicrano quero dizer que, se pessoas como “Amílcar Cabral”, Luís Cabral, Vasco Cabral, Francisco Fadul, Agnelo Regalla, Victor Mandinga, Amine Saad e outras pessoas, não são guineenses, de outros países também não são, e muito menos são extraterrestres! E além do mais, não pode existir cidadão pela metade, ou eles são guineenses ou não são isso é a verdade. E ser guineense não é pertencer simplesmente às tribos Balantas, Papeis, Bijagós, Fulas, Mancanhas, Mandingas, Nalús etc. é ser patriota e ousar morrer em nome do povo. É isso que importa.

Hoje no mundo a tendência dos países é aproveitar da melhor forma possível o seu cérebro, para poder imprimir maior velocidade ao processo do desenvolvimento que cada vez está mais competitivo. Contrariamente a essa preocupação mundial, na Guiné-Bissau ainda estamos na “idade da pedra”; algumas pessoas com medo de não serem vistos por incompetência própria, se atrelam ao discurso e acto xenófobo contra pessoas que também merecem a mesma oportunidade dos ditos fidjus di terra.

Apesar das evidências claras que indicam o regresso forçado de Koumba ao poder – como o assassinato bem orquestrado do General Veríssimo, que nada tem haver com desvio da verba destinada ao pagamento do salário dos militares que foram participar da missão de paz em Libéria, aliás, isso ficou comprovado, com o seu pagamento posterior       e a desastrosa decisão do Supremo Tribunal de “In-Justiça” – o eleitor guineense precisa reverter a situação e votar num candidato comprometido com a paz e o bem-estar de todos.  A Guiné-Bissau precisa ressuscitar nas urnas no dia 19 de Junho.


 

A ABERTURA DE MAIS UMA VALA COMUM

 

Podemos caminhar sem pressa,

                                                                                            mas nunca caminhar para trás.

 

Abraham Lincoln

 

29/07/2005

 

Não é preciso ser um exímio observador para fazer a leitura das coisas que inacreditavelmente ainda acontecem na Guiné. Os acontecimentos de Junho de 98 e as sucessivas tragédias, infelizmente não serviram de exemplos para deixar alguns guineenses mais atenciosos às armadilhas de delinqüentes do poder.

Tenho plena consciência de que o hábito pela leitura é ainda uma prática bastante distante ao quotidiano de grande maioria dos guineenses, e os poucos que a fazem muita das vezes ignoram o conteúdo da mensagem e o enorme esforço intelectual de quem a redige. Facto que jamais deverá significar derrota para quem se sente obrigado dessa árdua missão. Durante o período da campanha eleitoral que culminou com a eleição de Nino Vieira com 52,35% dos votos contra 47,65% de Malam Bacai. Muitos patriotas impossibilitados de poder transmitir corpo a corpo suas mensagens usaram alguns meios de comunicação como jornal impresso e Internet para chamar a atenção da sociedade guineense sobre possíveis perigos de uma má escolha. Apesar de muita dedicação, o esforço despendido abraçou o vazio, e o sorriso das nossas crianças foi mais uma vez adiado, por seus próprios pais e irmãos mais velhos. 

Chamado às urnas neste último 24 de Julho, o povo no seu acto soberano fez sua escolha. Que por sinal, e com base no passado recente não é das melhores.  Mas, que em todo caso precisa ser respeitada dada à própria conjuntura do País. Além do mais, o princípio do jogo democrático exige o cumprimento do veredicto das urnas. O que me deixa perplexo é o valor do patrimônio ético-moral de certas figuras, entre as quais Francisco Fadul, Helder Proença e Koumba Ialá que no decorrer do conflito armado de Junho de 98 estavam do outro lado de “Bissau-Zinho” dizendo para população tudo que achavam saber de Nino Vieira. E hoje? Hoje para essas mesmas pessoas, o homem que eles chegaram a considerar de assassino, corrupto, pedófilo, traidor e ditador passa a ser peremptoriamente o símbolo de unidade nacional. Mas que falta de caráter!

Bem, a personalidade de Helder Proença e Koumba Ialá, principalmente deste último, cujo valor ético custa menos que um centavo furado, já era previsível. Quem pelo menos surpreendeu um pouco, foi Francisco Fadul que aparentava ser um pouco melhor do que os outros, mas revelou ser um mau caráter também. Durante seu refúgio em Portugal, Fadul questionava a sanidade mental de Koumba Ialá, devido a má conduta deste enquanto presidente da República, agora ele me parece mais doentio do que uma pessoa sem roupa jogando latas e pedras pelas calçadas imundas.

Pouco me importa defender o candidato A ou B, simplesmente acho falta de consideração pelas famílias de pessoas que morreram ou que sofreram na pele os horrores dos onze meses de conflito armado de 98, que ainda hoje reflete profundamente no nosso quotidiano, e o pior de tudo, é escutar um ex-mentor “intelectual” da Junta Militar afirmar que Nino Vieira é o garante da paz e da  unidade nacional.

Se hoje na Guiné temos que elogiar a postura política de um dos candidatos derrotados na primeira volta, essa pessoa deve ser o candidato Adelino Mano Queta, que decidiu não ser oportunista e recusou apoiar qualquer um dos dois classificados à segunda volta, já que ambos apresentam um passado político comprometedor. É justamente dessa postura que os senhores Koumba Ialá e Francisco Fadul precisam, e não de aplicação de questionário, como maliciosamente fez este último.

A eleição de Nino Vieira provavelmente conduzirá, ou melhor, tende a afundar ainda mais a Guiné no pântano político. Ficou claro que ele não vai conviver com o actual Executivo e nem com qualquer outro que possa sair de actual direcção do PAIGC liderado pelo primeiro ministro Carlos Gomes Júnior. Por enquanto só nos resta perguntar o seguinte: Será que o País está em condições financeiras de realizar eleição legislativa antecipada? Caso o primeiro ministro não venha a se demitir como havia prometido, até quando e como será sua convivência com a Presidência da República?  Custa-me no momento encontrar respostas para as questões acima colocadas, mas a certeza que tenho é que o Fadul em detrimento de Koumba Ialá aparecerá como possível primeiro ministro em caso da formação de um governo de iniciativa presidencial, disso não resta a menor dúvida.  Esse é o grande mistério de apoio desesperado a Nino Vieira nessa segunda volta.

Como falei, é obrigatório respeitar o veredicto das urnas, mas, é ao mesmo tempo preocupante prever o destino político e econômico da Guiné. Todavia, a vala está mais uma vez aberta pelo próprio povo.

 


 

 

 

DEMOCRACIA GUINEENSE: POVO-2 / POLÍTICOS-0

 

 

                                                                                            A democracia dá a cada um

                                                                                           o direito de ser seu próprio

                                                               opressor.

 

                                                            Lowel

                                       

12/08/2005

 

Se a eleição do dia 24 de Julho fosse realmente justa e transparente, podemos dizer que só uma sociedade pacífica como guineense consegue abraçar e perdoar o seu maior inimigo de todos os tempos. Nesse caso, o gesto demonstrado pelo eleitorado transcendeu o seu dever cívico, e passou a significar a pura expressão democrática de reconciliação. 

A responsabilidade de edificar a corajosa obra iniciada pelo povo está entregue agora aos tutores do poder público. A partir do acto da posse, estará novamente em mãos de Nino Vieira o destino de cerca de 1.300.000 guineenses que vão precisar de uma única coisa, a PAZ.  Atingir esse pressuposto implica o seguinte: que o presidente seja o árbitro da Constituição, e procurar estabelecer o dialogo franco e permanente com os sectores mais vulneráveis da estrutura governativa, entre os quais, Governo, Forças Armadas e Partidos políticos (tanto com ou sem acento parlamentar) sem, no entanto, esquecer de escutar as vozes dos movimentos organizados da sociedade civil, como sindicatos, associações comerciais, juvenis, etc.

A existência das divergências política, ideológica, e principalmente, pessoal é ainda sem dúvida a maior entrave ao desenvolvimento da mentalidade político-institucional guineense. É bom que todos saibam do perigo que a tentativa de fazer demorar ou rejeitar o resultado final da eleição pode causar, da mesma forma que não é menos relevante saber que tentar obstruir o desempenho do actual Governo, pode ser um erro fatal.

O acirramento do confronto entre as duas directorias durante e pós o período da campanha eleitoral, traduz a clara percepção de que a disputa transcendeu o campo da política, e passou a ser o confronto pessoal, envolvendo simplesmente as instituições públicas e partidárias. Comportamento que além de ser apolítica é também inadequado, tendo em conta à frágil situação político-institucional do País. Isso para não mencionar graves problemas sociais e sanitários, que em função da inoperância crônica do poder público levou a cólera a ceifar vidas. É extremamente urgente a convergência das diferenças, seja ela, política, ideológica ou pessoal, a bem do povo guineense. Um povo que sempre foi impedido de reclamar das misérias que lhe é impostas de forma cruel e assassina.    

É necessário deixar bem claro tanto para o presidente eleito, Nino Vieira, quanto para primeiro ministro, Carlos Gomes Júnior, a lição que um administrador precisa conhecer para viabilizar o futuro da instituição que coordena: os homens brigam, mas as instituições fazem parcerias”. E é das parcerias institucionais que precisamos para construir instituições sólidas e democráticas, porque os interesses da Guiné-Bissau jamais poderão ser confundidos com interesses de quem quer que seja. 

Apesar de existir fortes evidências que indicam uma suposta fraude eleitoral, ou mesmo de factos tendenciosos levados a cabo pelo Estado Maior das Forças Armadas e Supremo Tribunal de Justiça, vale a pena pensar milhares de vezes na actual condição (des)humana da nossa sociedade, vale a pena evitar a multiplicação de morte, doença, fome, tristeza e corrupção, vale a pena aceitar a derrota em rejeição ao sangue inocente de um povo sofredor. Povo da nação que há 32 anos nasceu à custa de muito sofrimento sob o domínio colonial, e que ainda hoje espera por melhores dias.

É obvio ressaltar que apesar da crise institucional em que o País se encontra mergulhada, a acção do Governo liderado por Carlos Gomes Júnior pode ser rotulada de positiva, principalmente no plano econômico que estabilizou o pagamento de salários dos servidores públicos. Porém, pensar em derrubá-lo (sem fortes motivos) poderá ser a faca de dois gumes. Por isso, os guineenses esperam que as futuras acções de Nino Vieira, sejam racionais, talvez a experiência do passado recente possa ser a melhor assessora nos seus posicionamentos. Que deve se restringir na luta pela preservação das instituições democráticas.

