AUMENTO DA POBREZA – uma (des) vantagem ao crescimento económico guineense

AUMENTO DA POBREZA – uma (des) vantagem ao crescimento económico guineense

Por: Santos Fernandes

15.01.2020

Uma das mais importantes mudanças pelas quais a sociedade e a economia guineense vêm enfrentando nos últimos 20 anos é o processo de “aumento contínuo” da pobreza que atinge cerca de (67% da sua população). Essas transformações sociais e económicas deram-se de fato e confirmam a trajetória de queda iniciada em finais da década de 1990. Contudo, podemos notar que, apesar das transformações ocorridas, a corrupção é extremamente alta, encontrando-se a Guiné-Bissau entre os 10 países africanos com mais elevados níveis de corrupção, segundo “Transparency International, 2019”.

Ao analisar as relações entre os aspectos do crescimento económico e suas implicações na redução e superação das condições de desigualdade e pobreza, deve-se fazer um debate acerca das principais vertentes do pensamento económico relacionado a esta temática. Procura-se no debate superar a dicotomia “crescimento económico versus desigualdade de renda”, apoiada na ideia de que uma atuação política mais eficaz, voltada para o combate à desigualdade teria efeitos positivos e sinérgicos na redução da pobreza.

Outro aspecto relevante do debate sobre a relação entre desigualdade e pobreza, do ponto de vista teórico, refere-se às análises contemporâneas que têm tratado do tema da pobreza e da desigualdade em suas múltiplas dimensões. Para tal avaliaremos, de modo geral, a abordagem das capacitações de Sem (2000) como elemento de contraposição ao debate da desigualdade visto pelo ponto de vista exclusivo da renda (unidimensional), como será avaliado nesse artigo.

Mundialmente, o debate da relação entre crescimento económico e desigualdade de renda teve início com o artigo de Kuznets (1955), na qual esta relação dar-se através da forma de “U” invertido, na primeira fase de grandes taxas de crescimento de um país, ocorre um aumento na desigualdade de renda enquanto que na segunda fase grandes taxas de crescimento fazem com que haja uma redução na desigualdade de renda. O estudo teve por objetivo verificar se a desigualdade na distribuição de renda aumentava ou diminuía com o crescimento económico do país, assim como os fatores que determinariam tanto o nível de renda quanto a desigualdade.

O efeito da distribuição de renda sobre o crescimento económico em determinado momento é analisada, neste sentido, sobre a óptica do interesse político, sendo que uma distribuição de renda desigual imprime pressões na direção de se adotar políticas de alocação da redistribuição de recursos, na qual levaria a uma inibição da acumulação de capital, visto que, em longo prazo, se reduziria as taxas de crescimento económico.

Kuznets (1955) coloca a variável renda como principal parâmetro ao analisar a desigualdade de renda em função do crescimento econômico de um país, sem levar em consideração que há diversos outros fatores como os oriundos das diferenciações educacionais, saúde, tecnológicas, alimentares, ausência do estado em provir maior equidade e outras variáveis que estariam correlacionados com a disparidade da existência desta desigualdade faz com que haja um aumento da pobreza em seus mais diferentes aspectos.

Embora, o conceito de desigualdade esteja relacionado ao conceito de pobreza, como se viu anteriormente, estes não se confundem, pois a desigualdade caracteriza-se principalmente pela má distribuição dos recursos de um país entre as classes sociais; a pobreza, por seu turno, relaciona as necessidades básicas não atendidas de maneira adequada em função de diversos fatores, entre os quais a escassez do produto e a desigualdade na sua distribuição. Neste contexto, inclui-se o crescimento económico como possibilidade de redução da pobreza aliado à redução das desigualdades.

Para Sen (2000), a pobreza pode ser definida como privação das capacidades básicas individuais e não apenas como uma renda inferior a um patamar pré-estabelecido. Por “capacidades” se entende as combinações alternativas de “funcionamentos” de possível realização. Portanto, a capacidade é um tipo de liberdade: a liberdade substantiva de realizar combinações alternativas de funcionamentos ou a liberdade para ter estilos de vida diversos.

