Protestantismo e proselitismo  
na Guiné-Bissau

Reflexões sobre o insucesso do proselitismo 
no Oio e na província Leste

 

Tendo como suporte argumentativo elementos do discurso desenvolvido pelos dignitários muçulmanos acerca da não-adequação das religiões cristãs aos usos e costumes mandingas e fulas da Guiné-Bissau, traços das características que marcam a relação dos muçulmanos africanos com o corpus do islão e a constatação factual do pouco sucesso da acção proselítica dos protestantes entre os muçulmanos, procura-se neste artigo lançar algumas pistas de reflexão sobre as razões do insucesso das tentativas de construção dum campo religioso protestante, como aliás também das de um campo católico, nas zonas predominantemente muçulmanas da Guiné-Bissau.

  A presença do islão na Senegâmbia, região histórica e geográfica onde se inclui a Guiné-Bissau1, é bastante anterior à do cristianismo : a presença efectiva do islão remonta muito provavelmente aos séculos xii-xiii2, a presença regular de missionários católicos situa-se numa data nunca anterior ao último quartel do século xvi3.

  Por outro lado, a representatividade, na região, do islão e do cristianismo é bastante desigual : o islão transformou-se, por volta do início do século xx, na religião maioritária, o conjunto das confissões cristãs sendo ainda hoje, por comparação com o islão ou com as religiões locais, ultra-minoritário.

  A penetração do catolicismo, e mais tarde do protestantismo, foi desde o início muito limitada e problemática. A expansão das confissões cristãs ficou, de uma forma geral, confinada às populações do litoral senegambiano e sofreu, ao longo dos séculos xviii e xix, vários acidentes de percurso no confronto com o islão e com as religiões locais, que não só os excluíram mais ou menos definitivamente de zonas onde anteriormente tinham tido alguma aceitação, como ainda traçaram os limites da penetração para o interior nos finais do século passado e no século xx. A expansão cristã para o interior senegambiano fez-se dificilmente e quase exclusivamente à custa de populações do litoral, resistentes ao proselitismo muçulmano, que acompanharam o movimento de ocupação territorial das potências coloniais4.

  Pelo contrário, o islão, embora privilegiando as populações ditas sudanesas do interior senegambiano, irradia por toda a região, num movimento continuado e de saldo positivo em termos quantitativos : no século xviii havia já largas zonas do interior predominantemente islamizadas, nos finais do século xix - princípios do século xx o islão era já globalmente a religião majoritária da Senegâmbia5.

  Contudo, a presença efectiva do islão nos territórios que deram origem à actual República da Guiné-Bissau só é notória a partir do terceiro quartel do século xix, altura em que se assiste à islamização em massa das populações fulas, biafadas, mandingas e « mandinguizadas ». Até meados do século xix, embora houvessem já alguns núcleos de populações islamizadas nas áreas que fazem parte das actuais regiões administrativas do Oio, Bafata e Gabu6, o islão era ainda sobretudo um assunto de algumas famílias fulas, mandingas ou djacancas que se agrupavam nas chamadas mourocundas7 ou de certos comerciantes que percorriam a região - os djilas8.

  Porém, na viragem do século, passados pouco mais de trinta anos do início da islamização em massa no espaço da actual Guiné-Bissau, não só  a esmagadora maioria da população fula, mandinga e biafada - os actuais três principais grupos étnicos islamizados - se tinha convertido, como ainda já se iniciava a progressão do islão no principal grupo étnico da Guiné-Bissau, o balanta. Uma progressão que, embora limitada essencialmente aos Balantas habitando no Oio, veio dar origem a um grupo islamizado conhecido por balanta mané9. 
 
 

O protestantismo na Guiné-Bissau, 1940-1997 
 

  A penetração do protestantismo na Guiné-Bissau e em toda a Senegambia, embora sendo, naturalmente, posterior ao catolicismo e, no caso do Senegal e da Guiné-Bissau, sempre numericamente inferior, enfermou das mesmas dificuldades e problemas de afirmação do catolicismo : dificuldade de penetração no interior, associação à presença física mais notória de Europeus e seus descendentes, e confronto com um islão em expansão.