A victória (in)justa que lhe foi confiado, clama por um Nino Vieira diferente daquele que apareceu de 1980 a 1998. Aquele homem que derrapou toda a economia e conduziu o País ao estado de caos generalizado.  E se alguém pensar que desta vez vamos ter um presidente com sentido de Estado, essa pessoa estará enganada, basta olhar e ver quem são as pessoas que estão ao redor de “cabass”: Helder Proença, Koumba Ialá, Francisco Fadul, Conduto de Pina, Aristides Gomes, Victor Mandinga, Paulo Medina, etc. Por isso, é bom não esperar muita coisa dessa “manjuandadi”, até porque não é de alçada da Presidência de República a execução de políticas públicas, o mínimo impossível que se espera é o amor e respeito as cores da nossa bandeira.   

Tanto na primeira volta quanto na segunda, o povo mostrou entender melhor do jogo democrático do que os políticos compareceu de forma expressiva as urnas, e cumpriu o seu dever cívico, que no momento pouco importa ser avaliado. Enquanto que os políticos patentearam seus comportamentos com imprudência. Na primeira volta o Partido da Renovação Social (PRS) através de seus “Cow boys” provocaram uma triste cena que culminou na morte de quatro jovens. Agora nesta segunda volta se assiste o incitamento ao conflito armado dos lados envolvidos na disputa, a directoria de Malam Bacai apoiado pelo Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo-Verde (PAIGC) contra os dissidentes do mesmo partido que apóia o independente Nino Vieira.

 


 

 

QUANDO SERÁ A PRÓXIMA REVOLTA ?

 

“A estratégia da intimidação alterou frontalmente o papel do militar que, de protetor, passou a ser um vingador tardio e essencialmente inútil”.

 

Hannah Arendt

 

04/10/2005

 

Se tempos atrás gabávamos de ser uma Nação pacifica, hoje hasteamos a bandeira da Nação violenta e selvagem. Tudo isso testemunhado por violentas interrupções de queda do poder democrático por parte das Forças Armadas, que indignamente assumiram o papel fiscalizador do funcionamento da democracia no país. Comportamento que tem perpetuado profundas crises contra o crescimento social, econômico e político local. E apesar do óbvio, nunca lhes são atribuídas as responsabilidades pelo estado de calamidade pública que emerge em nossa sociedade. Aliás, em cada acção violenta, sempre se fizeram presentes líderes dos partidos políticos que sem escrúpulo serviram de elementos para legitimar o assalto à democracia. Comportamento antidemocrático que identifica a clara obsessão pelo poder por parte dos actores  políticos e militares. A evidência dos factos nos mostra que não vale mais o uso do discurso ou apresentação do projeto de governo como elementos de persuasão para maximizar chances de chegar ao poder, a forma encontrada é o uso violento e irresponsável de armas que infelizmente são compradas com o dinheiro de quem mais sofre com o seu uso inadequado, o povo.     

Com a posse de Nino Vieira em 1º de Outubro para o cargo de chefe de Estado, foi mais uma vez concluído o ciclo eleitoral que visa pelo menos “temporariamente” repor a ordem constitucional vigente no país desde o início dos anos 90. Digo temporariamente, porque nos é apresentada a clara evidência de que antes do final deste mandato teremos ainda uma outra  interrupção democrática. Isto, se levarmos em consideração não só a capacidade de controle quase que absoluto dos militares frente às instituições civis, mas também o elevado nível de fragmentação existente na estrutura militar devido a existência de feridas mal curadas.    

Há pouco menos de quinze anos fora renunciada institucionalmente a ditadura instituída pelo PAIGC durante o regime militar (1974 a 1990). Acontecimento que permitiu que o país caminhasse para o trilho da institucionalização democrática com o surgimento de novas forças políticas (partidos políticos), e de novos valores políticos baseados na liberdade de expressão e no respeito pelos direitos humanos. Factos que concederam aos servidores públicos e a sociedade civil guineense direitos à greve e a manifestação popular, respectivamente.

Desde então, várias categorias se organizaram em classes (sindicatos e associações) para melhor canalizar suas reivindicações junto ao poder político. Várias ondas de greve e manifestação popular foram desencadeadas, principalmente pelos profissionais da educação, da saúde, dos serviços hoteleiros, das associações comerciais e dos movimentos da sociedade civil. As reivindicações sempre obedeceram as leis, ou seja, nunca atentaram contra o patrimônio público e muito menos contra a vida humana.   

De igual modo, os militares como quaisquer outras categorias, também têm direitos de reivindicar ou manifestar o seu desagrado perante o estado de abandono, tais como: insuficiência de fardamento, péssimas condições de trabalho, falta de alimentação e melhores salários. Mas, essa atitude só é aceitável desde que exista a total abdicação de uso dos meios violentos como mecanismos para alcançar os pressupostos da reivindicação. Aliás, a situação de abandono de que freqüentemente constitui a base das revoltas inglórias é extensiva à toda classe trabalhadora guineense. Como exemplo; os médicos no contexto mundial são profissionais normalmente respeitados e de uma situação financeira razoavelmente satisfatória, na Guiné, pelo menos em termos econômicos, a situação dos médicos não é tão diferente da dos professores, que historicamente vivem de doações dos pais de seus educandos para sobreviver, enquanto que o primeiro sobrevive de doação dos pacientes. Mas, mesmo vivendo na condição de “mendigos”, todos sabemos que é absolutamente criminosa, imoral e antiético que um médico durante sua reivindicação decidisse injetar veneno nos pacientes ou deixasse que os mesmos morressem por falta de atendimento, ou que um professor queimasse planos de aulas e livros dos alunos alegando o exercício da greve. Da mesma forma, os militares durante o exercício dos direitos que a lei lhes conceda, não podem atirar contra o próprio povo que eles juram proteger, e que acima de tudo, é a razão da existência da instituição.

A história nos deixou exemplos claros, de que a guerra e/ou a violência jamais resolverão os problemas mundiais ou nacionais. Ao contrário os transformarão em crises com conseqüências catastróficas – como a que hoje enfrentamos com rastros deixados pelas duas grandes guerras mundiais que colocaram o mundo numa situação de vulnerabilidade frente às armas de destruição em massa e bacteriológica; da ameaça dos ataques terroristas observados por alguns analistas como embate religioso (resistência do Islão contra a dominação Cristã liderada pelo Ocidente), atitude que deixa o mundo cada vez mais inseguro; da postura autoritária dos Estados Unidos ao invadir o Iraque e provocar um festival de atentados e mortes  em Bagdá e seus arredores e; 7 de Junho e as sucessivas revoltas trágicas na Guiné, não tiraram guineenses do fundo de poço, pelo contrário, criaram cicatrizes e situações de profunda miserabilidade nunca conhecida no país.   

A nossa querida Guiné hoje enfrenta situação vergonhosa e angustiante que afecta a todos: militares e sociedade civil. A excepção é meia dúzia de “gatos pingados” que se aproveitam da situação. E a instituição militar ora é simplesmente usada na estória por essa minoria tendenciosa. Como guineenses é nossa obrigação elogiar e valorizar nossas Forças Armadas, principalmente, pelo seu brilhante papel no processo da descolonização, mas quando suas atitudes ferem anseios da Nação, é também nossa obrigação criticá-las e exigir o cumprimento das leis. Afinal muito longe do que podemos imaginar, as Forças Armadas são uma instituição cuja vocação é a defesa da paz e não de promoção da violência e de actos intimidatórios como tristemente tem acontecido ultimamente.

 


 

Sou Negro, mas não sou bandido.

E nem todos os negros devem ser vistos como tal!

 

25/07/2006

 

Caros leitores e amigos brasileiros.

 

Permitam-me compartilhar convosco o triste sentimento de um cidadão estrangeiro negro que há quatro anos e três meses vive no Brasil como estudante da Universidade Federal de Roraima – UFRR, no âmbito do convênio técnico-cultural que o Estado brasileiro mantém com os países em vias de desenvolvimento de América do Sul e da África.

Devido às dificuldades de poder fazer sozinho uma leitura sobre a visão que determinadas pessoas e/ou instituições têm em relação a um jovem negro, quero convidá-los, no sentido de juntos podermos refletir sobre a cena que aconteceu comigo neste último sábado, 22 de Julho. A cena ocorreu na avenida principal do Paraviana, no ponto de ônibus próximo ao colégio Maria Vitória Mota Cruz, por volta das 9h30 da manhã. Ao chegar ao ponto, encontrei a menina Milene que presenciou toda a cena, uma “menina branca” que até então não conhecia o nome. Minutos depois apareceu um carro de patrulha policial da FORÇA TÁTICA, que chegou a passar aproximadamente uns dez metros do lugar onde me encontrava, mas ao se depararem comigo, o comandante ordenou que a viatura voltasse até onde eu estava. Ao se aproximarem do lugar, a ação foi rápida e violenta, gritos me mandando encostar na parede e com cinco homens bem armados com armas apontadas para a minha direção. De acordo com o ordenado, fiquei de cara para a parede com as mãos abertas, e logo chegou um policial que deu um pontapé nos meus pés para deixá-los mais afastados e em seguida começou a me revistar. Nas costas levava uma mochila preta, me ordenaram abrir a mesma, e lá dentro estavam um caderno, duas apostilas, uma agenda, aparelho celular e carregador de bateria, só depois de me violentarem psicologicamente é que pediram minha identificação. Após a verificação dos meus dados, mesmo tremendo de medo, tomei a coragem e pedi satisfação deles sobre o que estava acontecendo. Não obstante, aproveitei o momento para fazer uma rápida apresentação, que sou da Guiné-Bissau e há algum tempo estou no Brasil (Estado de Roraima) por motivos de estudo e que também estava sentido humilhado e constrangido. A minha explanação mudou o cenário até então violento e agressivo, para um dialogo maleável de esclarecimento. Eis o que o comandante da operação, ou melhor da opressão, me disse: foi simplesmente uma ação policial, e não é por causa de sua cor. Vejam bem, o próprio comandante numa pequena frase teve a infelicidade de dizer que a abordagem foi uma pura e simples discriminação. Aliás, quero deixar bem claro que não sou contra a patrulha policial, e acho que como qualquer cidadão devo ser abordado, isso para o meu próprio bem e para o bem dos outros. Entretanto, a forma como fui abordado que é questionável. Foi à luz do dia, e eu não estava em nenhuma situação duvidosa, ou seja, ameaçando propriedade alheia, seja ela privada ou coletiva, estava apenas no ponto de ônibus, e muito menos sou foragido da justiça para receber aquele tipo de tratamento. Me senti um bandido, porque fui julgado pelo meu fenótipo (jovem negro, de camiseta, calça Jeans e mochila pendurada). A interrogação que agora me inquieta é: porquê não abordaram a “menina branca” que se encontrava a poucos metros? Será que se essa mesma pessoa fosse um “homem branco” ou um “homem negro” de palitó e gravata, eles iriam humilhá-los do mesmo jeito? Acredito que não! Preciso dizer que ao deixarem o lugar, era visível nas faces dos mesmos o peso de uma ação que além de discriminatória, deixou marcas de falta do profissionalismo de determinados policiais para atuar na via pública, o que é extremamente perigosa para um convívio social harmônico. As cenas de violência urbana que diariamente ocorrem nas grandes metrópoles, especificamente Rio de Janeiro e São Paulo, não se explica apenas pelo problema estrutural do país, mas também se explica, em partes, como resposta as ações idênticas que simbolizam o mau uso da força por parte de policiais despreparados. Quero agradecer a menina Milene que apesar de sua tenra idade, teve a amabilidade de me dirigir palavras encorajadoras e de apresso.

