Algumas considerações sobre o actual vazio político na Guiné-Bissau
1 – A Presidência Aberta
Na minha perspectiva, uma presidência aberta, mais do que um meio de promoção da figura do Presidente da República, deve ser um meio de facilitação da comunicação directa entre o Povo e o Presidente da República.
Uma presidência aberta deve servir mais, para o Presidente da República ouvir o Povo, tomar nota das suas opiniões, reivindicações e sugestões, tendo em conta as suas constatações, dificuldades e preocupações.
Uma presidência aberta, na minha perspectiva, não deve servir para manipular consciências, instrumentalizar o nosso Povo, em função das intervenções previamente elaboradas pelo Presidente da República.
Os problemas do país, concretamente a crise política guineense, deve ser abordado pelo Presidente da República numa perspectiva e abrangência nacionais, ou seja, sempre que necessário, através de uma Comunicação ao País e não numa presidência aberta.
Não faço ideia quanto custou a organização e realização da recente presidência aberta na zona leste do país, contudo, pelo que se deu a observar, não foram poucos os milhões de Francos CFA gastos no evento, que certamente seriam melhor aplicados em acções concretas de interesse das populações.
Não é preciso gastar rios de dinheiro dos cofres do tesouro público para se falar da corrupção, para repetir justificações sobre demissões de governos. Isso faz-se numa comunicação ao país, com partilha nas rádios, nos jornais e na Televisão.
Uma presidência aberta visa ouvir, auscultar, o Povo, as Comunidades locais, que devem ser os principais protagonistas.
O que vimos e ouvimos, foi um Presidente da República figura central de uma presidência aberta que deveria ter nas populações do leste do pais, a razão de ser da sua organização e realização.
2 – A (ir)responsabilidade do PRS enquanto partido que “sustenta” o actual governo
Não posso aceitar que o PRS permita que o ainda Primeiro-ministro, nomeado pelo Presidente da República, sem soluções para apresentar o seu programa de governo e o Orçamento Geral do Estado em tempo legal, o que o torna duplamente ilegal, também por via da argumentação da sua nomeação com base no acordo de Conacri, entre em discursos de âmbito político usando e abusando de uma certa impreparação política, tal a ausência de ética política nas suas recentes intervenções quer sobre abordagens internas, quer sobre abordagens com referências a instituições e personalidades externas.
Um Primeiro-ministro que não sendo parte da estrutura política do partido que apoia o governo, não deve entrar em disputas políticas, tentando atingir outros partidos políticos.
Deve sim, ficar à margem das disputas políticas e tentar encontrar uma solução de harmonia entre os diversos partidos políticos, sobretudo, com assento parlamentar, para conseguir um consenso, um pacto político capaz de desbloquear o Parlamento e viabilizar a governação, quiçá, o país.
Temos visto e ouvido nas últimas semanas, com espanto e preocupação, um Primeiro-ministro desenquadrado com o exercício do cargo, convencido de ter poderes e competências, constitucionais e legais, que na verdade não tem.
Se de facto, o ainda governo, é apoiado pelo PRS, onde está a responsabilidade política e governativa do PRS, que nunca se preocupou com o processo político e governativo do ainda governo, permitindo que o Primeiro-ministro ponha em causa a própria sustentação da governação pelo PRS?
3 – Depois da primeira sessão recente do Conselho de Estado, mais uma sessão, dada a conhecer através de um Comunicado, do Presidente da República e assinado pelo próprio Presidente da República da Guiné-Bissau.
O que é feito do Sr. Fernando Mendonça, Conselheiro e Porta-voz do Presidente da República, que nunca mais assinou ou apresentou um comunicado da Presidência da República, sendo que os últimos comunicados, ao que tudo indica, são feitos e rubricados pelo próprio Presidente da República?
Foi exonerado, demitido o Sr. Fernando Mendonça?
Se foi ou não, na sua ausência, não há quem o possa substituir?
Tem que ser o Presidente da República a elaborar os comunicados da Presidência da República?
Sobre a segunda sessão do Conselho de Estado, constatamos até que ponto existem fortes contradições nos diversos posicionamentos de políticos guineenses face à crise política, com base nas competências dos órgãos de soberania.
Se a Assembleia Nacional Popular, o nosso Parlamento, está bloqueado há tantos meses, sem que se consiga agendar e realizar uma sessão plenária e sendo o Parlamento um órgão colegial, que precisa de decisões por maioria dos seus membros, como é que o Presidente da Assembleia Nacional Popular, enquanto membro do Conselho de Estado decide apresentar uma proposta para a resolução da crise política, em nome do órgão de soberania colegial que é o Parlamento, sem conhecimento e consentimento de todos os Deputados da Nação?
Se o Parlamento tem estado bloqueado; se os Deputados não se têm reunido em conformidade com a agenda e o calendário prévio e legal das sessões parlamentares, como pode o Presidente da Assembleia Nacional Popular levar ao Conselho de Estado uma proposta que não foi apresentada, discutida, votada e validada pelos Deputados da Nação?
Como pode também o próprio Presidente da República, o suposto garante da Constituição da República, aceitar receber uma proposta que não foi elaborada com base numa visão colegial, de legitimidade constitucional?
Na minha perspectiva, o agendamento e realização da segunda sessão do Conselho de Estado é mais um dos muitos erros do Presidente da República, que continua com a sua agenda de promoção e afirmação de um presidencialismo de Estado contrário à definição constitucional do nosso sistema político.
Já que o Presidente da República continua a fazer afirmações públicas de que o actual governo, mesmo tendo entrado em ilegalidade com a não apresentação, discussão e aprovação do seu programa de governo, vai continuar em funções até final da legislatura, sem dissolução do Parlamento e consequentemente queda do governo, sugeria que em nome da legalidade democrática e no respeito pela Constituição da República da Guiné-Bissau, algum cidadão residente na Guiné-Bissau avançasse com um pedido de fiscalização da constitucionalidade junto do Supremo Tribunal de Justiça da Guiné-Bissau, sobre a legalidade e legitimidade do ainda governo.
Positiva e construtivamente.
Didinho 18.03.2017