  Na Guiné-Bissau, a presença do protestantismo é, em termos quantitativos, como aliás a do catolicismo, pouco significativa e relativamente recente : a primeira missão protestante (Worldwide Evangelization Crusade, WEC) estabeleceu-se, em Bolama, em 1939-194010 ; no final da década de oitenta, passados cinquenta anos da instalação da missão e quinze sobre a promulgação da independência, os membros « efectivos » - os com notória participação regular nas actividades das Igrejas protestantes - não ultrapassavam os 2 500, todos da Igreja evangélica11.

  Por outro lado, historicamente a implantação do protestantismo no terreno é desigual. Como o catolicismo, o protestantismo é sobretudo referenciável, para além da cidade de Bissau, na metade litoral do país - na zona não predominantemente muçulmana mas « animista ». Embora com uma relativamente fraca penetração durante o período colonial na zona mais ocidental da Guiné-Bissau, ao contrário das regiões do Leste onde  o proselitismo só encontrou algum eco nas populações de origem caboverdiana, o protestantismo, incluindo na cidade de Bissau, estendeu as suas actividades a quase todos os grupos étnicos não muçulmanos - balanta, mancanho, manjaco, pépel e mesmo felupe.

  Em finais dos anos oitenta-princípios dos anos noventa só existiam lugares de culto ou núcleos protestantes com actividade regular, quase todos da Igreja evangélica da Guiné-Bissau (denominação actual do ramo guineense da WEC), na cidade de Bissau (onde, por exemplo, essa Igreja contava, no início dos anos noventa, com meia dúzia de locais de culto e a sede do Instituto bíblico, fundado em 1977), em Cumura, no Biombo e nas zonas de mais antiga implantação - a cidade de Bolama, a vila de Bubaque e a vila de Catió. Em Bissorã, um núcleo com alguma importância, que girava na órbita do centro de tratamento da lepra da WEC, desmoronou-se, antes de 1974, com o encerramento do centro devido à situação de guerra que existia na zona ; alguns pequenos núcleos que se formaram durante os anos cinquenta e a primeira metade da década de sessenta na zonas do Cacheu, Cachungo ou no Sul da Guiné-Bissau não resistiram às profundas movimentações populacionais que o avanço da guerra de libertação nessas zonas ocasionou.

  Porém, nos anos mais recentes, com a descompressão social concomitante com a liberalização da economia, a implementação do multipartidarismo e a realização de eleições legislativas e presidenciais, assiste-se a um novo impulso das actividades das várias Igrejas cristãs. Para além da continuação da presença forte do islão12, assiste-se a um incremento do proselitismo por parte das Igrejas protestantes e, por parte da Igreja católica, a par do recrudescimento das actividades religiosas e assistenciais, a uma assinalável presença nas movimentações sociais que marcaram as diferentes fases da abertura política.

  No caso particular das movimentações que acompanharam a implementação do multipartidarismo e do processo conducente às eleições de 1994,  o protestantismo seguiu, enquanto corpo social, a atitude de distanciamento que tinha tomado durante a luta de libertação. Uma tradição de apoliticismo que coloca o protestantismo na Guiné-Bissau quer fora da lógica que animou durante a luta pela independência algumas Igrejas protestantes em Angola ou em Moçambique, quer, no caso das recentes movimentações políticas, fora das atitudes tomadas por inúmeras Igrejas protestantes em vários países africanos13.

  Os anos noventa têm sido marcados, na cidade de Bissau e, embora de forma desigual, um pouco por todo o país, pelo alargamento das actividades da Igreja evangélica e por movimentos com alguma importância de proselitismo entre não-muçulmanos por parte de novos grupos protestantes e das chamadas seitas neopentecostais recentemente chegadas (Igreja adventista, Assembleia de Deus, Igreja Deus é Amor, Igreja do Cristo redentor, Igreja bíblica vida profunda, Igreja universal do reino de Deus, etc.). 
 

