A SITUAÇÃO DA GUINÉ (3)
Matteo Candido * 20 .03.2010Quem quiser comparar os meus dois textos anteriores com o do Prof. Mamadu Lamarana Bari: "África e Desenvolvimento" (Nô djunta mon, agosto de 2006) e o do Arq. Fernando Jorge Pereira Teixeira 'Nosso Desígnio como Povo "(Nô djunta mon, 07.03.10)poderá talvez detectar uma certa superficialidade perante o percurso histórico e os documentos apresentados pelo primeiro, e também um tradicionalismo fechado, face às alegações entusiastas sobre a 'Guinendade’ apoiadas pelo segundo. Sobre este assunto é importante também consultar o Editorial da Drª. Filomena Embaló <Identidade entre 'ser' e 'sentir'> - Espaço Cultural- 29.11.2007). O que dizer? Certamente, a história tem o seu curso, com os seus fatos positivos e negativos, mas porque são fatos não têm uma fonte fixa, predeterminada: aconteceu assim, mas podia ter acontecido o contrário. A história não é um mecanismo cego, para a presença da vontade dos homens, ou seja, aquele elemento que "determina de forma livre" de uma forma ou de outra, os fatos históricos. Os fatos e as conclusões nâo são expressões de leis fixas, tal como os cientistas descobrem na natureza. Saber o curso dos acontecimentos é muito importante, e mesmo necessário, para compreender e conhecer em profundidade as estruturas com que se materializa uma sociedade. Estruturas e procedimentos que dão a conhecer, de forma explícita, elementos preciosos da alma de um povo, através da sua maneira de ser e do seu comportamento, valores e ideais, que encontram expressões mais refinadas, na arte, nas cerimónias e nos rituais. A história porém, diz-nos que muitas vezes as estruturas e os procedimentos nem sempre são escolhas, mas imposições, que devem ser aceites para evitar males maiores. Entretanto, entrando em uso, adaptam-se ao ponto de se tornarem familiares e, sem ajuda, torna-se problemático alterá-las, porque também se põe em causa o equilíbrio de certas pessoas, bem posicionadas, que não estão dispostas a alterá-las. Na história dos povos os sistemas estatais têm todos uma estrutura deste tipo, que se reflecte de forma evidente na ordem económica. A economia mundial tem crescido substancialmente com uma imposiçâo. Se respondia a uma lógica era a lógica do mais forte. Se era racional, era porque estava a favor de quem tinha o poder. Sem vantagem para a colónia, mas para o país colonizador. Alcançada a independência, a economia do novo Estado se manteve a mesma que antes, num circuito já definido e regulamentado pelo Ocidente, com a industrialização a servir de padrão. Sem dúvida, a indústria tem trazido muitos benefícios, mas não devemos esquecer as profundas mudanças negativas provocadas na vida social. As relações entre o comércio e a agrícultura, podem ter outras formas e conexões. A estrutura económica no mundo de hoje, não pode ser considerada um resultado da lei "fisiológica", se a natureza, os recursos, o meio ambiente, a ecologia não forem respeitados. Há uma série de fatos e eventos que temos de levar em conta, mas que não podem ser considerados imutáveis, e muito menos justificáveis, sendo resultados de abusos e de prepotência, ou talvez de uma visão distorcida da realidade. A estruturação e a gestão da economia mundial e das suas subdivisões não podem ter como único objectivo apenas os aspectos económicos. Devem englobar igualmente medidas relacionadas com o humanitarismo, que cheguem a todos os povos, sem exclusão, salvaguardando as suas necessidades e os seus direitos. Porém, colocar em primeiro lugar e acima das questões económicas, a natureza e a humanidade, os povos e sua história, não é de todo fácil nem consensual, mas é uma escolha necessária para o mundo que se quer mais humano. E quanto à Guinendade, que Fernando Jorge Teixeira recorda com as devidas referências históricas, deve ser reiterado que a verdadeira humanidade de um povo é preservada e revelada num sentimento comum, onde os valores da etnia não se vão perder, mas ao invés, elevados a uma dimensão mais real e duradoura. A abordagem do Arq. Teixeira certamente pretende que não se esqueça a realidade, muito diferente, dos últimos anos. Os sentimentos nobres e as boas intenções, não devem estar separados do realismo e da experiência. A Guinendade, este sentimento comum, esta cultura viva, que vincula os corações e as ações, não se consegue de forma repentina e sem sacrifícios. Basta pensar no processo de democratização da Guiné, que não foi feito de forma compacta e à dimensão nacional. Houve progressos, mas não em todas as tribos, nem com o acordo de todas elas. Para a cultura - a Guinendade - precisa de tempo e não é facil de realizar com os meios limitados que a jovem nação guineense tem em suas mãos. Um trabalho de formação capilar deve ser feito. Nâo há ainda uma cultura comum. Quem viveu e vive no seio do seu próprio grupo étnico nem sempre vê ou encontra no Estado uma possibilidade de enriquecimento, promoção, proteção e satisfação que vê e sente na sua tribo. Nem mesmo a Guinendade é entendida como uma mais-valia, onde o bem-comum da tribo sai reforçado, sendo assim, ela não consegue tornar-se num atractivo nacional. E é isso que é preciso começar a fazer com a ajuda de todos, jovens e velhos, homens e mulheres e, na linha da frente, os que formam a espinha dorsal da nação: intelectuais, políticos e operadores económicos. Preparados e acompanhados sempre por aqueles que são os agentes naturais da moralidade e da educação: os pais, os religiosos e os professores. Só assim a Guinendade, enquanto instrumento coordenador e de sublimação dos valores das tribos e grupos étnicos, se torna positiva: ela deve estar relacionada com a humanidade e presente no íntimo de cada pessoa desde o seu nascimento, antes de ser africano ou europeu ou americano ou asiático. (Consultar o Editorial de Fernando Casimiro: "Globalização: a vertente humana" de 25.11.2007)
* Pedagogo italiano, amigo da Guiné-Bissau. VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR! Associação Guiné-Bissau CONTRIBUTO |