UM POVO BOM
Por: Francelino Alfa
06.10.2006
Qual seria o catálogo sociológico dos guineenses?
A esta questão caberia aos sociólogos, provavelmente historiadores, antropólogos e outros cientistas sociais responder melhor, contudo, para mim, leigo na matéria, teria talvez uma multiplicidade de respostas.
A 1ª - Um povo bom, com capacidade, mas com um país ainda desorganizado.
A 2ª - Um povo combatente mas difícil.
A 3ª - Um povo alegre, fraterno e solidário mas hoje, os guineenses andam tristes, deprimidos e desconfiados e estão com medo e fecham-se em copas. E a auto-censura pelo medo, é inadmissível!
A 4ª - Um povo trabalhador mas hoje, o Bissau-guineense está indolente e preguiçoso e não quer trabalhar e quer viver à grande e à francesa!
A 5ª - Um povo dócil, respeitador e respeitável mas hoje, os guineenses estão bruta-montes, agitadores e problemáticos. Voluntarismo quanto basta! O Bissau-guineense anda nervoso, agressivo, indignado e cheio de raiva.
Hoje, os guineenses criaram um vício: desafiar sistematicamente a autoridade. Há falta de civismo, aliada à impreparação e fraca qualificação de certos agentes da autoridade. Na Guiné hoje, fala-se de boca cheia que, só há justiça para os ricos e “djintons” (os grandes). A situação é realmente preocupante!
A 6ª - Um povo humilde mas os guineenses precisam de mais disciplina e assumpção de responsabilidade. Se criarmos disciplina, reforçada na mudança de mentalidade, seremos bem sucedidos. É um processo, e é importante porque não se decreta e não pode ser estanque.
A 7ª - Um povo valente mas quando confrontado com a verdade, o guineense amua-se e fica irritado e zangado.
A 8ª - Um povo digno e honrado mas hoje, o Bissau-guineense vendeu cara a vergonha. Quem perde vergonha não tem mais que perder. A maioria está putanheira! Na Guiné hoje, se não roubares ao Estado, não és “matcho” (macho), fazendo de “matchundade” da nossa idiossincrasia cultural, um “novo” conceito emblemático e palavra de ordem no vocabulário Bissau-guineense. Grave, é que as pessoas saem impunes e enchem o peito. Esses bandidos passeiam tranquilos pelo reino do faz de conta com os seus “códigos de barra”. Portanto, as pessoas conhecem-nos e falam.
Na Guiné hoje, inventou-se uma nova fórmula matemática importante: Famoso = Impunidade*1/Roubalheira para o desgosto dos matemáticos. Para os que têm maior dificuldade em lidar com números, isto significa que, roubalheira é inversamente proporcional à impunidade. Ou seja, na Guiné hoje, quanto mais se rouba ao Estado mais famoso nos tornamos e mais “matcho” nos sentimos, e nada nos acontece. Um reino onde tudo é possível! Não faltam comentários e virou anedota.
A 9ª - Um povo sábio e sóbrio mas hoje, os guineenses estão especuladores e nesta bolsa de valores, traições, falsidades, calúnias, invejas, tramóias, intrigas, “guerrinhas”, ódios e mortes são os mais cotados. E sendo a mentira, o autor de toda a maldade no país.
Para os saudosistas e nostálgicos, as coisas negativas, riem-se e dizem que se passa em todo o mundo, mas quando nos comparamos do melhor que os outros fizeram/fazem, ficam chateados e envergonhados até (“complexo de Peter Pan”? Eu sei lá!). Aprendam, por favor! Já perdemos demasiado tempo em minhoquices e o país a ficar cada vez mais miserável. A corrupção, os guineenses a crêem generalizada à sociedade. O refrão de costume! Responsabilizá-los! Valores precisam-se!
Um país que fica nos confins e a maioria das pessoas no mundo não faz a mínima ideia onde fica, mas depois de o conhecer e tocar o seu solo, conhecer o seu povo, torna-se um fascínio. Metade da sua beleza ainda selvagem com algumas terras férteis para a prática agro-pecuária. Eu insisto muito neste ponto, porque este sector a par da política de desenvolvimento regional e do sector energético, poderão constituir duas das alavancas para o nosso desenvolvimento sustentado. Lembram-se dos tempos áureos de um país chamado Zimbabué?! Hoje, fala-se novamente do petróleo. Oh!, essa matéria-prima! Para a nossa sorte ou para a nossa desgraça?!
