AINDA A PROPÓSITO DO COVID-19
Levantei-me hoje às 5:30 da manhã e depois do exercício matinal, decidi passar por Las Vegas Strip (faixa da cidade onde estão 90% dos casinos), antes de ir ao trabalho no hospital: uma cidade fantasma, ninguém nas ruas, hotéis com semelhança a túmulos num cemitério isolado: vieram-me à memória os tempos de quando tinha 8/9 anos, na Guiné, e que ao domingo à tarde entre a 1 e as 3 tinha que levar comida ao meu pai nos armazéns da ultramarina perto da Ponte Cais; as ruas desertas de Bissau, entre a zona dos correios e a ponte cais, todos a dormir a sesta ou a ouvir relatos de futebol português – silêncio e vazio, que me metiam medo. É assim, nos dias de hoje, aqui: tudo fechado agora devido ao coronavírus…
Coronavírus, são uma família de vírus, encapsulados, fita única, classificados dentro dos Nidovirales. Podem infetar mamíferos e aves, causando doenças respiratórias, entéricas, e neurológicas nos humanos.
Existem 6 espécies de coronavírus que podem causar doenças em seres humanos: coronavírus 229E, OC43, NL63 e HKU1 são comuns em todo o mundo e só causam sintomas marginais.
As outras duas espécies (a SARS-Cov) e a MERS-Cov) causam infeções mais sérias e são transmitidas de animais para humanos.
Em anos não distantes, estas duas últimas espécies causaram pandemias com mortalidades entre 19% e 37% respectivamente.
Em Dezembro de 2019 em Wuhan, Hubei, China, um novo síndroma respiratório emergiu com sintomas clínicos semelhantes à pneumonia viral e com transmissão entre pessoas.
Através de análises sequenciais, confirmou-se a emergência de um novo coronavírus: COVID-19.
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Fig. 1 – Vírus a atacar tecidos pulmonares.
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Fig. 2 TAC
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É assustador o que se está a passar aqui, não só em Las Vegas, mas em todos os territórios que compõem os Estados Unidos (excepto, por agora, Montana e Dakota – Norte e Sul).
Elmhurst hospital, em Queens, já la vão 25 anos desde que lá estive, tornou-se agora o epicentro da pandemia aqui nos Estados Unidos.
Há colegas médicos e enfermeiros a falecer por causa de contaminação (não há máscaras suficientes para todos e tem que se improvisar). É uma calamidade que não se pode descrever.
Por agora, temos que manter a calma, usar todos os meios de higiene e proteção disponíveis, usar os nossos anos de treino e experiência para ajudar a tratar os doentes.
É importante não esquecer de:
→ Lavar as mãos com sabão e água por 20 segundos (mais eficaz do que gel contendo álcool);
→ Manter distância uns dos outros.
Aos colegas médicos:
1 – Se um doente com suspeita de estar infetado com coronavírus tem sintomas respiratórios moderados, por favor não espere: entubação/intubação, sem demora, porque da experiência que estou a ter nestas duas semanas, se esperamos/hesitamos, é a morte certa do doente;
2 – Se depois da entubação/intubação, não houver melhorias, usar as medidas de “proteção dos pulmões”, incluindo:
– Óptimo PEEP (pressão positiva expiratória final);
– Low tidal volume (pequeno volume corrente);
- Pronação
- Vasodilatadores pulmonares
- Paralíticos
- Se tudo falha, então ECMO
Infelizmente, em África, só há dois Centros de ECMO (África do Sul) e transportando doentes com PEEP elevado e oxigénio a 100% não é prudente.
Para qualquer intervenção, incluindo pequenas cirurgias, use PAPR (Powered Air Purifying Respirator – Respirador purificador de ar motorizado), PPE (Personal Protective Equipment – Equipamento de Proteção Pessoal), para evitar contaminação/transmissão.
Medicamentos em investigação:
– Remdesivir: não aprovado; em investigação;
– Hidroxicloroquina, Cloroquina: dados ainda insuficientes;
– Tocilizumab: em investigação para doentes em choque;
– Lopinavir/Ritonavir: investigação negativa;
– Corticosteróides: podem ser perigosos
Voltando à entubação/intubação e tendo em conta a sua importância, recomendamos, absolutamente, usar a glidoscopia, em vez da entubação/intubação por laringoscopia direta (risco de contaminação para o cirurgião).
Com a glidoscopia, em vez de olhar diretamente para a boca do paciente, estamos a olhar para uma câmara.
Vejamos a seguir uma imagem de um meu assistente médico júnior, entubando/intubando um doente.
Las Vegas, USA, 27.03.2020
Joaquim Tavares “Djoca” , MD, FACP, FCCP, DABSM, FAASM, EDIC, RPSGT
Medical Director, ECMO Program at Sunrise Hospital and Sunrise Children’s Hospital