Resistir ou Desistir

 

Por: Francelino Alfa

22.12.2005

 

Crianças guineenses num monte de baga - baga

 

 

 

Longos foram os caminhos que deram à nossa independência. Uma independência conquistada a ferros. Muitos ficaram pelo caminho e tornaram-se heróis para que hoje  tivéssemos liberdade. Ainda assim, falta-nos dignidade!

Curvemo-nos perante a memória dos nossos heróis tombados!

Um povo que não respeita a sua memória não tem futuro, dizia alguém.

 

Hoje, não temos hospitais dignos desse nome onde possamos ter tratamento dos males de que padecemos.

Hoje, não temos escolas que nos possam educar e preparar para os novos desafios da globalização.

 

Hoje, estamos confrontados com situações de extrema pobreza. Canseira para os mesmos e benesses para os de costume. Estamos cansados!  Estamos fartos! Basta!

 

Hoje, não temos segurança e nenhuma garantia dos direitos e liberdades, nem garantias de que amanhã a situação não descambe para uma nova instabilidade político-social e militar pois, os protagonistas têm testa de ferro. Faz-me lembrar o episódio que contavam de um homem famoso chamado capacete de ferro durante o levantamento militar de 7 de Junho de 1998.

 

A lei da rolha ... salvo seja, sem ofensa, hoje, existe um misto de sentimentos nos guineenses que parece contraditório mas não é: sentimo-nos  orgulhosos em ser guineenses e adoramos o nosso país mas, ao mesmo tempo, sentimos que os nossos políticos tornaram-se uma vergonha nacional (!) e a nossa terra uma vergonha internacional.

 

A pergunta impõe-se: qual o governante, qual o político que nos oferece soluções credíveis que nos leva a acreditar num amanhã melhor? Nada se desenvolve sem liderança. Estamos com crise de liderança! Se o termo me é permitido, precisamos de um potoncorló*. Certamente muitos estarão de acordo.

 

Também é certo que, muitos estão humildemente empenhados para ajudar a encontrar as melhores soluções ou apontando melhores caminhos para resolver os gravíssimos problemas de que padece a nossa sociedade.

 

Somos olhados com simpatia devido ao nosso passado histórico mas simultaneamente, olhados de soslaio e com condescendência.

 

A que se deve a isso?

Isso deve-se na minha opinião, pela nossa incapacidade em resolver os nossos gravíssimos problemas. Estamos constantemente a pedir “conselheios alheios”, a pedir  esmolas e à espera de misericórdia e o país resvala para um beco sem saída.

 

Se todos reconhecem que temos condições objectivas para dar o salto necessário, então porque é que estamos estagnados? Porque será? Falta-nos disciplina? Assumpção de responsabilidade? Falta-nos cultura de rigor e de exigência? Falta-nos cultura de transparência e de prestação de contas? Má gestão da coisa pública? Má governação? etc. etc. então, vamos ser honestos e assumamos de uma vez por todas as nossas responsabilidades!!

 

Como ajudar se nos limitarmos a conformarmos? A dizer “djitu ka tem”!?(não há jeito !?).

 

Se cada um de nós der um pequeno contributo nem que seja só para dizer o que lhe vai na alma (!), questionar os nossos políticos e chamá-los à responsabilidade, tomarão de certeza consciência da miséria a que nos têm votado. Os governos devem ser criticados duramente quando têm práticas obscuras e fazem demagogia das perspectivas das pessoas.

 

Por que carga de água não clamamos  pela verdade, chamando à razão os nossos dirigentes e governantes?

 

Cada esforço individual faz parte de um todo comum mas como ajudar se não há  participação de todos nós?

 

É a mortalidade infantil que abranda mas pouco; é a fome que não larga; são as doenças que se alastram. Sida, já no topo da lista, devido às nossas mentalidades e também devido às questões culturais; é a ignorância que perpetua; etc.

 

É a saúde que é o parente pobre na atribuição das verbas do OGE (Orçamento Geral do Estado) mas também uns responsáveis que andam distraídos e desinteressados. Direito à saúde é um direito humano!

 

São pessoas que fogem do campo e poucos cultivam a terra. Hoje, ninguém quer trabalhar na agricultura que é a base da nossa economia. Todos querem ser doutores e usar gravatas. (...) ser advogado e trabalhar em Bissau nos escritórios que não existem. “I kudi”! Bravo!

 

Aproveitemos esta leva para revermos desde já a nossa política agrícola e de desenvolvimento rural, visto que na conferência da OMC (Organização Mundial do Comércio) realizada em Hong Kong e que terminou no dia 16 de Dezembro, decidiu-se o fim de subvenções agrícolas às exportações agrícolas dos países ricos a partir de 2013 permitindo assim, maior abertura às exportações dos países pobres.