Não vou falar sobre a minha personalidade, até por que não é necessário, mas as pessoas que ao longo desses anos de minha estada em Roraima como estudante conviveram comigo na Universidade Federal de Roraima-UFRR, no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA e na casa onde moro, podem falar melhor sobre a minha pessoa. Sou negro, mas não sou bandido... E nem todos os negros devem ser vistos como tal. 

 


 

 

Vivemos em Democracia ou Autoritarismo?

 

Pode iludir-se uma parte do povo durante uma parte do tempo, mas não é possível iludir-se todo mundo durante o tempo todo.

 

Abraham Lincoln 

 

23/11/2006

 

O insucesso que emerge na Guiné explica-se, sobretudo, pela forma como está sendo construído o exercício da democracia. Prática que retira do eleitor o direito de deliberar sobre as questões publicas. Como se sabe, a grande maioria do eleitorado não tem o discernimento suficiente do bem público, e a sua decisão de escolha se limita mais a um padrão do perfil étnico do candidato, em vez de sua competência como um bom administrador. Observa-se, porém, que essa forma fixa de distribuir voto incentiva a falta de compromisso dos administradores políticos eleitos em relação às suas responsabilidades de construir o bem-estar dos cidadãos. Quadro que se reflete nas cíclicas ondas de perturbações políticas e na triste e vergonhosa imagem da Guiné-Bissau, que hoje corre pelo mundo.

Como já era previsível, no dia 28 de Outubro assistimos mais um acto autoritário, desta vez, a demissão do Governo. Comportamento que por si só é legitimo dado que é uma prerrogativa constitucional do PR de demitir e nomear o chefe de governo, desde que considere as prescrições constitucionais. Mas, a demissão do Executivo liderado por Carlos Gomes Júnior ocorreu de forma grosseira, com os militares ordenados a ocupar os ministérios, e por cima, proibir os seus titulares, inclusive, o próprio primeiro ministro, de entrar no seu gabinete de trabalho. Acção que só pode ser classificada de intimidatória, e de seqüestro às leis da democracia, tendo em conta que o motivo da demissão não estava relacionado com atentado à segurança do Estado. Não era necessário criar pânico na cidade (ou no país) por causa de uma simples demissão de governo, porque não é o primeiro caso a ocorrer no país. De 1994 (período em que fora eleito o primeiro governo democrático) até o momento actual, foram demitidos cinco primeiro ministros: Manuel Saturnino, Caetano Intchama, Faustino Imbali, Alamara Inhassé e Carlos Gomes Júnior, e todas essas demissões ocorreram, com a excepção desta última, sem intervenção militar. Porque desta vez houve a intervenção dos militares numa situação puramente política? Quem ordenou militares a ocuparem os ministérios e outros pontos no país? E porquê?

Na última reflexão procurei analisar o comportamento das Forças Armadas e o papel que devem assumir numa democracia. A minha preocupação residia em mostrar que os militares também são actores fundamentais para o bom funcionamento da democracia, e devem assumir esse papel, mas, infelizmente, não é isso que se verifica nas actitudes quotidianas do Estado Maior, que desde as primeiras horas deixou transparecer o seu posicionamento político em relação às ocorrências dos factos.

Para garantir a ordem constitucional e o funcionamento da nossa frágil democracia é necessário fazer a justiça funcionar, ou seja, que o órgão competente faça o que tem que ser feito: de dar a César o que é de César. E a questão que deve ser respondida é – o Governo ora empossado é de iniciativa presidencial ou não? Pelo menos, pela forma como foi nomeado o primeiro ministro, o seu carácter é presidencial. Pois então, se faz necessário consultar os partidos como acento parlamentar para a marcação da legislativa antecipada conforme reza a constituição. Vale ainda salientar que, mesmo se Aristides Gomes não fora suspenso do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo-Verde, PAIGC, vencedor da legislativa, o presidente da República não tem competência de fazer a escolha pelo Bureau político do partido.

A demissão do Governo além de ser um acto vingativo do presidente Nino Vieira “& mandjuandadi” contra a figura do primeiro ministro devido as divergências pessoais existentes, é também um jogo político de luta pelo poder que envolve interesses de seus apoiadores, que na sua grande maioria, são pessoas que profissionalmente nada sabem fazer, e que nunca fizeram algo de positivo para o país, a não ser usar do oportunismo político para ocupar a pasta de ministro, aliás, “a função de conselheiro e ministro de Estado é o osso que os corruptos e incompetentes da cidade de Bissau não querem largar”.

O mais ridículo se não mesmo, o mais vergonhoso dos factos que ocorreram recentemente, foram os discursos de presidente Nino Vieira durante sua posse e na do no Executivo. Ele lamentável e inconscientemente falou da precarização do sistema de serviço público – educação, saúde, energia, agricultura, etc. Atribuiu com cinismo toda a responsabilidade aos governos que o antecederam após sua queda em 1999, como se não fosse ele o arquitecto principal dos males que assolam o país. Ao todo foram mais de dezoito anos de Nino Vieira como presidente da Guiné, que significaram mais de dezoito anos de desgovernação e de corrupção na sua mais alta escala. Foi até bom saber que da parte dele existe um reconhecimento da situação precária em que se encontra o país. O que resta agora, é procurar saber transformar sua força em lei e direito em obediência, como dizia o grande pensador suíço, Jean Jacques Rosseau, porque “o mais forte nunca é bastante forte para ser sempre o senhor”, por isso, o respeito às regras constitucionais podem evitar vários outros possíveis “7de Junho”.

Acho que é muito importante fazer as pessoas lembrarem que a Guiné-Bissau é o irmão gêmeo de Cabo-Verde lutaram pelo mesmo ideal, e nasceram no mesmo período. E hoje após quase trinta e dois anos na independência dos dois países, mesmo com escassez de recursos naturais (chuva, solo produtivo e minérios), em abundância na Guiné-Bissau, os cabo-verdianos possuem um nível de vida muito superior à dos guineenses. Por isso, ultimamente Cabo-Verde tem sido ao lado dos países europeus, um abrigo de acolhimento de guineenses à procura de melhores condições de vida. E esse desespero dos guineenses em abandonar o próprio país, se explica simplesmente pela grosseira incompetência enraizada na forma de administrar, descaso que coloca a Guiné-Bissau num dos seis países mais pobres do mundo, segundo os dados da ONU.

Sei que não é fácil convencer a parte da sociedade que ainda não se convenceu da cumplicidade de certas pessoas no retrocesso do país, mas contínuo a acreditar que está mesma parte ainda um dia vai se dar conta do tamanho de “cabalindadi pá cê propi bambaram”.                               

 


 

Acordem por favor, meus caros deputados!

 

“A diferença do tolo para o sábio está nos olhos. O tolo enxerga, mas não vê; o sábio enxerga até o que não está vendo”.

 

Daniel Alves

 

 

23/01/2006

 

Ao contrário da democracia grega na idade média, onde uma determinada categoria da sociedade tinha o direito de participar em praça pública dos debates sobre o destino da polis (cidade), hoje no período moderno, na maioria dos países onde a democracia é o modelo político que vigora todos os cidadãos na idade de votar sem distinção da cor, do gênero ou da classe social participam dela através da escolha dos representantes, a quem é depositado a missão de “legislar de forma responsável” em nome dos representados. Na verdade, o propósito desta reflexão não é discutir conceitos da democracia, e muito menos, julgar a forma como ela era exercida na Grécia Antiga. A idéia central é procurar compreender a ridícula atitude dos parlamentares guineenses de querer onerar ainda mais encargos ao contribuinte, com a provável aprovação do projecto-lei que vai cobrar imposto para a Democracia”, sem levar em consideração que, mais de 50% da população vive a baixo da linha da pobreza.

O “projecto-lei Fadul” que pretende cobrar imposto pela democracia, apresentado ao plenário da Assembléia pelo Partido Unido Social Democrático, PUSD, visa exclusivamente subtrair do bolso miserável dos guineenses a taxa para sustentar a corrupção política. Jamais políticos de idéias lúcidas, usarão de forma descarada do bolso do povo a fim de responsabilizá-lo pela construção da democracia, como declararam à Agência Lusa os líderes parlamentares do PUSD e do Partido da Renovação Social, PRS, respectivamente, o deputado Augusto Mango e o deputado Joaquim Baptista Correia. Para fazer a democracia vingar na Guiné e deixar de receber financiamento da comunidade internacional para a realização de eleições, como pensam os idealizadores do projecto-lei, não é preciso cobrar imposto, mas, é necessário saber administrar a excessiva corrupção que impera na administração pública. Coisa que por sinal está muito longe de acontecer devido a falta de honestidade incorporada pela classe política, principalmente, nos últimos vinte e cinco anos. Facto que transformou o que é público em casa da mãe Joana, aonde as pessoas chegam e levam aquilo que quiserem sem serem questionadas pela Justiça, que é também débil. Podem cobrar impostos de todo o tipo: imposto para casar, imposto para fazer filho, imposto para dizer bom dia ao vizinho e imposto para sustentar vícios dos políticos, a Guiné sempre vai estar do jeito que está ou ainda pior. Muitos são os impostos pagos pelo contribuinte, entre os quais: Imposto da Reconstrução Nacional (IRN), Imposto Geral sobre Vendas (IGV), Imposto Rodoviário (IR) e Taxas de Serviços Aduaneiros (TSA), e as condições das escolas, dos hospitais, das estradas e da própria sociedade são cada vez mais péssimas. O servidor público trabalha a vida toda só para pagar imposto, chega o período em que as condições físicas (idade avançada ou doença) não lhe permitem mais trabalhar, e não consegue nenhum tipo de assistência por parte do Governo, que o deixa na rua de amargura a espreitar a chegada da morte sem meios para se defender e adiar o indesejável.          

Neste momento, não deve ser prioritário para o país pensar em custear a realização de futuras eleições, dado a um conjunto de factores adicionais que precisam ser observados e priorizados. Como a consolidação das instituições democráticas, dos investimentos em áreas sociais, saúde e educação, e do crônico problema da falta de energia elétrica, elemento que se for solucionado pode fazer o país produzir com vista a acompanhar o ritmo mundial de desenvolvimento. Esses são no mínimo os preceitos para erradicar parcialmente os festivais de golpes de Estado, e permitir gradativamente que a Guiné caminhe para sua auto-sustentação política, econômica e social sem, no entanto, achar que com isso vamos deixar de precisar de ajudas pontuais dos parceiros externos para resolver problemas que ultrapassam a nossa capacidade econômica e social como de lutar contra HIV/sida e pobreza. A partir desta etapa, pode-se pensar numa possível criação de um fundo nacional para financiar a realização de eleições no país.