Para Comim e Bangolin (2002) é importante ter em mente que a redução da pobreza através da renda não pode ser o único objetivo de políticas de combate à pobreza. Seguindo as mesmas premissas de Sem (2000) em que a pobreza não se explica somente pelo fator renda, mais por diversos outros fatores: tais como, educação, saúde, alimentação e outros.

Tais privações de capacidades, como as citadas anteriormente, que permeiam a pobreza de forma mais abrangente, não desprezam o fato desta ser caracterizada como o de ter-se uma renda inferior estabelecida, e que a falta desta renda pode ser a primeira razão da privação de capacidade de uma pessoa. Sabe-se que não somente a renda impacta nas condições de pobreza da população e que outros fatores fazem-se presentes, pois se tem a noção das multidimensionalidades ocasionados por esta condição.

Para Diniz (2005), a evidência empírica internacional que afeta os países em desenvolvimento tem apontado uma correlação bastante forte entre a falta de um crescimento económico sustentado, em alguns casos, crescimento negativo, e o aumento do número de pobres de suas populações, seja está expressa em termos de uma renda monetária limitada (pobreza absoluta), seja esta encarada sob um enfoque multidimensional relacionada, por exemplo, os indicadores de desenvolvimento humano como o acesso à saúde básica, educação, serviços de água e saneamento, entre outros. Ainda, que existam certas diferenças entre os canais de transmissão, há certa clareza sob os seguintes pontos gerais:

  1. i) Nos países onde existe uma pobreza generalizada o crescimento económico tem um forte efeito positivo em reduzi-la;
  2. ii) A pobreza age como uma das principais restrições ao processo de crescimento económico continuado (UNCTAD, 2002). Assim, ao mesmo tempo, que a pobreza pode ser entendida como uma consequência da falta de crescimento, ela é um fator limitador para sua sustentação. Nessas condições, em que os países estão “presos” a certas dificuldades estruturais para sair dessa situação convencionou-se chamar na literatura de “armadilha da pobreza” (PNUD, 2003).

Mais recentemente, tem-se verificado que as experiências ao redor do mundo têm mostrado que os países e mesmo as regiões dentro deles crescem de maneira desigual. Do mesmo modo, a distribuição de renda dentro deles e entre eles não é homogênea, podendo beneficiar determinadas parcelas da população, impactando de modo diferenciado a sua população de pobres e não pobres.

Para Solon (2008) a quantificação da pobreza e da extrema pobreza a partir da noção de insuficiência de renda, geralmente é utilizada as linhas de pobreza e de indigência, a partir da qual são estabelecidos valores monetários mínimos observados, referenciados em certas cestas de bens capazes de atender as necessidades dos indivíduos, seja apenas para alimentação, ou que inclua outros conjuntos de bens. Todos aqueles que se auferissem renda abaixo daquele valor seriam considerados pobres ou indigentes. As linhas de indigência são calculadas com base em uma quantidade de calorias suficiente a reprodução do indivíduo e da sua família, baseado nas preferências de uma determinada região e, então, convertidas em unidades monetárias. Por sua vez, as linhas de pobreza são calculadas a partir das linhas de indigência, aplicando-se o “multiplicador de Engel”, àquelas como formas de incluir despesas com habitação, transporte, vestuário etc, ou seja, as necessidades não alimentares. Dessa forma, indivíduos que auferissem renda abaixo da linha de indigência não teriam recursos suficientes para atender suas necessidades nutricionais mínimas e os que estivessem abaixo da linha de pobreza não atenderiam a um conjunto mais amplo de suas necessidades.

O Banco Mundial adota em seus estudos e programas, comparações entre os países, baseadas na Paridade do Poder de Compra (teoria proposta no início do século XX por Cassel (1954) para calcular o poder de compra entre os países e medir o quanto uma determinada moeda pode comprar em termos internacionais, tendo em vista as diferenças de preço dos bens e serviços de um país para outro) quem vive com até US$ 1 per capita dia e pobre quem tem rendimentos acerca de US$ 1 e US$ 2 per capita dia.

O governo guineense não possui uma linha oficial de pobreza e, frequentemente, seus programas sociais utilizam a metodologia do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), do Banco Mundial de US$ 1 e/ou US$ 2 per capita ajustada pela paridade do poder de compra.

