A PROPÓSITO DE LUÍS VERA (VIEIRA?) DA FONSECA
“Do sotaque dele depreendia ser de Cacheu que é o crioulo efectivamente vinculado em Ziguinchor.” – Henri Labery
Quando cheguei da Guiné aos 18 anos (1950) de idade, este cantor atraiu meu interesse – e minha curiosidade – porque cantava em crioulo e a rádio nacional do Senegal de vez em quando passava as suas músicas registadas em discos 78 e 48 tours da época. O crioulo com que cantava ou ainda canta, se vivo, era para mim às vezes incompreensível porque trazia mistura num ou noutro trecho de português/brasileiro e não se destrinçava bem o sentido.
Estava preparando um diploma de jornalista na então Escola Universal de Paris – que ensinava e preparava estudantes em vários ramos do ensino superior – e nos finais de 1952 (novembro) teria que regressar a Dakar para ali cumprir as minhas obrigações militares para depois ser enviado a Perpignan que iria ser a minha base em caso duma eventual declaração de guerra, mas isso só seria assim se, me engajasse após os 2 primeiros anos de serviço obrigatório.
Naturalmente estava fora de questão um engajamento da minha parte que me iria levar incondicionalmente às frentes operacionais das guerras coloniais em Indochina e logo a seguir Argélia. Iria matar cidadãos que não conheço e que nunca me fizeram mal algum nos seus próprios Países, ou ser morto pour la gloire de…la France !!!
Recusei o engajamento e fui recambiado para Dakar, graduado lieutenant de réserve. tinha 22 anos.
Bom me estou afastando do AFONSECA como lhe chamavam aqui. Com o meu diploma de jornalista, me recorri a um emprego de redactor e de speaker (locutor) na rádio nacional com o Senegal ainda colónia francesa. Por sorte o Director era membro do Partido Comunista e como em França militava na Jeunesse du Parti Communiste, sem dificuldades passei a ser Rédacteur sur la Chaine Internationale – com outros vários franceses e senegaleses mais ou menos todos no inicio de carreira – Canal Internacional ia para além das fronteiras do Senegal cobrindo a nossa Guiné e chegando até ao Brasil. Dakar era capital de l’AOF –Afrique Occidentale Française – que contava com 9 ‘territórios’: Senegal – Soudan Français hoje Mali – La Guinée – Costa do Marfim, Dahomey hoje Benin, Alta-Volta hoje Burkina Faso, Pais de Thomas SANKARA – Níger, Togo e a norte a Mauritânia.
Um vasto Império que ainda hoje os seus dirigentes são lacaios da FRANCA … O papel da estação emissora era de cobrir quase todo o continente sustentáculo do imperialismo francês.
Aproveitando esta ‘boleia’ vou criar um departamento de língua portuguesa porque já havia um de inglês. Foi o primeiro desafio e logo nestas emissões comecei um trabalho de mobilização e o meu amigo Director-Geral me autorizou além do português, mais meia hora de antena que me servia para programas em línguas nacionais: crioulo, manjaco, felupe, balanta, pepel, mancanha, bijagó, etc.
As emissões, diárias, tinham por horário 18/19 horas. Emissões que depois da informação geral eram todas de denúncias e de reivindicações nacionalistas.
Ainda não conhecia Amilcar e ele me dizia ter ouvido muito falar de mim quando pela primeira vez fomos apresentados pelo Sr. Rito Alcântara farmacêutico que pertenceu a uma família caboverdeana aqui, que se queria burguesa. Respondi ao Cabral que nunca tinha ouvido falar dele mas que conhecia bem os pais o Tio Juvenal CABRAL e a mãe Tia IVA hóspedes da minha família em Bissau quando vinham do ‘mato’… O resto da Historia, à venir…
Agora sim, vou falar em poucas palavras porque nunca consegui encontrá-lo e tampouco poder falar com ele, o cantor AFONSECA. A radio poderia ter sido lugar ideal para se saber dele.
Aos serviços competentes a quem encarreguei de o localizar esteja onde estivesse para um convite de entrevista e de música, a resposta era sempre invariável: RIEN Henri!
Tinha um colega Dahoméen de nome de PRUDÊNCIO, me garantia com toda a seriedade que o cantor era da terra dele porque em Cotonou e Porto Novo há muitos nomes de consonância portuguesa, bastava ver o nome dele. Que também havia ainda Almeidas, Fonsecas, Silvas, etc.
Mas isso é uma outra Historia nada a ver com os Guineenses, dizia-lhe eu. Tanto mais que o AFONSECA como vocês o chamam, canta em crioulo da Guiné/Casamanse nada de comum com um idioma de ton village para lhe chatear.
O Gilles SALA em contra partida que citas, conheci-o em Paris era também um cantor camaronês com belas canções em francês. Foi da entourage do Manu DIBANGO.
Das canções do FONSECA em recordação assobiava eu de vez em quando Quim ku tém si fidju femia – Sibouten – (Si bu ten) e “Telefonista por favor quero falar ao meu amor”. Nesta canção brasileira há uma deturpação incrível das palavras. Por isso também na altura gostaria de tê-lo encontrado e ajudá-lo nas suas actuações. O arranjamento musical era bom. Do sotaque dele depreendia ser de Cacheu que é o crioulo efectivamente vinculado em Ziguinchor. Já em Kolda é diferente, muito perto de Farim. (Quando ia de férias a Farim, de vez em quando fazia uma estirada cerca de 30 km até Kolda, em bicicleta com o Zeca e o Tadeu, filhos do Administrador da Circunscrição, Sr. Sacramento MONTEIRO, filhos nascidos em Bissau de mãe caboverdeana D. Belmira).
Mas concluindo gostaria de te retomar… Infelizmente, a Guiné-Bissau tem perdido muito ao não fazer questão de pesquisar o passado das suas gentes que saíram para os Países vizinhos, mas também para o Mundo, entre a escravatura, a colonização, a guerra de libertação nacional e, mais recentemente, devido às desilusões com a desvirtualização dos objectivos da Independência Nacional.
Obrigado Mestre Didinho. A Guiné precisa de ti.
Henri Labery
Dakar 26.03.2020