 

Temos que ter políticas ou orientações estratégicas. Onde pára a política de energia que ouvimos falar desde que me conheço?

 

Qualquer aspirante a economista/gestor, sabe que está provado de que existe uma relação directa entre crescimento económico/mais emprego/melhoria das condições sociais. E a relação inversa também se verifica ou seja, se há estagnação, há mais desemprego e os pobres tornam-se mais pobres e a insegurança aumenta.

 

Se o país não produz como podemos aspirar ao desenvolvimento?  O sector privado é incipiente ou melhor, não existe! Como? O nosso PIB/per capita (Produto Interno Bruto) – é baixíssimo. Para os que não sabem, este item económico, diz-nos o que é produzido no país, ou seja, dá-nos uma ideia da distribuição de riqueza do país. Dá-nos também a informação da população por sector de actividade (sector primário, sector secundário e sector terciário). Isto é importante porque diz-nos o estádio de desenvolvimento de uma economia isto é, como é a produtividade por sector.

 

Outro parente pobre é a Educação, mas também, porque os responsáveis pela nossa Educação e sistema educativo não estão  a acautelar os desequilíbrios que daí possam advir.

 

Cedo se desfizeram os dogmas que davam menor atenção ao desenvolvimento do sistema educativo, porque o modelo ou os modelos seguidos ajudaram em pouco a resolver os nossos problemas.

 

Para enfrentarmos os novos desafios da concorrência feroz, da competitividade e da globalização, em que a solidariedade  está a “fracassar”, na minha modesta opinião, a escolha deveria passar por modernizar as infra-estruturas existentes, prosseguindo com uma rede escolar moderna  e melhor adaptada à realidade socio-económica do nosso país.

 

Por outro lado, melhorar a qualidade da nossa educação passaria por três grandes objectivos que, na minha óptica, considero indissociáveis:

a)                   Formação de professores – esta  é um dado adquirido já há muitos anos, porém, precisamos de desenvolvê-lo ainda mais, com vista a facultar ou possibilitar actividades de reflexão e actualização permanentes a realizar em centros de recursos visando a criação ou manutenção de um nível de competência pedagógica e aptidão científica imprescindíveis a elevação da qualidade do ensino, contribuindo para a implementação da reforma educativa. Motivar os professores com perspectiva de futuro, melhorando os seus salários.

 

b) Promoção do sucesso escolar (porque não um exame nacional de acesso ao ensino superior e premiar os melhores estudantes que frequentam a nossa universidade pública com bolsas de estudo através de um “fundo perdido” (parece utópico mas não é! – basta boa vontade e boa gestão) criado pelo Ministério da Educação, e apoiar aqueles que têm mais dificuldades através de alojamento nos lares ou nas residências universitárias a criar? Valorizar a formação local. Porque não criar um ou outro pólo politécnico, descentralizando competências, afectando recursos materiais e humanos qualificados minimizando assim desta forma as assimetrias regionais.

O que é feito da política de desenvolvimento regional?

 

Os responsáveis que não vão ao interior inteirar-se da miséria? Não pode ser! Temos de resistir!

 

Hoje, Bissau tem quase metade da população da Guiné.  Não pode ser! Temos de resistir!

 

c) Orientação vocacional (aqui, passa por facultar aos estudantes um “dossier” de cursos profissionalizantes e universitários, dando-lhes melhor informação e conhecimento para a opção e orientação vocacional. Promoção de saídas profissionais; promoção do emprego.

 

Apostar na formação técnico - profissional e criar incentivos para a afixação e efectivação dos nossos jovens que, caso queiram entrar já no mercado de trabalho, estejam habilitados e preparados e que o possam fazer. Combate ao abandono escolar. A educação está na base de toda a criatividade de uma nação.

 

São esses quadros intermédios que fazem com que o país avance muito mais depressa. Qualificá-los e com a aprendizagem ao longo da vida.

 

Aliás, nem toda a gente pode ser doutor ou engenheiro. Os bons resultados só se conseguem reunindo todas as condições necessárias.

 

Nenhum país se desenvolve só com doutores e engenheiros. É preciso sensibilizar os nossos estudantes das reais condições do nosso país.

 

Estamos a correr o risco de vir a ter um país só de “doutores” e sem quadros intermédios. Hoje, temos muitos estudantes que estão a estudar no estrangeiro que, depois da sua formação, voltam ao país e não têm qualquer enquadramento devido a inexistência de ofertas de  trabalho e, tornam-se muitas vezes, “inúteis”. E os anos de sonho? Frustração! São os engenheiros Zugudum e Obolum, ... os doutores Waly e Midana. São muito poucos! (sabemos quem são) os que conseguem.