A presença protestante na província Leste e no Oio 
 

  No caso concreto das regiões predominantemente muçulmanas - sectores do norte da região do Oio, província Leste (região de Bafatá, região do Gabu) -, apesar da passagem ocasional de missionários protestantes ser assinalada várias vezes, desde pelo menos meados dos anos cinquenta, em núcleos urbanos como Pirada, Contuboel, Bambadinca, Mansabá, Farim ou Gabu, não é conhecida a existência nestas povoações de locais de culto protestante ou de núcleos protestantes duradouros com algum significado numérico. Nas regiões acima referidas, até aos anos noventa a presença protestante permanente resumiu-se ao núcleo da WEC constituído, nos últimos anos da presença colonial, na cidade de Bafatá - um pequeno núcleo de crentes evangélicos, maioritariamente de origem caboverdiana, dotado de um templo, e que foi, no período colonial, combatido pela Igreja católica e pela administração e, mais tarde, disperso pelos acontecimentos imediatamente posteriores à independência.

  Como para os católicos, a zona islamizada da Guiné-Bissau sempre foi - e é - para os protestantes uma zona de muito difícil proselitismo :  os muçulmanos consideram os cristãos quase como infiéis ou pelo menos como pessoas com valores religiosos (muito) inferiores aos seus ; ser muçulmano é, no quadro das mentalidades das populações fulas e mandingas, já de si uma prova de superioridade moral e social.

  Contudo, a propaganda religiosa das Igrejas protestantes e das chamadas seitas neopentecostais não tem deixado de ser notada nos últimos anos na província Leste e na região do Oio. Paralelamente, a actividade filantrópica de grupos protestantes, que tem sido bastante notória em Bissau, em Bolama, em Catió ou em Bubaque, tem também assumido na zona muçulmana alguma relevância. Não só grupos protestantes sediados no estrangeiro (Europa, EUA, Canadá) têm financiado vários projectos de desenvolvimento (educação, saúde, desenvolvimento rural, abastecimento de água), como ainda por exemplo um grupo protestante, a Society of Friends (quakers), tem, através do Serviço quaker para o desenvolvimento - uma organização não governamental confessional -, desde há alguns anos implementado directamente vários projectos14.

  Estas acções de desenvolvimento, que tiveram a certa altura, nos anos oitenta, uma forte oposição por parte dos marabouts e dos « homens grandes » muçulmanos, são actualmente aprovadas e acarinhadas pelas populações e pelos dignitários muçulmanos15 e, depois das duas ou três breves experiências mal sucedidas, no início dos anos oitenta, de misturar filantropia e ajuda ao desenvolvimento com algum proselitismo, não têm sido acompanhadas de tentativas de captação de adeptos com base no ascendente criado a partir da relação (social, técnico-cultural e economicamente desigual) entre representantes do doador e beneficiários da ajuda.

  O proselitismo protestante - no Oio, em Bafatá e no Gabu - está a cargo de quadros « encartados » e claramente identificados, quanto à sua missão, das Igrejas protestantes : quadros da Igreja evangélica da Guiné e, mais recentemente, desde 1994-1995, também da Igreja Deus é Amor, da Igreja do Cristo redentor e da Igreja universal do reino de Deus (IURD).

  As novas acções de proselitismo dos quadros protestantes evidentemente que, desde o seu início, não são bem vistas pelos dignitários muçulmanos, e só não têm originado conflitos violentos idênticos aos que ocorreram aquando das primeiras acções proselíticas da IURD na cidade do Gabu16 porque os quadros das Igrejas protestantes destacados no Oio e na província Leste, como o fizeram no passado os seus predecessores e o fazem desde há muito os católicos, foram obrigados, pela força das circunstâncias,  a interiorizar uma linha divisória tácita vincadamente étnica17 - imposta pelo peso da influência dos dignitários muçulmanos - a partir da qual não devem/não podem ter qualquer ambição catequética.

  O proselitismo protestante da década de noventa, em termos de abrangência étnica e de localização, em nada acrescenta ao desenvolvido durante as décadas anteriores : continua dirigido para as populações não muçulmanas, que no caso das regiões do Gabu e de Bafatá são altamente minoritárias ; retoma terrenos geográficos anteriormente já trabalhados pela Igreja evangélica da Guiné (Bafatá, Gabu, Pirada e Bambadinca).

 No caso de Bafatá, em relação ao passado, há porém uma alteração significativa :  os membros da Igreja evangélica já não são maioritariamente caboverdianos mas sim balantas.