Um outro fato ainda dentro do “projecto-lei Fadul” que coloca em dúvida a capacidade reflexiva dos parlamentares é o pagamento de taxa num valor de vinte mil dólares por cidadão que pretenda candidatar-se à presidência da República. Será que vale a pena comprar o mandato? Quantos são os políticos na Guiné que tem em sua conta bancária mais de mil dólares? Só uma meia dúzia ligado ao poder, quer dizer, vão tirar o que é público para apresentar como patrimônio próprio. Ou seja, simplesmente o dinheiro vai substituir o eleitor para ditar a regra de quem deve mandar nos próximos anos na Guiné. A competência, o carisma, e a capacidade de liderar não vão mais ser critérios de selecção entre os candidatos.

Em todo esse emaranhado de idéias confusas, existe uma situação muito delicada até o momento não observada. É a forma que cada candidato vai usar para obter financiamento próprio e custear os encargos da candidatura e campanha eleitoral. E num país como o nosso onde nada funciona, pouco podemos contar com a eficácia do sistema de segurança para controlar acções criminosas contra finanças públicas.

O evidente nisso tudo, é que os candidatos vão recorrer à todos os mecanismos possíveis para angariar fundos. Isso vai desde lavagem de dinheiro, ligações com organizações criminosas de tráfico de drogas e outras práticas socialmente condenáveis para materializar seus sonhos de concorrer à eleição presidencial. E isso é o grande X da questão que o Sábio não conseguiu enxergar. Precisa-se observar bem o que está por além de uma candidatura política, porque na verdade o valor estipulado não servirá de entrave a candidatura dos interessados ao cargo. Com isso, podemos concluir que, existe uma evidência clara de que não houve reflexão suficiente por parte dos deputados quanto a viabilidade do projecto apresentado pelo PUSD. E o inverso do que é dito pela nossa sabedoria popular, de que “dunu di um udju na terra de cegu el ku ta manda”, gostaria de dizer que tem muitos guineenses com dois olhos abertos para desarmar idéias não inteligentes dos demagogos.


 

QUE ATIRE A PRIMEIRA PEDRA QUEM NUNCA COLABOROU COM OS REBELDES DE CASAMANÇA?

 

Quem anda descalço não semeia espinhos.

 

“Sabedoria popular”

 

02/05/2006

 

A divisão irregular das fronteiras dos países africanos pelas potências européias durante o período da expansão e ocupação além-mar, desconsiderou a realidade da complexa diversidade das culturas e sub-culturas africanas. Hoje, isso é um dos reflexos dos litígios e guerras entre os países, e também nos seus interiores.

Um dos exemplos entre tantos que podemos apontar, é a situação do conflito que há mais de duas décadas permanece na região de Casamança, sul do Senegal, fronteira norte/noroeste da Guiné-Bissau, onde os habitantes locais reivindicam sua independência junto ao Governo senegalês. A tensão instalada na região entre as Forças Armadas senegalesas e o grupo rebelde do Movimento de Forças Democráticas de Casamança (MFDC), já causou um mal-estar no relacionamento entre os dois países vizinhos. Senegal que nunca teve a capacidade política e nem militar de controlar as investidas dos guerrilheiros do MFDC, chegou a reivindicar junto ao Governo de Bissau de que os rebeldes estavam a usar o espaço territorial guineense para suas acções de guerrilha, e além do mais, que as armas estão a sair do interior das Forças Armadas da Guiné-Bissau para o Movimento independentista de Casamança.

Esse facto foi uma das causas do conflito armado que sacudiu a Guiné-Bissau entre o período de 7 de Junho de 1998 a 6 de Maio de 1999, com a deposição do então presidente da República (e agora atual), Nino Vieira, pelo grupo revoltoso auto-denominado de Junta Militar para Salvação, Paz, Democracia e Desenvolvimento, liderado pelo defunto General Ansumane Mané. Dessa guerra assassina e inglória, só restou na mente dos guineenses recordações de meses de profunda angústia por sua acção devastadora, dado que os seus actores não conseguiram cumprir o propósito que era de provar quem são as pessoas que praticavam o suposto tráfico e puni-las.

A intenção desta reflexão não é narrar a história sobre o conflito político-militar de 1998, mas de cingir nos últimos acontecimentos que opuseram militarmente as Forças Armadas guineense a uma facção guerrilheira do MFDC, comandado pelo Salif Sadjo, cuja base se encontrava no território guineense. Levando em consideração que o Estado moderno é uma sociedade a base territorial, dividida em governantes e governados, e que pretende, nos limites do território que lhe é reconhecido a supremacia sobre todas as instituições, podemos inferir a necessidade de uma acção militar naquela região fronteiriça. Isso tendo em conta a dois princípios: primeiro, relaciona-se com a questão da política de segurança e defesa nacional, e segundo, insere-se no âmbito das relações internacionais, tendo como preocupação a manutenção de relação diplomática com o vizinho Senegal.

Numa observação detalhada e cuidadosa, sobre o contexto do espaço territorial do Estado guineense percebe-se uma nítida vulnerabilidade da incapacidade dos sucessivos Governos, não só em relação à ocupação de uma parcela do espaço fronteiriço pelas forças do MFDC, mas pela existência de indícios ou factos que comprovam a violação de suas fronteiras aéreas, marítimas e terrestres pelo narcotráfico internacional, na rota que sai da América do Sul com destino ao mercado europeu.

Apesar de haver uma necessidade da acção militar na região de Casamança parece-me que a recente Operação Limpeza se enquadra mais numa perspectiva de autopromoção do Estado Maior inserido na desenfreada campanha para “agradar” o presidente da República, que por determinação das circunstâncias fora obrigado a conviver com um Estado Maior ladeado de oficiais que num passado recente foram seus inimigos nas trincheiras. E, se por um lado temos um presidente da República sem autoridade militar, por outro, se vê um Chefe de Estado Maior inseguro, refugiado nas freqüentes denuncias e acusações pouco credíveis contra partidos e políticos.

No início da Operação Limpeza, o General Tagme Na Waie, numa conferência de imprensa que contou com a presença da Comissão Especializada do Parlamento para a Defesa e Segurança, voltou a proferir grave denuncias. Entre as quais, afirmou que durante a eleição de Junho de 2005 um partido, cujo nome não foi revelado, foi buscar guerrilheiros do MFDC para “garantir a victória”. Que partido é esse? E por que não assaltou o poder, considerando que o vencedor da eleição foi um candidato independente? Numa outra denuncia, acusou deputados de manterem ligações com os rebeldes. A propósito, sobre as ligações de políticos, e até mesmo dos militares com rebeldes do MFDC, não existe novidade alguma, dado que a história é antiga e conhecida por uma grande maioria da população, visto que isso foi a razão do conflito de 1998. Mas, para dissipar as dúvidas que possam existir, gostaria de fazer uma analogia a indagação que Jesus Cristo aos seus discípulos: “que atire a primeira pedra quem nunca colaborou com os rebeldes de Casamança?”. Se a memória não me falha, a própria Junta Militar que derrubou Nino Vieira em Maio de 1999, obteve o apoio militar do MFDC, e na época, o General Tagme Na Waie era o comandante de uma das frentes de batalha.

É extremamente inegável que a situação de conflito em Casamança deve constituir motivos de preocupação por parte de autoridades guineenses, se partirmos do pressuposto de que quando a casa do vizinho está em chamas, o nosso está também em perigo, mas a responsabilidade de controlar o fogo quer seja por meios políticos ou militares, cabe ao Governo senegalês. A autoridade guineense cabe simplesmente o papel de preservar a soberania do seu espaço territorial, e quando necessário ou for chamado, manter a postura de mediador.  Por causa da interferência insensata do Estado guineense nesse conflito, o povo ganhou em Junho de 1998 um presente não merecido, a guerra, pesadelo que o Senegal, dono da situação nunca chegou a enfrentar. Por isso, exige-se uma atitude responsável para que os males do passado não voltarem a acontecer no nosso solo pátrio.

Para terminar, vai a minha sentida homenagem e condolência aos familiares dos gloriosos militares, que mais uma vez, por descaso governativo, deram suas vidas em nome da soberania nacional.


       

  

Somos um povo honrado, mas governado por uma esquadra criminosa

 

 

“Um país que se esquece de si mesmo, é uma nação sem futuro. E um governo que tortura e mata opositores, não deve merecer confiança dos governados”.

Semedo

 

09/01/2007

 

O Estado da Guiné-Bissau nasceu graças à dedicação e o empenho do seu glorioso povo, elemento que podemos considerar sem equívocos como o único e verdadeiro combatente de liberdade da pátria, que conseguiu pôr fim a séculos de dominação colonial portuguesa, mediante uma corajosa luta. Considerada por nosso saudoso Amílcar Cabral como uma das maiores expressões do nosso valor cultural. A conquista da independência sob o suor e sangue dos dignos compatriotas não seguiu anseios propostos pelo PAIGC sob o comando do seu grande ideólogo, Amílcar Cabral, que sonhava com uma Guiné-Bissau livre, justa, responsável e presente no dia-a-dia de cada guineense, principalmente no das crianças, considerada flores da luta e a razão do nosso combate.

A brilhante história foi traída, e ousaria dizer que a própria nação morreu justamente no dia em que foi proclamado o Estado guineense. De 24 de Setembro de 1973 aos dias de hoje, os guineenses não chegaram a conhecer um único instante de alegria e/ou de satisfação com o desempenho político de pessoas que se encarregaram ou foram encarregadas (vale considerar os períodos da ditadura e da democracia) a administrar os destinos do País. De uns tempos para cá, os guineenses não só têm desacreditado nos seus políticos como também se sentem envergonhados com a imagem do País que corre o mundo. A experiência de convivência com colegas e amigos, tanto na Guiné como no estrangeiro, me levou a concluir de que, a vergonha que a maioria dos guineenses sente pelo estado em que o País se encontra é igual ou pior a de um filho de uma mãe prostituta e de um pai alcoólatra e mentiroso.