 

Este é um problema que se coloca hoje na nossa sociedade e urge debater e reflectir.

 

Temos um exemplo de Portugal. Um modelo que falhou redondamente porque privilegiou-se a formação clássica e falta gente qualificada nas áreas cruciais que criam mais valias, aquelas que tornam um país mais competitivo.

 

O país está inundado de doutores que não conseguem arranjar emprego. Dir-me-ão, gente qualificada. Certo, e é discutível mas não são qualificações prioritárias. Nós ainda vamos a tempo de corrigir e não seguir este modelo. Repensar e adoptar modelos mais consentâneos com a nossa realidade que nos possa levar ao rápido progresso e ao desenvolvimento.

 

Não há ordenamento do território que favoreça o desenvolvimento do turismo onde as potencialidades são reais e estão à vista de todos. Indústrias, ah(!) zero!

 

O nosso país não tem nada!  O Estado está falido e com dezenas de milhares de funcionários inúteis! Isso parece um grito de alma mas é verdade! É o testemunho de um cidadão que esteve a trabalhar durante um bom período com jovens que, na sua grande maioria, tinham completado o 11º ano de escolaridade e que teve o privilégio de percorrer o país inteiro.

 

Nos países escandinavos – Dinamarca, concretamente que eu conheço melhor – que são dos mais desenvolvidos do planeta, com serviços da previdência social de fazer inveja até a uma superpotência, o ensino é estruturado de tal maneira que uma criança de 13/14 anos de idade, da área profissionalizante, por exemplo, informática, consegue instalar e configurar um servidor de raiz, com tudo que é indispensável para que uma rede funcione, coisa que por exemplo em Portugal, um técnico de informática que trabalha muitos anos nessa área, dificilmente tem o privilégio de fazer ou não sabe fazer. Além da aprendizagem de uma língua estrangeira já a partir dos 6 anos (no caso, inglês).

 

Aqui também, podíamos recuperar o ensino da língua francesa (talvez dado a nossa situação geográfica, sem contudo descurar o inglês que é a língua de comunicação global) já a partir da nossa 5ª classe; recuperar o ensino experimental.

 

Hoje, infelizmente, não encontramos nenhuma escola pública com laboratórios onde os alunos possam tomar contacto directo com ferramentas que lhes servirão no futuro para  a sua opção profissional. Não pode ser! Temos de resistir!

 

Claro que falo deste caso particular como podia estar a falar de outros casos como a recuperação de escola técnicas.

Temos que pensar o nosso sistema educativo num contexto nacional, regional e claro está, a nível global. Está em causa a viabilidade do nosso país.

 

Hoje, o nosso ensino é fraquinho. Os estudantes não sabem ler e escrever correctamente; não sabem fazer contas, não sabem matemática; não sabem pensar; estamos a criar ilusões aos nossos estudantes, para depois, o mercado não os reconhecer ou não os absorver.

 

No início do ano lectivo 2004/2005 na qualidade de reitor da UAC (Universidade Amilcar Cabral), o actual ministro da Educação afirmara numa das suas entrevistas mas ou menos isto: “após a nossa independência, a maioria dos nossos estudantes queria ser como Amilcar Cabral. Hoje, poucos ou quase ninguém quer ser engenheiro agrónomo. No curso de agronomia havia apenas  duas ou três inscrições num universo de 30 alunos” . Porque será?

 

O ministro da Educação, é uma personalidade altamente qualificada  e preparada  e creio que, poderá ajudar ou apontar os melhores caminhos. Temos que travar o combate ao atraso, à mediocridade, à facilidade e ao subdesenvolvimento. Difundir a importância da educação na sociedade.

 

Precisamos de massificar o conhecimento e o saber, não há dúvidas, mas não em detrimento da qualidade e provavelmente da excelência. Pensar também seriamente na escolaridade obrigatória para os nossos cidadãos (6ª classe já  é um bom começo para o país ).

 

Os nossos responsáveis devem preocupar-se e dar devida importância e, sobretudo, valorizar a formação nas áreas tecnológicas: electrónica e electrotecnia; mecânica e electromecânica; telecomunicações;  ensino e difusão de novas tecnologias de informação; ensino e valorização das ciências agro-pecuária; construção civil, etc., obviamente sem falar na área da saúde que é a pedra de toque, etc.

 

Não podemos ter engenheiros agrónomos e zootécnicos sentados nos escritórios com ar condicionado em Bissau e que não querem saber do campo para nada! Não pode ser! Temos de resistir!