  No essencial, as Igrejas protestantes recrutam nos Balantas e apresentam como provas dos seus sucessos a abertura de novos locais de culto18,  a distribuição em exponencial de bíblias e outros panfletos proselíticos nos centros urbanos e nas tabancas e, no caso particular da Igreja evangélica, a reconstituição do núcleo e abertura do templo de Bafatá19, a catequização nos últimos anos em Bafatá de alguns jovens fulas - dois ou três nas versões mais sóbrias, uma dúzia nas versões mais entusiásticas - ou o sucesso do trabalho da organização « Juventude com uma missão » entre os jovens de origem não muçulmana de Pirada.

  Em termos práticos, as acções voluntaristas tanto da Igreja evangélica como das outras Igrejas protestantes, na província Leste e na parte norte da região do Oio, não se têm traduzido num número significativo de conversões ou pelo menos de « conversões seguras », e não têm conseguido quebrar a tradicional barreira ao proselitismo cristão que é o islão :  o recrutamento de novos aderentes é feito, como anteriormente dissemos, nas populações não muçulmanas e em concorrência, sobretudo em Bafatá, em Farim e no Gabu, com a Igreja católica ; o aumento (ou a diminuição) do número de presenças nos ofícios e actividades religiosas está, em muitos casos, na razão directa da existência ou não de acções de distribuição de ajuda humanitária nessas mesmas actividades ; as mudanças no pessoal nacional de enquadramento religioso local ou a passagem menos frequente dos missionários estrangeiros são quase sempre razão para a paralisia proselítica dos núcleos locais ou mesmo para o seu total desaparecimento20.

  Importa ainda salientar que, para além do carácter pontual de muitas das acções de proselitismo - por vezes reduzido à passagem meteórica, uma ou duas vezes por ano, de missionários geralmente de nacionalidade não guineense -, as Igrejas protestantes, que lutam, como a Igreja católica, com  
a falta de quadros nacionais qualificados21, não conseguiram ainda que os mesmos fossem capazes de promover a reapropriação e a « indigenização » da religião : os quadros nacionais repetem no terreno, descontando algumas adaptações de pormenor e pontuais correcções de bom senso, o essencial das concepções religiosas que lhes são transmitidas pelo enquadramento (maioritariamente estrangeiro e ocidental) das diferentes Igrejas protestantes22.
 
 

Província Leste e Oio, terrenos desfavoráveis ao protestantismo 
 

  Neste aspecto, o islão tem uma grande vantagem sobre as confissões cristãs em geral e o protestantismo em particular : conseguiu, integrando com sucesso os usos e costumes e os entendimentos locais do sagrado e da religião, transformar-se em forma de religiosidade quase local. Na Senegâmbia como, de uma forma geral, em toda a África sub-sahariana, conseguiu que as práticas religiosas e o entendimento da religião adquirissem em cada etnia e em cada região marcas distintivas23.

  Para além da capacidade de integração das visões contextuais do sagrado, a capacidade de simultaneamente harmonizar e incorporar na religião as especificidades culturais é a principal razão porque o islão se transformou, em determinados contextos históricos e políticos africanos, numa barreira quase impenetrável às outras religiões monoteístas. Os muçulmanos usam instintivamente a especificidade cultural, colorindo-a com factos retirados da realidade do dia-a-dia, para justificarem a não-adequação do protestantismo e do catolicismo aos seus usos e costumes : alinham uma série de interdições, procedimentos contra naturam e de consequências maléficas, que, real ou supostamente, a conversão ao catolicismo ou ao protestantismo traria para Fulas ou Mandingas.