Contudo, percebe-se que mesmo navegando contra o vento, a sociedade civil não deixa e jamais deixará ser acobertada pela perniciosa imagem. Ela tem a “consciência” sobre o carácter nojento de pessoas que a governa, no entanto, também sabe o quanto é a sua capacidade de resistir e vencer os algozes de sua soberania. Prova desta capacidade, são diariamente dadas pelos profissionais de diversas áreas e cidadãos comuns, que mesmo em condições adversas que lhes são injustamente impostas, se apresentam em seus serviços com dignidade para salvar vidas, formar cidadãos, cultivar a terra e cuidar do próprio lar. Como se não bastassem às amarguras do funcionário público ficar meses sem salário, de estudante sem aulas em função das constantes greves, de mulheres morrendo no parto, além de serem violentadas pelo marido, visto que não existem leis que lhes amparam, agora estamos a assistir a petulante acção de tentar fazer calar vozes que se opõem as actitudes sem escrúpulo de donos do poder.

Em Dezembro passado assistimos à tentativa de assassinato de um líder político, Silvestre Alves, do Movimento Democrático Guineense (MDG), agora em Janeiro a sociedade voltou a presenciar o assassinato do Comodoro Mohamed Lamine Sanha. É óbvio que “ninguém viu as mãos criminosas a atirar, mas também não é difícil entender que o corpo do crime funciona supostamente na estrutura do Estado”. As evidências dos acontecimentos nos levam a crer, simplesmente, que existe um grupo de extermínio com a missão de eliminar os possíveis e notáveis opositores do poder, tanto civil quanto militar. Os factos que aconteceram não são meras coincidências e nem podem ser observados como um crime comum. Uma leitura mínima sobre o desenrolar dos acontecimentos pode nos remeter de que o crime é político-militar e foi uma acção premeditada e covardemente executada por bandidos a mando dos comparsas ligados ao poder.

Como sabemos esses factos não foram os primeiros, a história política do País sempre coleccionou actos criminosos de quem está no poder. A (in)Justiça nunca identificou criminosos e seus mandantes, aliás, assiste-se a ausência de funcionalidade do Judiciário, um poder visivelmente seqüestrado pelos Generais e que em vários momentos mostrou além da parcialidade, sua incapacidade de actuar perante os factos de acordo com os preceitos constitucionais do Estado democrático de direito. Sua adulação aos outros poderes é sem dúvida um dos factores que legitimam as constantes violações da lei. Tanto é que, o PAIGC foi usurpado o governo de que é o ocupante legítimo, dado que foi o partido vencedor da legislativa. Por outro lado, já no Legislativo que igualmente carece de deputados preparados para assumir o cargo e legislar em benefício da nação, presencia-se a tentativa de um grupo de imbecis de fragilizar a própria instituição a interesses criminosos. 

É um pressuposto amplamente aceito pelos teóricos da democracia liberal, de que a essência da política é o “conflito”, traduzido em “combate de idéias entre a situação e a oposição”, como mecanismo a encontrar soluções viáveis aos problemas de governação. A democracia exige contestação e participação dos cidadãos na esfera política, proibir que isso aconteça através de uso de meios violentos de coerção, significa negar as regras do jogo democrático e instaurar regras de princípios ditatoriais. Quem escolheu a “política como profissão” precisa entender de que um opositor não deve ser concebido unicamente como um adversário ideológico, mas, o mesmo também, deve ser visto como quem pode com suas críticas ajudar o poder a aperfeiçoar suas qualidades de liderança administrativa. Quando um político consegue observar o lado positivo da crítica, ele não só vai conseguir realizar seus propósitos, como vai poder construir um ambiente político-social mais equilibrado e saudável. Onde cada membro da sociedade terá a oportunidade de pensar e dizer o que sente sem ressentimento de ter que perder a vida ou de ser excluído na arena política e profissional, como ainda acontece na Guiné.

A estratégia agora em voga, de espancar e matar adversários não é um mecanismo viável para fazer as pessoas temerem enfrentar e apontar os problemas do País. Além do mais, a conseqüência desse tipo de comportamento pode ser grave para um País que sonha com a reconciliação, sendo que pode agravar o espírito de vingança e instigar ajustes de contas. Se alguém transgredir a lei, vamos julgá-lo, e se no caso for provada sua cumplicidade, puni-lo de acordo com o que determina a lei. É desse tipo de comportamento que o País precisa e não de “francos atiradores” a serviço de quem deve proteger o cidadão.


 

 

Ai de nós se não fossem elas!

 

Quem bate na mulher fere a família inteira.

“Sabedoria popular”

 

 

06/03/2007

 

Apesar de ser mãe, companheira e, sobretudo, ser humano, a mulher ainda é vista pela sociedade contemporânea mundial como inferior, incapaz de concorrer e assumir as rédeas das funções e papeis que os homens arrogantemente ainda monopolizam. Se no contexto mundial, ela não passa de uma simples propriedade e objecto do desejo sexual para satisfazer os prazeres da prepotência masculina, na Guiné-Bissau, sua figura é ainda acrescentada a de uma máquina reprodutora, reduzida a uma escrava doméstica e pública. Isso por dois motivos observáveis que passaremos a ilustrar: enquanto em casa seu papel se resume à cama, cozinha, cuidar dos filhos e outras tarefas adicionais, no domínio público, seus direitos continuam banalizados e sistematicamente violados. O nosso argumento pode ser comprovado pela constactação diária (tendo em consideração que o país não disponha de dados estatísticos que o comprovassem), de altos índices de óbito durante e pós-parto, de violência e estupro, de casamento forçado, de falta de acesso à saúde e escola, além de quase total marginalização na vida política e econômica nacional.  

Diferentemente de alguns países, onde se pode perceber que as mulheres estão de forma gradual a ocupar merecidamente seus espaços. No nosso país, essa preocupação se limita mais ao nível do discurso, muitas vezes, é enfatizado com hipocrisia seu papel de destaque durante o processo de luta pela conquista da independência, pelas heroínas como, Titina Silá, Canhe Nan Tunguê, Quinta e muitas outras cujos nomes caíram no esquecimento.

A realidade do país tem nos mostrado de forma nítida, as duras batalhas pelas quais, nossas mães têm passado quotidianamente para educar seus filhos. Sendo que os pais, com a contribuição implícita do poder público, assumidamente proclamaram sua ausência junto ao lar, uns pela limitação econômica imposta pela realidade do País, outros na maioria das vezes, por falta de responsabilidade e amor à família. A leitura que faço disso é muito simples, se hoje podemos nos arrogar do status que socialmente adquirimos, é porque ontem uma mulher preparou esse brilhante presente, se entregando aos serviços desgastantes: como lavar e passar roupas, sentar dia todo debaixo do sol ardente para vender fatiotas e amendoim, trabalhar como empregada doméstica ou nos serviços gerais das empresas públicas, com a finalidade de garantir sustento e materiais didácticos para os filhos. Infelizmente, essa é a cruel realidade a que nossas mães e irmãs estão expostas, por pessoas que elas ajudaram a ser o que são e que agora se transformaram em seus monstros.

A dívida que temos com a mulher é impagável e nenhum gesto do mundo, por mais doce e singelo que seja, pode ser igualado ao de conceber um fecto e permitir o seu desenvolvimento durante nove meses até ele nascer. É ridículo naturalizar todo o sacrifício que ela carrega com muito carinho e amor desde os primeiros dias à eternidade. Hoje, existe uma quase unanimidade não só entre os activistas pela emancipação da mulher, como no universo social e acadêmico, de que não é criar um dia específico para homenageá-la que vai dignificar seu papel social. Ela por natureza é guerreira, que enfrenta todos os dias do ano como mais um a ser vencido, mas que também precisa contar com a actitude e compreensão social para consolidar seus desejos, fantasias e sonhos. E para isso acontecer, precisa-se de políticas públicas e leis que asseguram a tal almejada liberdade de viver humanamente numa sociedade distante do preconceito e atitudes machistas.

Talvez a melhor lição que podemos tirar sobre a relação homem/mulher pode ser observada nesse exemplo individual de vida: não façam aos outros, aquilo que não queremos que nos façam. Então, porque o homem quer fazer da mulher uma simples propriedade? Ou podemos considerar essa atitude de instintiva, cultural ou de insegurança? Creio que não. E, mesmo se consideremos uma das três hipóteses, ou todas elas, não duvido que também seja o momento de o homem como ser social e racional, isso na concepção de Aristóteles e vários outros pensadores, clássicos e contemporâneos, rever a sua posição e comportamento de forma a permitir que a mulher tenha um merecido espaço.

Hoje a sociedade guineense vive numa profunda crise estrutural, tanto no aspecto social, quanto no econômico e político. Oportunizar a mulher a participar dos debates e elaboração de idéias, poderia ser um dos mecanismos para a busca de soluções. As nossas mulheres têm muito para oferecer ao País, principalmente no que diz respeito à arte de administrar, apenas precisam de confiança, protecção e espaço. E os homens precisam vê-las não apenas como uma simples companheira, mas como ser humano com igual ambição, capacidade e desejo. Se nenhum homem gosta de ver sua mãe a apanhar do marido ou a sofrer por qualquer motivo, porque então praticar esse mesmo acto com a esposa ou filha?  É verdade que a convivência entre marido e mulher, além de complexa às vezes é desgastante, mas recorrer a violência jamais será actitude para construir um Lar feliz.      

Particularmente, como homem e filho de uma guerreira, faço questão de prestar por meio deste artigo a minha profunda gratidão e admiração a todas as mulheres do mundo, e especificamente as guineenses, que fazem dos sacrifícios uma estratégia para vencer os desafios, afinal quem somos nós se não fossem elas? 

 


 

Entre o pacto e a verdade ocultada

 

Uma casa dividida contra si própria não fica em pé.

 

     Abraham Lincoln

 

28/03/2007

 

Os sucessivos actos que impedem o processo de consolidação de nossa embrionária democracia seguem, em linhas gerais, o padrão de jogo de interesses antinacionalista, corrupto, além de forma pueril que seus actores normalmente se apresentam para justificar suas acções. De certa forma, presencia-se a construção de um estado caótico com excessiva fragmentação e fragilização das instituições. O dito interesse nacional está a ser dia pós dia despedaçado como um animal morto no meio de abutres. Pareceu-me que a Nação rendeu-se aos actos criminosos de seus grupos políticos e militares e o Estado cedeu lugar à proliferação desenfreada de narcotráfico, onde suas principais autoridades assumiram declaradamente o comando da bandidagem.        

Quando não é levantamento militar, é uma instituição civil que usurpa o poder constitucional de outra. O nível de barafunda chegou a um ponto alarmante, que às vezes causa-nos uma descrença profunda em relação ao futuro da terra que muitos guineenses amam, e que poucos mal agradecidos procuram infernizar.

A política vista como relação de poder, é um jogo, e como todo o jogo, também tem a sua regra, que quando não forem cumpridas causa um mal-estar no ambiente. Podemos partir de um exemplo simples de futebol que, aliás, é o desporto preferido por maioria dos guineenses: nesse desporto, com a exceção de guarda-redes, nenhum outro jogador pode colocar a mão na bola em plena jogada, é falta e o jogador infractor é imediatamente punido de acordo com a gravidade. Pois bem, na política e, especificamente, nos regimes onde o modelo é democracia, a situação não é diferente, e para manter o bom funcionamento das instituições, o cumprimento das leis é extremamente relevante.

