A PROPÓSITO DA ANEMIA DAS CÉLULAS FALCIFORMES (SICKLE CELL ANEMIA)
J.TAVARES, MD, FCCP, FAASM
15.07.2008
Tempos atrás, uma mãe angolana fez-me uma pergunta, através do meu gmail sobre este tema; peço desculpas por não ter respondido de imediato; por envolvido em muitos projectos e comissões de trabalho de protocolos, não tive tempo para responder. Aproveitando o facto de um nosso amigo de Moçambique também levantar questões sobre o mesmo tema vou tentar fazer um sumario sobre a Anemia das células falciformes;
Para este trabalho, tive que rever alguns jornais (Mayo Clinic Proceedings, Harrison’s, New England Journal of Medicine e Medline, bem como casos clínicos que tive oportunidade de tratar nestes últimos 17 anos).
Como mais uma manifestação do espírito de resistência e improvisação do corpo humano, aquando das muitas epidemias da malária em partes de África, mediterrâneo, oriente médio e Índia, algumas pessoas tiveram uma mutação genética que causou alguns glóbulos vermelhos a tomarem a forma falcipara (de banana ou crescente); estas novas células interferiram com o desenvolvimento do organismo causador da malária (plasmódio); mas deixou uma herança de mau augúrio: a anemia de células falciformes.
Em circunstâncias normais, o corpo humano produz hemoglobina a; esta hemoglobina dá uma forma redonda (de disco) e flexível aos glóbulos vermelhos, o que lhes permite mover livremente nos vasos sanguíneos e transportar oxigénio a todas as partes do corpo humano.
Pessoas com anemia de células falciformes produzem um tipo especial de hemoglobina (hemoglobina s) que dá a forma de banana ou foice (falcipara) aos glóbulos vermelhos, o que os torna rígidos; são destruídos facilmente e podem bloquear os vasos sanguíneos.
A transmissão é autosómica recessiva: se o pai é portador (um gene a e outro gene s) e a mãe é portadora (gene a e gene s), seguindo as regras da genética: há 25% de chance do descendente não ter a doença; 50% de chance do descendente ser também portador de um gene e 25% de chance do descendente ter a doença (apanhar os dois genes).
Daí termos dois tipos de doentes falciformes:
1) O portador, que raramente tem manifestação da doença, porque como tem só um gene (as), ainda tem bastantes glóbulos vermelhos normais para transportar oxigénio.
2) O doente com anemia de células falciformes que tem os dois genes (ss, em vez de aa).
Os glóbulos vermelhos normalmente vivem 120 dias, mas as células falciformes só vivem 10 a 20 dias e a medula óssea não tem capacidade de produção suficiente para produzir novas células em tão pouco tempo; daí é que vem a anemia.
O diagnóstico laboratorial faz-se através da electroforese da hemoglobina, quando o quadro clínico nos faz desconfiar que um paciente tem esta doença.
Sintomas - geralmente causados pela falta de oxigénio (devido a anemia) e/ou pelo bloqueamento das artérias das várias partes do corpo, pelas células falciparas (pouca maleabilidade):
1) AVC: bloqueamento de algumas artérias que irrigam o cérebro
2) Sindroma agudo de dores do peito (Acute Chest Syndrome): dores do peito, febre e dispnea; bloqueamento das artérias/veias pulmonares;
3) Dores ósseas
4) Cegueira
5) Enfarto do Baço (Splenic Infarct)
6) Úlceras (feridas) dos pés
7) Priapismo (erecções dolorosas), devido a bloqueamento ao esvaziamento das veias do pénis.
Tratamento:
1) Antibióticos: crianças com esta doença, começam a tomar antibióticos por volta dos 2 meses de idade até aos 5 anos, para prevenir infecções, que podem ser fatais.
2) Analgésicos
3) Hidroxiureia (hydroxyurea): pode reduzir a frequência das dores; o mecanismo de acção é através da estimulação da produção de hemoglobina fetal (f) que vai prevenir a formação de células falciformes. Alguns cientistas pensam que este medicamento, quando usado por muito tempo, tem a potencialidade de causar cancro (leucemia) em alguns doentes (ainda não confirmado por nenhum estudo);
4) Hidratação;
5) Transfusão de sangue;
6) Oxigénio suplementar;
7) Em casos extremos, transplante da medula óssea;
8) Plasmaferesis para alguns casos de sindroma agudo de dores do peito.
TRATAMENTOS EXPERIMENTAIS (ainda não recomendado oficialmente)
1) Terapia genética (correcção do gene defeituoso);
2) Ácido butirico (aumenta a produção da hemoglobina f);
3) Clotrimazole (pode impedir a perda de água pelos glóbulos vermelhos, reduzindo; assim o numero de células falciparas);
4) Óxido nítrico
PREVENÇÃO E REMÉDIOS CASEIROS:
1) Tomar ácido fólico todos os dias (a medula necessita de ácido fólico e outras vitaminas para produzir glóbulos vermelhos);
2) Beber muita água (principalmente em África, onde as crianças gostam de jogar a bola ao sol e não ingerem líquidos suficientes)
3) Evitar temperaturas extremas (muito calor ou muito frio)
4) Evitar viagens a altitudes (o oxigénio baixa, à medida que subimos de altitude).
Glóbulos vermelhos (normais)
Sickle cell
Sickle cells
Obrigado. Aceitam-se questões e sugestões.
Artigo relacionado: UM CASO DE ANEMIA DE CÉLULAS FALCIFORMES 19.12.2007
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