UMA CARTA DE BISSAU

 

AV. FRANCISCO MENDES EM BISSAU

 

Óscar Barbosa (Cancan)*

Óscar Barbosa (Cancan)
26.10.2006

 

Caro Didinho,

Depois de ler o conteúdo do "chamamento à consciência" escrito pela Filomena Embaló, como cidadão consciente, como guineense responsável e assumidamente patriota, não posso deixar de tecer algumas considerações.

Foi com muita atenção que li o artigo de Filomena Embalo sobre a saúde moribunda na Guiné-Bissau. Não pude, é certo, ver a reportagem na SIC por falta de meios (quem aqui escreve é um residente em Bissau). Todavia, não custa muito imaginar o que lá se terá reportado. As carências são gritantes a realidade é densamente cruel. Seja qual dos serviços o utente se dirigir: maternidade, pediatria, enfermaria, urgências...

O cenário é aterrador desde o estado de completa degradação dos equipamentos e dos mobiliários, falta de higiene, etc. à revolta e desânimo estampados nos rostos dos servidores (médicos, enfermeiros, serventes) contrastando com o cheiro lento de penúria e de sofrimento que exala dos pacientes.

Se é certo que como diz Filomena Embalo o estado da saúde revela o descomprometimento do Estado com o cidadão, a sua desresponsabilização tal, a verdade é que todos contribuem para este estado de coisas.

O utente resignado com este “estado de coisas” que não reclama e aceita pagar “os honorários” exigidos pelos médicos, estes e os enfermeiros que desviam equipamentos, material e medicamentos para as suas clínicas privadas, facturam os seus serviços transformando os hospitais públicos como fonte de serviços lucrativos pessoais. Claro está o Estado, mais concretamente o Governo devido à obrigação constitucional que sobre ele recai de garantir o direito à saúde, que vê tudo isto e finge que não vê.

Basta ver o alheamento total dos governantes deste sector que só aparecem publicamente para receber dons ou ofertas sem sequer mostrarem um mínimo esforço para mudar estruturalmente a situação vigente.

É deprimente, este estado de coisas! Sobretudo como Filomena Embaló pretende bem ilustrar, é possível, querendo-se, mudar as coisas, dando o exemplo da CPLP como manifestação de um desígnio aglutinador de vontades e esforços nacionais.

Sinceramente tenho muitas e fundadas dúvidas sobre o verdadeiro respaldo desta cimeira questionando a quem ela verdadeiramente serviu. Nem passaram três meses da sua realização e as parcas ruas asfaltadas da cidade já estão outra vez cheias de buracos, o comércio voltou a estagnar. Afinal ao que parece a Cimeira foi mera fachada de “esforço nacional” que serviu no essencial de instrumento ideal para reabilitar a imagem “muita gasta e embaciada” de alguém junto aos seus compares da Lusofonia.

Vejo sim, mais carros (4x4) a circularem ostensivamente nas ruas sem matrícula dando a impressão de que vivemos numa terra sem dono e sem ordem. Se o problema do transporte pessoal dos dirigentes e “amigos” do regime parece assim ter sido resolvido subsistem tantos e tantos outros por solucionar sendo um dos mais candentes naturalmente a saúde pública.

Pois é – Filomena Embaló e todos aqueles que têm participado neste fórum e contribuído assim para elevar a consciência dos guineenses, estas realidades não devem perdurar por serem chocantes e em nada nos dignificarem.

Paira uma grande agitação, prepara-se o Governo para a tão famigerada “mesa redonda” pretende o governo mobilizar recursos financeiros junto da Comunidade Internacional. Mas com os dirigentes que temos tão insensíveis ao sofrimento humano, e que se descartam das suas responsabilidades básicas, que garantia temos, nós os humildes, os desprovidos, de que esses recursos tão necessários ao país serão efectivamente canalizados para superar os desequilíbrios financeiro-económicos que tanto têm impedido o nosso progresso e bem-estar social?

Muito mais poderia ter sido dito, mas quedo-me ainda por aqui, contudo, atento ao que me cerca e vivendo a lenta agonia do povo guineense. Por isso decidi, doravante, dar a cara, para como tantos outros guineenses apelarmos à consciência dos que têm a obrigação, mesmo que moral, de velar para que os mais sagrados e elementares direitos sejam respeitados e cumpridos.
 

*Jornalista

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