A democracia gira em torno de “conflito e consenso”, sendo que essas duas situações precisam ser geridas dentro de um padrão de controle de separação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O respeito pela separação desses poderes é o único mecanismo que garante a estabilidade de relacionamento entre as instituições e seus respectivos actores. Hoje, a percepção que temos das nossas instituições é de incoerência política muito alta, além de ser caracterizadas pelas actitudes fortemente autoritária, elitista e tribalista. 

A actual conjuntura de instabilidade político-institucional que mais uma vez sacudiu nossos ânimos, com a assinatura do Pacto Tripartidário PAIGC, PRS e PUSD é a conseqüência de actitude autoritária tomada pelo Presidente Nino Vieira, ao afastar o partido vencedor das eleições do poder. Pois, ficou evidente (isso de acordo com as denuncias infantis de Koumba Ialá) que o real pretexto para a queda daquele governo estava no pagamento da dívida do regresso do próprio PR à Guiné e sua conseqüente “victória eleitoral”. E para mascarar o que podemos considerar de golpe-institucional, foi importado um “terrorista constitucional” português para transformar o ilegítimo em legítimo. Obviamente que, se em Portugal não existe espaço para corromper a sociedade política e, muito menos a constituição, a Guiné sendo a República dos Otários em matéria de interpretação da lei, surge como laboratório do crime.  

Como salientamos ainda a pouco que, a democracia é feita de “conflito e consenso”, mas, também conceber o Pacto Tripartidário como algo que vai trazer a estabilidade política ao País é comprar “gato por lebre”, como diz o ditado popular. Estamos a pouco menos de doze meses do ano eleitoral, e toda a movimentação nesse momento objectiva única e exclusivamente a formação de bases para o embate eleitoral. Em termos de análises, três leituras nos são possíveis: primeira, o PRS só aderiu o pacto porque rompeu aliança Nino/Koumba, e o partido perdeu o controle sobre a ala que até então continuava no governo, e corre o risco de não ter fundos suficiente para bancar sua campanha eleitoral; segunda, o PAIGC quer pagar na mesma moeda o golpe que recebeu, ou seja, a vingança e, finalmente a terceira, o PUSD que é um partido de menor expressão política, decidiu pegar a carona e garantir a sua permanência no governo do pacto, e aumentar sua chance de manter ou aumentar sua cadeira no parlamento na próxima legislatura.

Por questões de espaço, não vou me ater de forma detalhada aos pontos que o pacto reza na sua totalidade, limitar-me-ei a falar simplesmente do Arto 50 que dispõe sobre proposta de nomeação aos cargos. Ou seja, esse ponto reza sobre as atribuições de primeiro ministro que, além de contraditória com outros pontos subseqüentes, deixa claramente que o chefe de governo não terá plenos poderes políticos de mexer no tabuleiro, sua função é meramente administrativa, isto é, se os interesses venham a permitir. Aliás, teremos exactamente um governo tutelado, à imagem do que era liderado por Aristides, que só caiu porque não se submeteu desde início aos mandos e desmandos da direcção dos dois partidos (PRS e PUSD) que o davam sustentação parlamentar no Fórum de Convergência Democrática.  

Por enquanto não existir um mínimo de coerência política na forma de actuar, principalmente, nas instituições que requer a presença partidária forte (Executivo e Legislativo) a condição para a estabilidade governativa estará sempre ameaçada. Tem uma coisa que precisa ser entendida por nossos grupos políticos de que, se na vida particular procuramos escolher com quem fazer amizade, partindo de certos princípios de afinidade, de igual modo, o sistema partidário também requer princípios ideológicos como fundamental para formação de alianças. Muito embora, sabemos que ainda na Guiné é pouco clara a posição ideológica dos partidos, mas conceber também o casamento PAIGC/PRS (dois partidos que historicamente sempre estão de lados opostos), é coisa para se duvidar. E, por questões de não incorrer o risco de fazer julgamento de valores, prefiro não entrar detalhadamente sobre alguns pontos que mostram que esse pacto tem mais haver com a construção de mais uma bomba, do que com a garantia de estabilidade. 

Até certo ponto, pode ser compreensivo o desejo do PAIGC de participar do pacto e “recuperar sua posição como partido da situação”, isso se partirmos do pressuposto de que ninguém, seja no sentido individual ou colectivo, gosta de perder injustamente aquilo que lhe é de direito. Mas, é sempre bom saber que quando à vontade de recuperar o algo perdido supera a racionalidade, podemos incorrer o risco de entrar num beco sem saída. E é justamente isso que se desenha.         

A preocupação que fica dada às circunstâncias de que o novo Executivo estará sujeito é duvidoso. Por um lado, fica interrogação de como será a relação com o PR? E por outro, onde é que o primeiro ministro vai buscar a “autoridade política” para governar? A minha intuição me disse que ainda teremos a permanência de instabilidade polílico-governativa.


Palmas para o Zé

 

Mindjeris di panu pretu ka bô tchora pena...

   

     Armando Salvaterra

 

17/05/2007

 

Tomei a decisão de escrever este artigo para homenagear aquele que todos nós consideramos como o grande ícone cultural e pioneiro da música moderna guineense, José Carlos Hans Schwarz, ou simplesmente Zé Carlos, como é popularmente conhecido. Lembrando que ele morreu num acidente de aviação em Cuba, no dia 27 de maio de 1977, aos 27 anos, na flor da juventude a serviço da terra que tanto amava, e que dedicou toda a juventude abdicando de estudar para ingressar clandestinamente nas fileiras do PAIGC em Bissau, onde combateu à ocupação portuguesa. Zé Carlos deixou atrás de si, um legado de determinação de um patriota preocupado com o futuro de seu País. Sempre mostrou que um jovem precisa ser persistente quanto aos propósitos. E essa sua preocupação ficou evidente na canção “Djiu di Galinha” quando fez analogia de sua paciência com a dos pescadores “manera ku piscaduris ta pêra maré, asím tambi ku n´ta pêra nha dia di riba”, numa leitura sutil e clássica que só um gênio de sua categoria conseguiria antever.

Zé Carlos acreditava que era justo entregar sua vida por uma causa nobre, que é libertar o Chão que o viu a nascer da dominação, e pediu num tom heróico as “Mulheres de Pano Preto”, ao interpretar a letra de seu amigo poeta, Armando Salvaterra, a não chorarem mais quando morre um patriota... É verdade que o homem José Carlos Hans Schwarz morreu, mas o poeta Zé, ainda continua eternizado em nós, como símbolo da cultura e exemplo de dedicação a ser seguido por todos os jovens. Dele, a minha geração apenas conhece o irresistível estilo musical, que encanta e desencanta, e a nossa maior decepção é a ausência de literaturas que falem sobre a vida e a visão desse grande astro musical, que sem dúvida se coloca ao lado de Bob Marley e outros fenômenos mundiais, cujos ideais serviram para dizer não à dominação e repressão. 

A falta de interesse e, sobretudo, a ignorância em relação ao papel preponderante que a cultura representa no processo de desenvolvimento de qualquer sociedade, resultou na desvalorização da obra que inteligentemente Zé Carlos, Aliu Barry, Zé Lopes, Atchutchy, Dominik, N´Foré Sambú, N´Famará Mané, entre outros, plantaram com carinho e que hoje fazem parte de uma das relíquias da nossa história como povo.

A única forma que encontrei para recordar estes 30 anos de morte de nosso patrimônio cultural, José Carlos é fazer indagação sobre a Escola de Música que tem o nome dele, e que há muito seus instrumentos musicais (se é que ainda lá estão) ficaram entregues aos ratos e baratas – a música ninguém estuda mais ali. Mas porquê? Porque a lógica de governos corruptos é: quanto mais o povo vive na ignorância, mais é a chance dele ser explorado. Apesar de não ter tido a oportunidade para fazer um dos cursos que a escola oferecia como o de viola, mas que ainda é um sonho meu a se realizar, lembro que por aquela escola passaram músicos de reconhecido valor, como são os casos de Zé Manel, Manecas Costa, Justino Delgado, Dulce Neves, Maio Copé e outros.

Quando falo da Escola de Música, quis realmente falar de portas que foram fechadas a centenas de jovens, que poderiam descobrir suas qualidades artísticas e conseqüentemente se livrarem das tentações malignas da sociedade para vislumbrar melhores horizontes na vida. A ausência de oportunidades permitiu que muitos deles fossem adotados por drogas, alcoolismo e assalto. É triste dizer isso, ou saber que estamos a perder muitos Zé Carlos, Amílcar Cabral e Luís Fogna Tchudá para os vícios malignos da vida. Mas, digo e reafirmo que não precisamos desenvolver estudos empíricos para provar a existência desta realidade, basta caminhar pelos bairros de Bissau e cidades do interior para dissipar as dúvidas. O governo sempre finge que nada está a acontecer, ou às vezes, quando pronuncia é para acusar os jovens de não querer fazer nada. Mas fazer o quê? Se no momento não existe nada que possa atraí-los a apostar neles mesmos. Os que resistem, é porque a estrutura familiar os moralizou a não desistir dos sonhos, e os que não conseguem esse apoio, se refugiam nas práticas socialmente condenáveis. Talvez alguém possa até me questionar – mas hoje existem duas Universidades no País? Isso é verdade. Só que as duas são pagas e a maioria dos pais não têm suporte financeiro para arcar com os encargos! Além do mais, ainda faltam o que podemos considerar coração de uma instituição de ensino superior, que é a “biblioteca e o laboratório de pesquisa”, isso para não falar de sua essência, já que ambas são recém-criadas – Ensino, Pesquisa e Extensão. Será que é difícil construir uma biblioteca? Diria que é difícil, mas como tudo envolve a vontade política, vou afirmar que não é tão difícil quanto é-nos dito. Tem coisas que são sérias e que a comunidade internacional e parceiros bilaterais não hesitarão em apoiar. O governo simplesmente precisa de capacidade, credibilidade e flexibilidade para captar recursos e construir um edifício destinado ao funcionamento de biblioteca e outros serviços em prol da produção de conhecimento. Quanto aos livros, uma campanha de pedido de doação junto aos governos e instituições privadas de países como Portugal, Brasil, ou mesmo a comunidade guineense na diáspora e parceiros anglofonos e francofonos poderão ser um dos caminhos para a solução da questão. Em pouco menos de treze anos foram construídos dois Palácios de Assembléia Nacional Popular (sendo que o primeiro foi abandonado sem fortes motivos), um bairro para ministros, além de habitual compra de carros com elevados custos, ou seja, o investimento público continua a atender apenas interesses da elite política. E porque não poderia existir esta mesma preocupação para atender as demandas sociais, como a construção de escolas, hospitais, conjuntos habitacionais e espaços de lazer para a prática desportiva e parques recreativos?   

