AINDA O CORONAVÍRUS…

Ainda o coronavírus…

Havia luz ao fundo do túnel, mas a cada dia que passa, o fundo do túnel parece mais distante do que inicialmente pensávamos!

Nos últimos meses, temos visto uma subida dramática dos números de casos de coronavírus, especialmente, ou quase exclusivamente, casos da variante Delta.

E como características comuns nestes casos:

1 – jovens de 21-35 anos (falei com um colega meu, chefe dos cuidados intensivos de Pediatria, e ele tem visto uma subida dramática de casos em crianças e adolescentes);

2 – 95% destes novos casos são em pacientes não vacinados.

Dos vacinados que contraíram o Delta, necessitando de hospitalização, a maioria tem mais de 65 anos e/ou têm o sistema imunitário comprometido;

3 – Estes novos casos são mais graves, porque, apesar de jovens, morrem de síndrome da insuficiência respiratória aguda (Acute respiratory distress syndrome ou ARDS).

Isto, porque muitas pessoas, invocando os Direitos e as Liberdades, consagrados na Constituição, não querem ser vacinadas, com a seguinte consequência:

Sem vacina, sem máscara, apanham a infecção e contraem a doença que muitas vezes é gravíssima, mas não só;

Transmitem o vírus a pessoas não vacinadas e a pessoas vacinadas (apesar da vacina, que de início foi dito que dava 75-92% de protecção contra o vírus.

Vírus que ainda se pode albergar nas vias respiratórias do vacinado, na maioria dos casos não causando problema nenhum, ou apenas, uma infecção ligeira).

Mas o vacinado que alberga o vírus pode transmiti-lo a outras pessoas.

Por isso, agora a obrigação de usar máscaras aqui nos Estados Unidos, mesmo para os vacinados.

Fui sempre otimista e tenho convicção de que vamos ultrapassar esta pandemia, mas a certo ponto na última semana, fazendo ressuscitacão cardiopulmonar em tanta gente jovem e vê-los morrer, cheguei a duvidar dessa convicção e a questionar o bom-senso do ser humano!

E de repente, dei comigo a ouvir a música dos Doors e Jim Morrison – The End!!!…E quase me fez acreditar que estamos mesmo no Fim do Mundo…

A primeira vez que esta música chamou a minha atenção foi em 1980-81 aquando da estreia do filme Apocalypse Now no Teatro Monumental na praça Duque de Saldanha, em Lisboa – Portugal.

E a cada semana temos que usar mais máquinas de ECMO (oxigenação extra-corpórea por membrana) para salvar vidas.

Como director do nosso program de ECMO, devido à escassez (?) de máquinas nos Estados Unidos, cada dia recebo 2 ou 3 chamadas de outros estados distantes como Texas, Colorado; e de estados vizinhos como Arizona ou Califórnia, para aceitar transferências de doentes para ECMO.

Infelizmente tenho que rejeitar, porque estamos no limite da nossa capacidade.

A seguir partilho duas radiografias de 2 doentes:

1 – uma mulher de 52 anos, pesando 142 quilos, 1 m 62 cm de altura, não vacinada, apesar das minhas múltiplas recomendações. Vi-a hoje no consultório, com dispneia, auscultação com ronquidos, saturação sem oxigénio – 81%.

Chamamos os paramédicos que a transportaram para o hospital e foi admitida com coronavírus (teste foi positivo no hospital, apesar de negativo 3 dias atrás).

2 – Um jovem de 23 anos, 210 quilos, 1 m 72, não vacinado, admitido no sábado passado com covid e pneumonia grave.
Agora intubado e, talvez à espera da morte…

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Imagem de uma Radiografia normal

Djoca

Las Vegas – 19.08.2021

AINDA A PROPÓSITO DO COVID-19

AINDA A PROPÓSITO DO COVID-19

Levantei-me hoje às 5:30 da manhã e depois do exercício matinal, decidi passar por Las Vegas Strip (faixa da cidade onde estão 90% dos casinos), antes de ir ao trabalho no hospital: uma cidade fantasma, ninguém nas ruas, hotéis com semelhança a túmulos num cemitério isolado: vieram-me à memória os tempos de quando tinha 8/9 anos, na Guiné, e que ao domingo à tarde entre a 1 e as 3 tinha que levar comida ao meu pai nos armazéns da ultramarina perto da Ponte Cais; as ruas desertas de Bissau, entre a zona dos correios e a ponte cais, todos a dormir a sesta ou a ouvir relatos de futebol português – silêncio e vazio, que me metiam medo. É assim, nos dias de hoje, aqui: tudo fechado agora devido ao coronavírus…

Coronavírus, são uma família de vírus, encapsulados, fita única, classificados dentro dos Nidovirales. Podem infetar mamíferos e aves, causando doenças respiratórias, entéricas, e neurológicas nos humanos.