Para se mensurar o grau de desigualdade de renda existente nos países, e dentro das sociedades e entre indivíduos que delas fazem parte existem diversas metodologias, as mais utilizadas são o índice de Gini, que a seguir se procede com uma breve exposição. O Índice de Gini mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita e seu valor varia de zero (em que não há desigualdade) e um (quando a desigualdade é máxima). É formado a partir da Curva de Lorenz, como uma razão das áreas formadas pelo diagrama da referida curva.

Se a área entre a linha de perfeita igualdade e a curva de Lorenz é A, e a área abaixo da curva de Lorenz é B, então o coeficiente de Gini é igual a A/(A+B). O coeficiente de Gini pode ser calculado da seguinte forma:

G=1μ. N(N−1)ΣΣxi−xj

em que: 𝜇 : É a renda familiar per capita média de uma dada população;

N e 𝑥𝑖: Renda familiar per capita do indivíduo i.

Tabela – 1: UEMOA – Taxa de Crescimento do PIB per capita (1990 a 2015)

PIB PIB per capita Pop./

Nível pob.

1990 2000 2015 1990 2000 2015
Guiné-Bissau 622.007.475 661.730.564 1.057.415.318 614,46 532,27 545,90 67%
Costa Marfim 17.764.120.445 22.300.414.202 36.794.322.093 1.448,03 1336,43 1384,91 46,3%
Togo 2.064.662.775 2.563.068.020 4.245.259.745 545,21 515,67 531,16 55,1%
Burkina Faso 3.007.669.516 5.046.707.524 12.379.492.024 341,35 434,76 639,71 40,1%
Benin 3.033.624.751 4.766.643.562 9.103.831.278 609,35 694,24 833,66 36,2%
Senegal 6.398.540.802 8.668.335.875 16.833.353.304 846,86 877,00 1018,39 46,7%
Níger 3.064.806.712 3.657.358.998 8.085.878.853 382,49 322,15 386,73 45,4%
Mali 4.073.912.797 6.071.472.020 13.421.822.111 481,25 553,58 705,79 36,1%
UEMOA 40.029.345.273 53.735.730.765 101.921.374.726 477,62 658,26 755,78 46,61%

Percebe-se que todos os sete países da União já se encontravam com ritmo económico, mais ou menos, acelerado desde 1990, quatro anos antes da criação da UEMOA, apresentando o PIB acima de US$ 1 bilhão.

Fonte: Dados de pesquisa, BM (2018).

Entretanto, a Guiné-Bissau, nos anos 1990, ainda exibia um PIB equivalente a US$ 622 milhões. Apenas em 2015 que o nosso país logrou alcançar US$ 1 bilhão no seu PIB, período em que alguns países já haviam atingido dezenas de bilhões de dólares nos respectivos PIB.

Portanto, todos esses números demonstram o “atraso” da economia guineense em relação aos demais países membros da União, após 20 anos de sua adesão à UEMOA, mesmo considerando-se tratar-se da menor economia da região.

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Santos Fernandes

15.01.2020


Referências:

  • COMIM, F. BAGOLIN, I. Aspectos qualitativos da pobreza no Rio Grande do Sul. In Revista Ensaios, Porto Alegre, v.23, p. 467-490, 2002. Disponível em:<www.ppge.ufrgs.br/sabino/ecod03/asp-qualit-pob-reg-sul.pdf>.Acesso em Janeiro de 2020.
  • DINIZ, M. B. Contribuições ao estudo da desigualdade de renda entre os estados brasileiros. 2005. 209f. Tese (Doutorado em Economia) – Programa de Pós-Graduação em Economia – CAEN, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2005.
  • HOFFMAN, R. Estatística para economistas. São Paulo: Pioneira, 1980, 432p.
  • (3) KUZNETS, S. Economic Growth and Income Inequality. American Economic Review, n. 45, p. 1-28, 1955.
  • (4) SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, 422p.
  • SON, H. H. A note on pro-poor growth. Economic Letters, v. 82, p. 307-314, 2004.
  • Tópicos em Administração – Volume 22/ Organização Editora Poisson – Belo Horizonte – MG: Poisson, 2019.