Apesar da imagem negativa do país no exterior há quem o encontre, claro está, através de Internet ou reportagens na televisão (uma raridade, e pelas más noticiais), ou por acaso, à procura das características do seu povo mas também pelas suas belas paisagens naturais. É dos poucos países do mundo, onde ainda perdura um sistema matriarcal de organização da sociedade. Falo concretamente da organização social, económica e cultural da sociedade bijagó, no arquipélago dos Bijagós, património mundial da biodiversidade. O nosso ex-libris do turismo!
A promoção do país no exterior é de crucial importância no restabelecimento da sua credibilidade para que, o turismo e o investimento directo estrangeiro possam vingar. A diplomacia económica precisa-se! Temos condições naturais excelentes (podemos exibi-los! Por que não!?) onde o turismo poderia contribuir significativamente para o aumento do PIB (Produto Interno Bruto). Os hotéis, água potável, luz eléctrica e rede de esgotos, tratamento de resíduos sólidos, telecomunicações, os transportes e infra-estruturas rodoviárias são importantes e necessários.
Um mercado interessante seria a Escandinávia. Um mercado com alto poder de compra. Antes do conflito, havia mais de 5 centenas de suecos a residir no país, dizia-me um operador turístico. A Suécia é um país muito interessante. Foi em tempos, um dos maiores contribuintes líquidos de ajuda pública ao nosso desenvolvimento e hoje, nem temos a sua embaixada acreditada no país.
O mercado português podia ser potenciado. Portugal é um parceiro natural. Bissau fica apenas a 4 horas de Lisboa. O país já dispõe novamente de um avião, embora pequeno, mas podemos trazer turistas a partir de Dakar, Banjul, Conakry, Sal ou Praia. A hospitalidade podia ser uma das nossas vantagens comparativas e uma das nossas bandeiras. Somos um povo bom, sem dúvida!
Apesar de atormentada por fantasmas de erros passados, onde reconstrução massiva faz-se necessária, podemos fazer do nosso país um local desejável de se visitar e de viver. Para tal, basta organização, ter pessoas certas em lugares certos e ter um sistema de saúde minimamente aceitável, criar uma rede escolar credível e garantir segurança às pessoas e aos seus bens.
O centro da cidade de Bissau já está a ficar com um “novo visual” mas, alarguemos a sanidade a outras ruas e ruelas dos nossos bairros. O actual presidente da câmara e sua equipa estão de parabéns. Creio que a edilidade da capital, se quiser, com a sua autonomia financeira, poderia cobrir algumas das grandes necessidades que a nossa cidade-capital tem, nomeadamente, saneamento básico, recuperação da rede de esgotos (as sarjetas de algumas ruas do centro da cidade já estão a ser alvo dessa operação) e postos de iluminação pública, recuperar os jardins, quiçá, construir novos parques infantis para que as nossas crianças possam brincar e crescer saudavelmente. Façam as contas e comparem as coisas, por favor! E depois, tirem as conclusões! Queremos e desejamos uma cidade organizada e bonita, também!
Dava um jeitão a reabilitação da casa de banho público da antiga praça do império (não há sequer uma casa de banho público em toda a cidade!). Como a cidade está a crescer a um ritmo acelerado em que o plano urbanístico não é respeitado, com construções anárquicas por todo o lado, sem qualquer observância do impacto ambiental, coloquem pequenos contentores de lixo no centro da cidade e nos lugares estratégicos dos bairros onde a sua problemática mais se coloca; a cólera que “ceifava” centenas de vidas nos anos anteriores quase não se ouviu falar dela este ano, fruto também da nova ordem das autoridades camarárias; (re) plantar algumas árvores; a cidade de Bissau é uma brasa a partir das 9 horas da manhã. Os terrenos da antiga granja de Pessubé – uma parte, ocupada por “Aldeia SOS” cujos princípios e objectivos globais não devem ser postos em causa, aliás, por uma boa causa – e os dos Serviços da Veterinária, podiam servir de “cintura verde” à cidade, hoje, partes dos mesmos, vendidos a “alguns” particulares.