Existem 6 espécies de coronavírus que podem causar doenças em seres humanos: coronavírus 229E, OC43, NL63 e HKU1 são comuns em todo o mundo e só causam sintomas marginais.
As outras duas espécies (a SARS-Cov) e a MERS-Cov) causam infeções mais sérias e são transmitidas de animais para humanos.
Em anos não distantes, estas duas últimas espécies causaram pandemias com mortalidades entre  19% e 37% respectivamente.
Em Dezembro de 2019 em Wuhan, Hubei, China, um novo síndroma respiratório emergiu  com sintomas clínicos semelhantes à pneumonia viral e com transmissão entre pessoas.
Através de análises sequenciais, confirmou-se a emergência de um novo coronavírus: COVID-19.
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Fig. 1 – Vírus a atacar tecidos pulmonares.
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Fig. 2 TAC
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É assustador o que se está a passar aqui, não só em Las Vegas, mas em todos os territórios que compõem os Estados Unidos (excepto, por agora, Montana e Dakota – Norte e Sul).
Elmhurst hospital, em Queens, já la vão 25 anos desde que lá estive, tornou-se agora o epicentro da pandemia aqui nos Estados Unidos.
Há colegas médicos e enfermeiros a falecer por causa de contaminação (não há máscaras suficientes para todos e tem que se improvisar). É uma calamidade que não se pode descrever.
Por agora, temos que manter a calma, usar todos os meios de higiene e proteção disponíveis, usar os nossos anos de treino e experiência para ajudar a tratar os doentes.
É importante não esquecer de:
Lavar as mãos com sabão e água por 20 segundos (mais eficaz do que gel contendo álcool);
Manter distância uns dos outros.
Aos colegas médicos:
1 – Se um doente com suspeita de estar infetado com coronavírus tem sintomas respiratórios moderados, por favor não espere: entubação/intubação, sem demora, porque da experiência que estou a ter nestas duas semanas, se esperamos/hesitamos, é a morte certa do doente;
2 – Se depois da entubação/intubação, não houver melhorias, usar as medidas de “proteção dos pulmões”, incluindo:
Óptimo PEEP (pressão positiva expiratória final);
Low tidal volume (pequeno volume corrente);
  • Pronação
  • Vasodilatadores pulmonares
  • Paralíticos
  • Se tudo falha, então ECMO
Infelizmente, em África, só há dois Centros de ECMO (África do Sul) e transportando doentes com PEEP elevado e oxigénio a 100% não é prudente.
Para qualquer intervenção, incluindo pequenas cirurgias, use PAPR (Powered Air Purifying Respirator – Respirador purificador de ar motorizado), PPE (Personal Protective Equipment – Equipamento de Proteção Pessoal), para evitar contaminação/transmissão.
Medicamentos em investigação:
Remdesivir: não aprovado; em investigação;
Hidroxicloroquina, Cloroquina: dados ainda insuficientes;
Tocilizumab: em investigação para doentes em choque;
Lopinavir/Ritonavir: investigação negativa;
Corticosteróides: podem ser perigosos
Voltando à entubação/intubação e tendo em conta a sua importância, recomendamos, absolutamente, usar a glidoscopia, em vez da entubação/intubação por laringoscopia direta (risco de contaminação para o cirurgião).
Com a glidoscopia, em vez de olhar diretamente para a boca do paciente, estamos a olhar para uma câmara.
Vejamos a seguir uma imagem de um meu assistente médico júnior, entubando/intubando um doente.

Las Vegas, USA,  27.03.2020

Joaquim Tavares “Djoca” , MD, FACP, FCCP, DABSM, FAASM, EDIC, RPSGT

Medical Director, ECMO Program at Sunrise Hospital and Sunrise Children’s Hospital