RECAPITULANDO
Primeira Pausa
Dois dias depois de Donald Trump vencer as eleições presidenciais nos Estados Unidos, estava no avião da British Airways com a minha esposa e a minha filha, a caminho da África do Sul.
No avião, a música que continuei a repetir vezes sem conta foi It’s a Hard Rain’s a -gonna fall pelo Bob Dylan: I saw a black branch with blood that kept dripping…
Não sabia que era uma premonição dos tempos que nos aguardavam na Terra dos “ All Men are created Equal”
Depois da chegada a Joanesburgo e 2 dias com a família da minha esposa, partimos para Gaborone, Botswana para o casamento de uma amiga nossa.
Na fronteira, um grupo de jovens estava a murmurar algo em linguagem nativa e a minha mulher traduziu: “pobre americano, tem como presidente o Trump!!!”- eu tinha vestido uma camisola com as siglas da US Army.
A eleição do Trump o que fez foi despir os Estados Unidos e mostrar as faces do racismo que está enraizado na cultura americana: não ser white, significa teres que trabalhar o dobro ou triplo para ser reconhecido; significa estar sempre em alerta quando o teu filho vai ao cinema à noite e a incerteza de não saber se vai ser parado por um polícia e maltratado; ter que comprar e instalar uma câmara (dash cam) no carro do teu filho, para o caso dele ser vítima de violência policial; significa não ter seguro de saúde e não ter dinheiro para ir a um médico ou comprar medicamentos…
Mas temos que continuar a estudar, trabalhar e triunfar. Será a única forma de mudar mentalidades e mudar a nossa sociedade.
Depois de 3 meses de inquietude, desapontamentos e alegrias, sucessos e insucessos, penso que é oportuno recapitular e compartilhar a minha experiência com conterrâneos e outros interessados nas “peripécias “ da COVID-19.
Esta experiência não se compara com nenhuma outra que já vivi nesta minha longa vida de médico, acreditem!
Isto vem de quem viveu intensamente o massacre de Las Vegas, conhecido tristemente como massacre de 1 de Outubro. No dia do festival de Country music, um indivíduo entrincheirou-se num quarto do Mandalay Bay hotel e começou a disparar, ferindo 869 pessoas e matando 59.
Nessa noite, depois de um dia de trabalho árduo no hospital, fui a casa estoirado, vi televisão por 45 minutos (das 9 às 9:45 da noite) e de passagem o apresentador mencionou um bloqueio policial no Las Vegas Strip.
Pouco sabia eu que ia ser uma noite para não esquecer.
Fui dormir, mas às 11:30 da noite, a minha esposa despertou-me porque o meu telefone não parava de tocar (de tão cansado que estava, provavelmente atingi o Slow Wave Sleep – sono profundo-imediatamente).
Quando atendi, era o CEO do hospital com o call STAT!
A caminho do hospital, estava tudo bloqueado! Tive que mostrar o meu cartão de médico para passar o bloqueio.
O hospital parecia o MASH (da guerra da Korea, Vietnam, etc.): sangue por todo o lado!
Impressionante, mas nada comparado com este Coronavirus (como o Ntin-Franklyn disse) Nudade!
O medo do desconhecido por parte dos médicos, tentar tratar os doentes com coronavírus da mesma forma que tratamos outros doentes nos cuidados intensivos levou a muitos falhanços!
Depois das experiências com tantas mortes em NY, penso que aprendemos uns com os outros!
E agora a estratégia de tratamento parece mais efectiva:
1 – Quando o doente dá sinais de precisar de mais oxigénio, tentar de início High Flow Nasal Cannula antes de entubar e usar ventiladores.
2 – Se tivermos que usar ventiladores, tentar ser muito cauteloso e ajustar o PEEP (pressão positiva no final da expiração) de acordo com a complacência pulmonar.
3 – Depois de maximizar os parâmetros do ventilador e o doente ainda tem problemas de oxigenação, instituímos a Oxigenação por membrana extra corporal (ECMO).
No início da pandemia do coronavírus, estivemos muito relutantes em usar o ECMO por causa das pesquisas iniciais vindas da China e Japão que mostraram uma taxa de sobrevivência Abismal, somente entre 10–15%.
Por isso, como director do programa de ECMO no nosso hospital, não aprovei o uso desta modalidade de tratamento por 2 meses, porém, com os últimos dados publicados, com taxa de sobrevivência de mais de 55%, começamos a usar o ECMO em doentes com coronavírus (Só em casos em que a mortalidade com o ventilador ultrapassa os 80%) e os resultados têm sido muito positivos.
Em termos leigos, o ECMO é um tipo de pulmão e coração artificial que usamos temporariamente quando o pulmão e/ou o coração falham – ver ilustração a seguir.
Para colegas familiarizados com o ECMO, aproveito para partilhar uma das minhas aulas de formação de médicos e enfermeiras que dou 3 vezes por ano. Clique no link que se segue para aceder ao documento:
4 – Remdesevir
Um antivírus que os estudos na universidade de Nebraska demonstraram poder reduzir a infeção de 15 para 11 dias.
5 – Convalescent plasma – soro de doentes previamente infetados pelo coronavírus. Em colaboração com o Mayo Clinic, o nosso hospital está a conduzir experimentos com as 2 últimas modalidades
6 – Tratamentos habituais na unidade de cuidados intensivos
Para terminar, dedico este artigo às equipas de futebol que fizeram parte da minha formação como homem e como médico (com as equipas, aprendi a trabalhar arduamente para fazer parte do plantel, trabalhar em grupo para atingir um objectivo comum – a vitória, e nunca perder a esperança…).
– Os Canalhas (ruas de São Tomé e Angola)
– Os Onze Africanos
– Pamparira
– Equipa de futebol da faculdade de medicina de Lisboa
Las Vegas, USA, 07.06.2020
Joaquim Tavares “Djoca” – MD, FACP, FCCP, DABSM, FAASM, EDIC, RPSGT
Medical Director, ECMO Program at Sunrise Hospital and Sunrise Children’s Hospital