Eu não diria criar para já uma rede de sistema de semáforos pois, sabemos como está a nossa cidade e a central eléctrica de Bissau, porém, na avenida principal que liga o aeroporto à praça dos heróis nacionais, poderia ser criado um sistema através de painéis solares e com protecção, pois, o projecto existe e não é muito caro.
Este sistema regularia melhor o trânsito e evitaria muitos acidentes. A insegurança é grande neste troço (uma avenida?). Não existem passadeiras para peões, nem escapatórias e pouquíssimos sinais de trânsito (vide a cidade!), e alguns automobilistas e os aceleras parecem loucos. Iguais aos “tunning´s”. A responsabilidade é dos governos!
Os deuses devem estar loucos! Não! Os deuses não estão loucos! É verdade. Parabéns à comissão organizadora da VIª cimeira da CPLP realizada em Julho último coadjuvada pelo governo. Perfeito! Excelente! Quando as coisas são bem feitas e tudo a correr sobre rodas, ficamos todos contentes e orgulhosos do nosso país e dos nossos governantes e dirigentes. Há melhoria no fornecimento da água. Tem havido água potável quase todos os dias nas nossas torneiras. É para continuar? E o resto? E a luz eléctrica “normal” (não estou a falar dos que têm “luz permanente”) para quando a sua normalização? A nível da organização do país?
Meses de salários da função pública em atraso? Combate à pobreza e à exclusão social? Combate cerrado e sem tréguas à corrupção, ao tráfico e à fraude? (…) os hospitais e os centros de saúde? A educação? Oh!, esses dois sectores cruciais mas que são considerados sucessivamente pelos sucessivos governos as ovelhas negras do OGE do Estado. A política fiscal? Incentivos e apoios aos nossos emigrantes? Quase nenhuns! Oh!, a nossa agricultura? A política de desenvolvimento regional? As eleições autárquicas? O seu adiamento “sine die”, porquê?
Sua Ex.ª, por favor, faça só uma (!) “presidência aberta” pelas tabancas do interior do país e pelas ilhas (porque os outros não vão!) para constatar “in loco” quão as V.Exªs deixaram as regiões pobres, esquecidas e abandonadas!, enfim, quão deixaram o país pobre! Banir essa prática folclórica de nomeações dos administradores regionais por Vª. Exas. com critérios que hoje, já não abonam em favor do progresso e do desenvolvimento.
V. Ex.ª, veja o estado das nossas infra-estruturas portuárias! Aliás, os nossos portos estão cheios de lodo. O último desassoreamento foi feito em 1972, ainda no tempo da colonização, portanto. Por isso, é preciso tratar e cuidar rapidamente deste sector. O desassoreamento dos nossos portos é importante e urgente, sobretudo o de Bissau porque não o encareceria tanto. Os armadores estrangeiros têm muita dificuldade e ficam bastante renitentes em aceitar atracar a este porto. O canal de Geba é uma incógnita. Não há aparelhos de sinalização marítima e nem sequer bóias, os equipamentos estão obsoletos; estão 14 barcos afundados entre a ponte cais e Pindjiguiti; o porto de Bissau perdeu cerca de 4,5 metros de profundidade, dizem os responsáveis, e isso, faz disparar os custos de transporte.
Desculpem, meus senhores, isto é denegrir a imagem do país?! Combate às forças de bloqueio! Pasmem-se! Por favor! … pois é, mais fácil é negar as evidências do que percebê-las e aceitá-las. “Quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele”. Com esta realidade nua e crua, qual o investidor que a enfrentaria? Um investidor nacional descapitalizado!? O país real não é o pais da propaganda, o país virtual. Daí, a importância da justiça e da segurança a funcionar que pressupõe a organização de um Estado. O país precisa de estabilidade política e paz de espíritos (os ânimos estão muito exaltados!). E não de um país espectáculo com “intentonas”, “inventonas” e outras mais!
Com um passado glorioso de conquistas mas sem dúvida, um futuro incerto, os guineenses continuam a sorrir. Um povo bom, sem dúvida e que, volvidos 33 anos pós sua independência, o empobrecimento relativo continua a ser o nosso destino. Não pode ser! Não nos podemos resignar! Não podemos baixar os braços! Não podemos assumir a lógica de morte. Um povo que tem um grande coração! Temos que ajudar a construir e edificar o nosso martirizado país. É esta a nossa obrigação e o nosso dever.
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO