Um ditador nunca muda!
Por: Fernando Casimiro (Didinho)
29.10.2005
A Guiné-Bissau, pese todo o
reconhecimento das ajudas prestadas pela Comunidade Internacional, não
pode continuar a servir de cobaia para análises e testes de modelos
irrealistas e desajustados de viabilização, tendo como estandarte o
princípio de um Estado de Direito na representação global da democracia
como sua referência.
É hora de todos, mas todos, quantos têm trilhado o percurso do país mártir que é a Guiné-Bissau, de assumirem as suas responsabilidades, não só apontando os apoios materiais e morais disponibilizados, mas também o falhanço na aprendizagem e quiçá no conhecimento das realidades sociais do país, por forma a que se conseguisse primeiro sensibilizar e formar o Homem guineense na sua integridade de Homem e cidadão com direitos mas também com deveres. Deve-se ajudar para permitir ultrapassar dificuldades, mas deve-se igualmente localizar e diagnosticar as dificuldades, para que não se eternize a relação ajuda/dificuldade, numa vertente de dependência crónica perigosa e, por isso mesmo, a considerar e a evitar! Se a Guiné-Bissau chegou ao ponto de se viciar na arte de pedir ajudas para tudo e ficar à espera dessas ajudas sem criar alternativas de caminhar com os seus próprios recursos, este vício foi precisamente alimentado ao longo dos anos pela própria Comunidade Internacional que, sem uma visão de futuro, foi alterando estruturalmente os hábitos de um povo trabalhador e habituado a grandes sacrifícios. A Guiné-Bissau recebe ajudas há 32 anos, a maior parte dessas ajudas foi para beneficiar uma elite guineense e alguns intermediários estrangeiros ligados aos ditos processos de ajudas. Consome-se o nome de um país e de um povo na "cobrança" de algo que na verdade pouco lhes tem servido, bastando para isso, ver no terreno quem beneficia com as ajudas internacionais supostamente encaminhadas para servirem o país e o povo guineense. Uma vez mais, a necessidade de se criar uma base de relação entre as várias correntes de opinião sobre a Guiné-Bissau se torna num imperativo, num desafio aos guineenses e a todos quantos querem realmente ajudar a Guiné-Bissau a ultrapassar as suas dificuldades, tendo como primeiro recurso e solução o capital humano do país, ou seja: os guineenses!
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A 17 de Setembro escrevia eu num artigo intitulado: "As presidenciais hipotecaram a Guiné a interesses externos", o seguinte: "A Guiné-Bissau, o país, já está a perder com a eleição de "Nino" Vieira para o cargo de presidente da República e o tempo encarregar-se-á de o confirmar".
Não foi preciso esperar muito, não foi preciso grandes exercícios de reflexão, bastou -me o argumento de que um ditador nunca muda e o tempo está a confirmá-lo!
Se o povo guineense, através da percentagem maior que votou em Nino Vieira alimentava esperanças e acreditava na mudança pela positiva de uma figura controversa como é Nino Vieira, então está na hora de começar a assumir o realismo de ter entregue os destinos do país a uma referência sinónima da desgraça.
Desde Abril deste ano quando Nino Vieira regressou à Guiné-Bissau que levou com ele os males que semeou no país nos 18 anos da sua anterior presidência.
A demissão de um governo legítimo, tendo como argumento conclusões infundadas e fora do contexto da transparência, da estabilidade e da reconciliação nacional, quer se queira quer não é o culminar de todo um processo que teve origem prática a 6 de Outubro de 2004, numa alegada reivindicação de militares que teve como consequência directa a eliminação do anterior Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Veríssimo Seabra, entre outras vítimas.
Nino Vieira sabia que Veríssimo Seabra seria sempre contra a sua pretensão de regressar à Guiné-Bissau e por isso, era preciso desobstruir caminho. Foi o que mandou fazer a 6 de Outubro de 2004.
Desde então, foram accionados mecanismos que possibilitassem o seu regresso à Guiné-Bissau e ao poder, numa estratégia com múltiplas opções, alicerçadas numa camuflagem que realmente não passou despercebida de se tratar de um golpe de Estado fora dos contornos habituais.
Todo o envolvimento da cúpula militar no regresso de Nino Vieira a Bissau em Abril deste ano demonstrou que de facto havia submissão ao "Chefe", ou seja: ao rosto principal do caso 6 de Outubro.
O "Chefe" tinha que ser presidente outra vez, mesmo que se tivesse que usar a força, também numa opção estudada.
Felizmente não foi preciso usar a força de armas de fogo, mas usaram-se armas de consciência contra o povo guineense, manipulando-o e dividindo-o acentuadamente.
Nino ganhou as eleições presidenciais e a Guiné-Bissau perdeu a oportunidade de mudança justamente por ter que se retrair e voltar a encaixar-se no modelo ditatorial de um presidente que em 18 anos de poder deixou marcas de desgraça que se perpetuarão na memória dos guineenses.
Com a demissão do governo de Carlos Gomes Jr. para além da crispação parlamentar fomentada pelo próprio presidente da República, se juntarmos as acusações graves do Chefe do Estado- Maior General das Forças Armadas, Tagme Na Waie sobre outras altas patentes militares de estarem a preparar uma rebelião, chegamos à conclusão de que estamos realmente perante uma crise explosiva na Guiné-Bissau.
Uma crise de novo partilhada na sua atribuição tanto aos guineenses como à Comunidade Internacional.
Uma vez mais, chega-se à conclusão de que, o que outros não querem ou não aceitam nos seus países (porque a democracia funciona por categorias) recomendam ou permitem que se viabilize noutros países.
Em nome da democracia, têm sido feitas imposições inconcebíveis a países e povos que tardam a levantar-se para se afirmarem como donos das suas próprias decisões e destinos.
Uma vez mais a turbulência do momento coloca a Guiné-Bissau e o povo guineense em estado de sítio. Alguém ao menos tem a coragem de assumir responsabilidades neste percurso que põem em causa não só os guineenses mas também a própria Comunidade Internacional?!
Uma vez mais não resisto a citar Amilcar Cabral em Luta do povo, pelo povo, para o povo:
"Nós queremos que tudo quanto conquistarmos nesta luta pertença ao nosso povo e temos que fazer o máximo para criar uma tal organização que mesmo que alguns de nós queiram desviar as conquistas da luta para os seus interesses, o nosso povo não deixe. Isso é muito importante." |