Estamos perante graves problemas sociais que o poder finge não ver, e que se não forem alterados com programas eficazes para investir nos jovens e colocá-los na escola e mercado de trabalho, teremos num futuro não tão distante ondas de violência urbana de elevada escala, que a nossa estrutura policial não terá a capacidade de aguentar, porque até hoje eles não estão ainda preparados para lidar com “ladrões de galinhas”, e duvido se estarão à altura para crimes mais complexos. 

Zé Carlos já havia dito tudo isso, sua preocupação quanto ao rumo que o país tomou logo após a independência está presente em músicas como: “si bu djunta ku purku forel ku bu ta kumê” ou “finka purmero dubi, di kasa ku nô misti kumpu”, em ambas as canções procurou criticar ou chamar a atenção de “Camaradas” que estão no poder no sentido de serem mais responsáveis com a coisa pública. É impressionante constactar o valor da herança intelectual que o Zé Carlos nos deixou, principalmente, no que diz respeito à sua preocupação com a idéia da liberdade, quando fala do direito da mulher, da criança e do Homem. Por isso e por tudo, não devemos mais chorá-lo, devemos sim, aclamá-lo com salvas de palmas pelas grandes obras deixadas.


 

    

A Criança não trabalha, ela estuda e brinca.

 

Kê ku mininu na tchora, i dur na si kurpu.

Kê ku mininu na tchora, i sangui ki kansa odjá.

   

     Zé Carlos

 

05/06/2007

 

Tudo começou após a II Guerra Mundial, com a reivindicação da Federação Democrática Internacional das Mulheres, que propôs às Nações Unidas que se comemorasse um dia dedicado às crianças do mundo. Pois, uma das alegações apresentadas é que as crianças, inclusive as da Europa, que no período se encontrava devastada pela guerra, estavam a enfrentar grandes dificuldades, como de alimentação que era deficiente, dos cuidados médicos que eram escassos sem, no entanto dizer, por exemplo, que muitas delas eram retiradas de escola para trabalhar. Essa dramática situação resultou na preocupação de escolher o 1o de Junho para homenagear crianças sofredoras de todo o mundo.

Muitos anos já se passaram, e muitas coisas também já aconteceram inclusive a própria criança européia que na época estava abandonada, hoje tem cuidados especiais que o seu mundo mágico exige. Enquanto num lado faz a bonança, noutro faz a tempestade, que envolve uma grande maioria de crianças africanas, sul americanas e asiáticas, ambas "desprovidas do direito de ter Infância". Elas já nascem proibidas de direitos fundamentais, como o de ter pai (ou pais), de não poder brincar e estudar, além de serem usadas como mão-de-obra do trabalho braçal para garantir o sustento familiar.

Todo bom pai sabe o quanto à criança lhe traz a paz no Lar, principalmente, quando volta exausto de serviço, e ao chegar a casa e ver ela a correr com aquele sorriso sem maldade ao encontro para lhe abraçar, aliás, a sensação que podemos sentir nessa hora é de um genuíno gesto de amor sincero que nos fazem obviamente esquecer do pesadelo que o dia nos causou.     

Entretanto, devido à complexidade do assunto, e tendo em conta que para falar de situação da criança no contexto mundial exige uma analise mais aprofundada da realidade peculiar de cada país ou continente, o que não é o propósito no momento. Nesta reflexão, pretendo simplesmente abordar a realidade de crianças guineenses. Apesar de estar afastado fisicamente do país por um bom tempo, posso afirmar que espiritualmente vivencio intimamente no meu imaginário, o quão continua a ser a árdua tarefa dos nossos "Pequenos Heróis". Os becos e tigelas de mancara, manga, milho, batata doce, mandioca e laranja são elementos que podem testemunhar o peso da cruz que elas carregam. A refeição nos Lares continua a depender de suas habilidades para negociar esses produtos, seja debaixo de sol ou da chuva, aí vão elas corajosamente a percorrer ruas e avenidas a procura do freguês.  

Há mais de quatro décadas uma parte de mundo se mobilizou para reivindicar mais atenção as crianças abandonadas, e hoje em pleno século XXI, continuamos a observar que em países como Guiné-Bissau, Senegal, Mali, entre outros, elas continuam a sofrer. Ao nascerem, raras vezes são registadas, a refeição além de ser de má qualidade é uma vez diária, a escola continua a ser uma realidade distante para muitas, que na maioria das vezes passam a vida inteira sem conhecer o alfabeto.

Acho que chegou a hora de parar e pensar um pouco sobre o que temos feito para nossas crianças. Ou seja, quantas delas já chegaram a ganhar um presentinho dos pais, uma boneca ou uma bola? Quantas já chegaram a sair com os pais para passear, despertar suas curiosidades e se sentir amada? Quantas já morreram por falta de cuidados? Quantas foram abandonadas pelo pai? Quantas já foram vitimas de abuso sexual, em casa ou fora dela?  Quantas ficaram sem pai porque as balas das revoltas assassinas o mataram? Obviamente, que isso não constitui preocupação alguma por parte dos produtores da instabilidade na Guiné, para eles, importa mais suas aspirações pessoais a custa do sangue e do sofrimento das crianças. O que podemos observar, é que as expectativas futuras para o bem-estar de nossas crianças são sombrias. O fim de seus sofrimentos vai precisar, além da implantação de garantias Constitucionais que as protejam, de programas de governo que organize a política econômica, e elimine o atraso no pagamento de ordenados de servidores públicos através de uma profunda reforma estrutural. Só com um rigoroso controle daquilo que é público podemos permitir que os pais tenham um poder econômico satisfatório que assegure a alimentação, saúde, escola e lazer de qualidade aos seus filhos. Pois, quando Amílcar Cabral dizia que – as crianças são Flores da nossa luta e Razão do nosso combate – literalmente queria ensinar que a Guiné-Bissau só terá futuro quando começa a colocar crianças como prioridade em suas acções governativas.

Um país se constrói com dois elementos – homens e livros – como dizia o escritor brasileiro Monteiro Lobato. Nossas crianças devem ser a nossa maior riqueza, elas precisam crescer num ambiente saudável e com acesso a uma educação de qualidade, que nos permita formar cidadãos e cidadãs com um elevado senso de cidadania. O problema de nossa estagnação em todos os sectores da vida pública, não pode ser visto apenas numa perspectiva de instabilidade político-militar ou da escassez de mão-de-obra qualificada. Em partes, é o resultado de ausência de uma forte consciência nacional. E só vamos construir uma sociedade consciente com direitos e deveres investindo nas crianças, com coisas que começam com o aprendizado do Hino Nacional (coisa que não se ensina mais nas escolas primárias e secundárias do país, e que acho uma vergonha nacional), e depois, os valores que as façam entender da responsabilidade que pela frente terão na construção do bem-estar de gerações futuras.  

Sem exagero ou pessimismo, mas pelo actual estado de coisas, posso afirmar que hoje na Guiné a honestidade não tem mais valor. A naturalização da corrupção é tão visível e chegou a ponto que os servidores (desde os mais baixo até ao mais alto cargo da hierarquia pública), saem de casa para serviço sem mais pensar no que podem fazer de bom para construir o País. Todos vão para o serviço com uma idéia fixa – o que devo fazer hoje para “roubar” o montante X? E a prova de que isso acontece pode ser observada na forma como funciona a burocracia pública, ou seja, tudo funciona a base do suborno ou “suco di bás” como o povo gosta de chamar. E aí, onde está o Estado? Onde está a ordem? Onde está direito Humano?

A minha conclusão é o seguinte, enquanto não encontramos soluções para frear os vícios enraizados na nossa sociedade de banalizar o que é público e admirar corruptos “flano i matchu” em vez de puni-los, não nos surgirá à oportunidade para pensar em políticas públicas que atendam as necessidades de nossas crianças, dos nossos deficientes físicos, dos nossos idosos e de outros grupos sociais que precisam de um atendimento e cuidado especial.          

 


 

 

Os donos do tráfico

 

(...) diz-se que um governo é “legitimo” se o povo acredita que seus actos, procedimentos, decisões políticas, estruturas, autoridades ou lideres são apropriados e moralmente justos.

 

“Robert Dahl”

 

20/08/2007

 

Os grandes avanços tecnológicos pelos quais o mundo hoje passa, são vistos pelos observadores como reflexos do processo da globalização, fenômeno que propiciou notáveis conquistas, principalmente, no domínio da comunicação (televisão e internet), que permitiu a troca de informação numa velocidade jamais vista. Mesmo apesar dessa revolução, entre os cientistas sociais, existe uma opinião quase unânime de que o Estado Moderno está em crise. Facto que segundo eles se testemunha de um lado, pela crescente onda de terrorismo, do narcotráfico, da intolerância e conflitos entre e dentro das nações, e por outro, está as dificuldades dos governos em cumprir o “requisito máximo da democracia”, que é de garantir o bem-estar de seus cidadãos, considerados politicamente iguais.

Em certas nações onde as principais instituições democráticas, partidos políticos, Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário apresentam um baixo nível de institucionalização, o processo democrático corre o risco de ser constantemente interrompido pela acção militar, e essa tem sido a situação que nos últimos anos tem caracterizado a jovem democracia guineense. De 07 de Junho de 1998 ao momento actual os militares passaram a protagonizar a instabilidade e dominar o cenário político nacional, usurpando deste modo, o papel dos partidos políticos, organização que por natureza do regime é o genuíno responsável pela canalização das demandas da sociedade a estrutura do governo.

Com efeito, a constante intervenção do poder militar no funcionamento das instituições democráticas e seu conseqüente domínio sobre o poder civil, não pode ser observada apenas como uma atitude autoritária dos militares, de certa forma, pode ser visto também como reflexo da incapacidade do poder civil em criar mecanismos institucionais que controlasse a classe castrense. A última eleição presidencial de 2005 pode testemunhar esse facto e o alto nível de subserviência que os dois então candidatos, Nino Vieira e Malam Bacai, demonstraram ao usarem como bandeira de suas campanhas a promessa de manter no cargo caso ganhassem a eleição o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, General Tagme Na Waie.  Pois bem, talvez alguém me responda, afirmando que o contexto da instabilidade política tenha definido o tal comportamento. O que em partes pode ser apenas uma desculpa antidemocrática, pois o único compromisso dos partidos e/ou candidatos válido numa democracia é com os eleitores e instituições democráticas, jamais com indivíduos escondidos atrás de armas. 