  De outro ponto de vista, ainda, a utilização de « factos indiscutíveis » retirados das vivências e experiências quotidianas para sustentar a previsão de consequências « naturalmente negativas » que a adopção de uma confissão cristã traria, permite aos dignitários muçulmanos resguardarem-se da necessidade de entrarem em domínios de explicação para os quais o seu escasso saber teológico não permite uma argumentação sustentada, verosímil e eficaz. Juntando o útil ao agradável, os Fulas e Mandingas da Guiné-Bissau evitam, por exemplo, que ao argumentarem a inadequação do cristianismo aos usos e costumes, tenham ao mesmo tempo de desenvolver uma argumentação do tipo das que alguns religiosos mais eruditos utilizam para contrariar a aplicabilidade prática da consideração, pelo islão, e que  é consensual também para a generalidade dos dignitários muçulmanos africanos, de que Jesus é, como Maomé, um profeta24 ; com efeito,  a argumentação desenvolvida pelos dignitários da Guiné-Bissau pouco tem a ver com a de cariz teológico que, por exemplo, as madrasa magrebinas  e alguns círculos africanos arabisantes desenvolvem acerca do tema.

  A evidente incapacidade de globalmente os dignitários fulas e mandingas sustentarem a supremacia do islão sobre as outras religiões monoteístas com outros argumentos que não os construídos a partir de « evidentes aparências » da vida quotidiana entronca, em grande parte, nas singularidades da natureza, das formas de transmissão e da utilidade do saber religioso muçulmano, na Senegâmbia em particular e na África sub-sahariana em geral, que decorrem da própria história da islamização. Por exemplo, entronca no facto de o saber muçulmano dos africanos, de uma forma geral, apesar de ser fundado aparentemente, pelo lugar fundamental dado ao Corão, na tradição escrita, dever a sua transmissão à oralidade, e no facto de, para a generalidade dos dignitários, as preocupações nos níveis mais elaborados de reflexão religiosa não serem de natureza exactamente teológica mas sim bem mais comezinhas : adquirir um saber que permita - por exemplo, pela adivinhação ou pelos sonhos - solicitar a intervenção de Alá na resolução dos assuntos quotidianos25. Não só a penetração das ideias religiosas muçulmanas na África sub-sahariana é limitada, como ainda essas ideias se afastam da ortodoxia muçulmana árabe em aspectos essenciais :  a islamização não ocasionou uma conversão dos povos africanos à cultura árabe, nem impôs o seguimento estrito das interpretações eruditas  e arabisantes dos textos corânicos26.

  Por outro lado, embora o conflito latente dos muçulmanos com protestantes e católicos tenha - como o tem, na Guiné-Bissau, o conflito em surdina dos católicos com os protestantes27 - alguns traços de simples disputa entre dignitários de religiões sobre um hipotético mesmo espaço de recrutamento de seguidores, a conflitualidade islão-cristianismo estrutura-se,  no entanto, em razões bem mais profundas : o facto do islão dispor de argumentos culturalmente mais conformes com as práticas culturais  e sociais das populações e como tal merecer de largos sectores da população (quase) todos os favores, embora lhe dê o lugar social e político da dominação, coloca-o numa situação aparentemente paradoxal de defensiva28.

  No caso concreto da Guiné, a possibilidade de construção de um campo religioso protestante ou católico nas regiões de religião predominantemente muçulmana sofre à partida de, entre outras, duas desvantagens significativas, parcialmente decorrentes uma da outra e que se inscrevem no quadro das questões levantadas no parágrafo anterior. Primeira desvantagem :  o campo religioso cristão procura constituir-se a partir da congregação das populações à volta de dois elementos - o elemento « superioridade da religião revelada », o elemento « superioridade do monoteísmo » - que muito antes já foram utilizados, com adaptações culturalmente eficazes, pelos muçulmanos como elementos centrais da construção simultânea da superioridade da sua religião sobre as religiões locais e do campo religioso muçulmano ; segunda desvantagem : o campo religioso cristão procura constituir-se colocando ao mesmo nível de centralidade dos elementos « superioridade da religião revelada » e « superioridade do monoteísmo », paradoxalmente, um terceiro elemento que impõe condições culturalmente restringentes de recrutamento : com diferenças displicentes entre si,  os responsáveis protestantes como os católicos continuam a partir do princípio de que, sendo os usos e costumes locais estruturalmente incompatíveis com o perfil de cristão, o postulante a cristão deve fazer prova prévia de que se afastou de uma forma clara desses usos e costumes29.

  Maio de 1998

  Eduardo Costa Dias

  Centro de estudos africanos

  Instituto superior das ciências do trabalho e da empresa, Lisboa

 
 
 
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