 

Hoje, no nosso país, se tivermos um televisor ou qualquer outro electrodoméstico avariado, vemo-nos gregos para encontrar uma pessoa qualificada para os arranjar. Se a encontrarmos, geralmente é um estrangeiro da nossa sub-região. Não pode ser! Temos de resistir!

 

Precisamos de valorizar, incentivar e premiar quem trabalha. Temos que acabar com esta admiração profunda que as pessoas nutrem por aldrabões, caloteiros e ladrões! Não pode ser! Temos de resistir!

Há políticos e partidos a mais na Guiné-Bissau e muitos obstáculos a quem tem iniciativa. Não são os políticos que criam empregos. Não poder ser! Temos de resistir!

 

Há um crescimento exponencial de jovens “lumpens” que não encontram trabalho e ou porque não querem trabalhar e, alguns metem-se em maus caminhos. Outros, porque não sabem fazer nada. Nadinha mesmo! Porque as nossas escolas não os prepara convenientemente. Não pode ser! Temos de resistir!

 

Um exército de dezenas de milhares de homens sem condições materiais e logísticas, desproporcional à nossa realidade, tornando-se um foco constante de instabilidade e de aproveitamento político. Não pode ser! Temos de resistir!

 

É o PDRRI (Programa de Desmobilização, Reabilitação e Reintegração das Forças Armadas) que conforma muitas contradições e entronca em acusações mútuas da falta de transparência e de corrupção por ambas as partes: ex-militares contra os responsáveis pela gestão do programa  e estes contra os ex-militares.

 

Falta dar-lhes o que lhes é devido e prometido e reconhecer-lhes dignidade?

 

É o país que está a transformar-se em placa giratória para os traficantes de droga, lavagem de dinheiro, venda e tráfico de mulheres e crianças para prostituição. Não pode ser! Temos de resistir!

 

É a segurança interna que está em causa que pressupõe a autoridade do Estado porque a nossa polícia de segurança e ordem pública não tem meios adequados para combater a onda de criminalidade. Não pode ser! Temos de resistir!

 

É o sector da justiça, um pilar primeiro para a harmonia entre os poderes e o fortalecimento do Estado e das suas instituições que está em crise e que não dá respostas satisfatórias e adequadas às preocupações e demandas dos cidadãos. Em suma, é o estrangulamento e descredibilização do poder judicial e judiciário. Não pode ser! Temos de resistir!

 

Na terra de “djugudés** o sinónimo é lixo!

 

Conselheiro para isto, para aquilo e para aqueloutro. E já agora porque não um conselheiro para a higiene e sanidade? O país está sujo e precisa ser limpo.

 

Melhor ainda: uma vez que a edilidade da capital não está a cumprir em pleno com as suas obrigações, as brigadas de limpeza poderiam e bem substituir – e dava um jeitão! - essa autoridade.

 

O salário mensal e as ajudas de custo, suportariam e bem um grupo reduzido mas eficiente para estas tarefas. Se houver rigor, responsabilização e prestação de contas, concerteza que os resultados serão visíveis a olho nú num espaço de tempo muito curto.

 

A cidade “lixolandia”  teria um ar mais puro, saudável e agradável. A cólera diminuiria substancialmente e, consequentemente, muitos menos óbitos. Isto é falar  a sério.  Por favor, recuperem os jardins que tão bem fazem às crianças e à cidade!

 

Os bissauguineenses ficariam contentes e agradecidos. E os turistas bateriam palmas.

 

Resistir contra a promiscuidade entre o poder judicial e o poder político. Resistir contra a impunidade e as injustiças; resistir contra a roubalheira e corrupção; resistir contra a insegurança e criminalidade; resistir contra a indisciplina e irresponsabilidade; resistir contra o medo; resistir contra a preguiça e incompetência; resistir contra peculato e falsificação; resistir contra mentiras e inverdades; resistir contra a “cegueira”.

 

Vamos resistir para que não acordemos num dia destes, assustados e desprevenidos porque a Guiné-Bissau está novamente em guerra.  Desistir nunca! Resistir sempre! É tempo de luta. A união faz a força!

 

Um bem haja

 

Mantenhas!

 

Um abraço fraterno

 

PS: Um bom natal e um feliz ano novo para todos os guineenses, sem excepção, na Guiné e na Diáspora, e particularmente as crianças e também a todos os amigos da Guiné e que 2006 nos traga pelo menos a paz (!) e se possível, um pouco de dinheiro no bolso.

 

 

*é um indivíduo inteligente e de bom senso mas sobretudo sábio que consegue “ver tudo” à sua volta e perspectivar o futuro.

** é uma ave muita feia que se encontra em todo o lado na Guiné e come tudo o que lhe aparece pela frente. Não escolhe! Como não é uma ave de rapina só come o que está morto. Também está associada à desgraça (morte).

 

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