De alguns meses para cá, a notícia que se acompanha do país na imprensa internacional, é de que parte do seu território se transformou em placa giratória para a canalização de substâncias entorpecentes no mercado europeu. Pior ainda, é que as informações veiculadas indicam um suposto envolvimento dos militares com o referido crime. Acredito que os guineenses não têm duvidas quanto ao glorioso papel desempenhado pelas Forças Armadas durante o processo de descolonização (muito embora saibam que a grande maioria dos verdadeiros combatentes já se foi) só que no momento, suas acções constituem um autêntico pesadelo ao bem-estar do povo que juraram defender.

O risco que o país corre com a proliferação e envolvimento de pessoas desprotegidas (principalmente adolescentes e jovens) com droga é incalculável e com conseqüências desastrosas. O envolvimento de um país com drogas pode conduzi-lo a três grandes problemas fatais: o primeiro, relaciona-se com o da saúde pública, que muitas das vezes é recorrente da violência urbana, ou de situações que podem conduzir a perda de memória a seus usuários; o segundo, advém do rombo nas finanças públicas, e em situações extremas, como é o caso actual da Guiné-Bissau, pode contribuir na redução de investimento externo, dado que o tráfico estimula a corrupção e a insegurança, e nenhum investidor honesto arriscará colocar o seu dinheiro num mercado de risco; e terceiro, pode resultar no surgimento de grupos criminosos fortemente armados com capacidade de controlar parte do país, a exemplo do que se vive hoje em algumas cidades do Brasil, Colômbia e outros países da América do Sul. Apesar de existir uma ênfase maior por parte da imprensa sobre o envolvimento dos militares com o tráfico, prefiro ir mais além, e dizer que a rede pode ser maior do que imaginamos. Uma observação cuidadosa e inteligente da relação de amizade que vem sendo estabelecido entre alguns civis e militares nos fazem pensar que os primeiros são supostamente os mentores intelectuais, enquanto que os segundos dão protecção à rede do crime.

Não obstante, um país com enormes dificuldades de controlar com eficácia o rendimento fiscal de pessoas jurídicas e físicas, e, sobretudo, que não tem uma estrutura policial com capacidade material, financeira e humana com competência investigativa para monitorar negócios ilícitos, pode ser obviamente, um paraíso para a multiplicação de actos criminosos que criam prejuízos enormes aos cofres públicos. Motivo pelo qual, nosso sistema de saúde, de educação e de emprego permanece na precariedade. Mas, para quem consegue ser um observador atento, é fácil perceber que a circulação de droga, lavagem de dinheiro, tráfico de armas e outros comportamentos criminosos, não são factos novos no país, a própria sociedade guineense, mesmo apesar de sua ingenuidade, tem a consciência de que certas pessoas se enriqueceram no país da noite para o dia. Vimos de tudo nesse país desgovernado pela acção criminosa: um simples pintor (ou padeiro) que nunca ganhou na loteria, mas que ostenta bens de alto valor; um lutador que não herdou bens, mas que num piscar de olhos virou dono de fortunas, simples funcionários públicos com salário miserável, que se transformaram em empresários poderosos e um Estado que cada vez assume a posição de Gangue.    

Enfim, além da comprovação da existência do tráfico em grande escala, ainda assistimos o petulante desaparecimento de drogas aprisionadas! Ou seja, é um emaranhado que engloba abuso do poder, incompetência administrativa e ausência de senso de responsabilidade. Diante disso, ainda existe a ousadia de desafiar a sociedade guineense e perseguir quem acima de seus direitos como cidadão exige ou exigiu a demissão do Chefe de Estado Maior e seus subordinados. Qualquer autoridade seja ela militar ou civil, precisa saber, que quem assume o cargo público deve estar preparada não só para ser um servidor público a altura, mas para enfrentar críticas da sociedade, principalmente quando demonstra não ter qualidades suficientes para assumir o cargo. E colocar o cargo a disposição é nada mais que uma questão de princípio ético-burocratico, uma actitude de dignidade e honestidade de um grande patriota – qualidades escassas entre nossas autoridades, mas que precisa ser cultivada.

 


 

 

Um País fora do lugar

 

Um País com projecto é como um barco com bússola, sabe a que porto chegar. Portanto, não há tempestade que o afunde ou lhe tire o rumo.

 

“Semedo”

 

08/10/2007

 

No dia 24 de Setembro passado comemoramos o 34º aniversário da Guiné Bissau. De acordo com o convencionado, sempre quando completamos mais uma primavera recebemos presentes, cumprimentos ou abraços de pessoas próximas e amigas em comemoração a esse momento marcante da nossa existência. No aniversário da nossa amada pátria, tudo que eu queria era abraçar a cada um dos conterrâneos, principalmente, os camponeses, operários, videiras, viúvas, órfãos, mulheres, homens, jovens e crianças, mas, dado a impossibilidade de fazê-lo, gostaria de usar esta reflexão para homenageá-los pelo heroísmo que têm demonstrado em enfrentar os longos e amargos anos que o descaso governativo nos impõe sem pudor.  

É inegável que em termos cronológicos o tempo da existência da Guiné-Bissau como Estado independente é praticamente insignificante, mas isso não quer dizer que nesse espaço de tempo não pode ser desenvolvidas acções mínimas que garantisse algumas necessidades básicas e permitisse que os cidadãos acreditassem naquilo que o país pode, e deve oferecer, que é o bem-estar de todos. Aliás, vale dizer que o país até começou bem, nos primeiros cinco anos do período pós-independência. Existiam alguns indícios que mostravam um razoável avanço no sector agro-industrial com a implantação de pequenas unidades fabris em diferentes regiões para o beneficiamento de matérias primas. Processo que, infelizmente, foi interrompido com o golpe de estado, em Novembro de 1980, e que de um modo geral, foi responsável pela desaceleração e morte do sistema produtivo nacional. Tendo em conta que, após o movimento chamado de reajustador, a elite que assumiu o poder se desajustou e não deu continuidade aos projectos em curso, e as unidades fabris que até então empregava um número significativo de servidores aos poucos começaram a fechar as portas, e no seu lugar, instalou-se naturalmente a crise social e econômica.

O reflexo da interrupção do processo de industrialização do País é hoje o resultado da ausência de um sector privado forte e articulado, com a capacidade de influenciar decisões políticas e contribuir juntamente com a sociedade civil organizada na consolidação do processo político democrático. A fragilização do sector privado colocou o país na situação de dependência à dinâmica econômica senegalesa, principalmente, após a adesão a União Econômica Monetária da África Ocidental (UEMOA), momento em que o nosso mercado passou a ser dominado e abastecido pelos empresários senegaleses e de outros países vizinhos. Pior do que a invasão do nosso mercado, é a forma como o governo de Dakar tem desconsiderado a contribuição do consumidor guineense no fortalecimento da economia senegalesa e, em alguns momentos, impediu a exportação de mercadorias para Guiné-Bissau.

A tendência natural de qualquer país, quando for minimamente administrado, é crescer e propiciar aos seus cidadãos condições necessárias que melhorem suas qualidades de vida de forma que os mesmos não se sintam atraídos pela emigração. E, pelo histórico dos acontecimentos, percebe-se que a Guiné nesses seus 34 anos, obteve mais regressão do que progressão. A decadência começou a partir da década de 80, momento em que os governantes passaram a contribuir visivelmente na depredação de bens públicos, com o uso de cargos públicos para benefícios particulares. No geral, posso afirmar que poucos são os avanços conseguidos pelos governos pós-golpe, e dois aspectos podem caracterizar a situação: no domínio de geração de emprego e no de construção de infra-estruturas públicas. Em relação ao primeiro aspecto não precisamos desenvolver estudos para concluir que o sector público é responsável por mais de 90% de postos de emprego, facto que coloca uma grande maioria de jovens fora do mercado de trabalho. Os que conseguem entrar no mercado, muitas das vezes, são favorecidos pelo nepotismo. No segundo, uma grande parte das infra-estruturas escolares, hospitalares, prisionais, rodoviárias, energéticas e os próprios ministérios existentes no país foram construídas no período colonial, e actualmente além de não conseguirem atender as demandas, apresentam um estado de precariedade muito avançada que constitui uma ameaça a vida dos usuários. 

Não tenho dúvidas de que os nossos governantes mais do que ninguém sabem, mas fingem não entender o que deve ser feito para fazer a Guiné funcionar e permitir que os guineenses sonhem com uma vida melhor sem precisar sair para o exterior. É óbvio que a tarefa de administrar não é fácil, e isso se prova em nossas famílias, nas empresas ou nas igrejas. E quando o desafio é o de administrar um país a dificuldade aumenta, dado o grau de complexidade e de disputa de interesses que são maiores. E como já cheguei a mencionar em outras reflexões, para controlar a situação e garantir a segurança governativa o país precisa ter um Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) onde irá traçar as necessidades e as metas a serem alcançadas sem causar transtornos maiores. Mas, para as coisas funcionarem, precisa-se de mecanismos para administrar e punir a corrupção, que hoje é quase uma cultura oficial, entre a elite política, militar e intelectual.

Pode parecer ridículo e absurdo dizer isso, mas a Guiné é um dos poucos países no mundo onde o Executivo governa sem dados estatísticos para orientar suas acções de governo. Por exemplo, duvido se o ministro de Educação tem dados sobre o número de crianças matriculadas este ano na rede escolar e o das que não conseguiram entrar, e essa minha dúvida é extensa a todos os outros ministros, levando sempre em consideração às questões em que cada um é responsável. Governar é como construir um edifício, sempre precisamos ter um projecto a frente antes de iniciar a obra para nos orientar a projectar detalhadamente a cada fase da obra no sentido de permitir que o edifício chegue o tempo pelo qual foi projectado. E talvez uma das saídas para o problema seja pensar em equipar e fortalecer o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP) ou criar um outro Instituto com carácter mais “multidisciplinar e técnico”, e com a responsabilidade permanente de recolher dados sobre a vida do país em todos os sectores e colocá-los a disposição do governo. Acredito que os guineenses já estão cansados de escutar em cada momento, principalmente na imprensa, quando uma pessoa é indicada para ocupar o cargo de primeiro ministro as expectativas exageradas que são criadas sobre o seu papel de salvador da pátria. O que não passa da pura ilusão, visto que, a experiência dos onze primeiros ministros que o país já teve no período de 1994 a 2007 nos mostrou que o problema da Guiné-Bissau está muito além da capacidade individual, o cerne está na ausência de elaboração de políticas concretas.      

É urgente a necessidade de o país aproveitar suas potencialidades humanas e naturais para acompanhar o processo global de desenvolvimento, e também não desperdiçar com ondas de instabilidades político-militar os interesses de potenciais investidores no mercado nacional. Acredito que isso pode nos ajudar a colocar a Guiné-Bissau no seu devido lugar e permitir que as futuras gerações tenham o orgulho de viver e morrer na terra que as viu a nascer sem ter que passar por humilhações em terras alheias à procura de melhores condições de vida.

PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO

www.didinho.org