GUINÉ-BISSAU: NARCOTRÁFICO A FINANCIAR TAMBÉM O TERRORISMO INTERNACIONAL?
As Nações Unidas acabam de repetir oficialmente, agora, os avisos específicos lançados, há exactamente dois meses, pelo autor, no seu documento extenso de ‘reflexão’ sobre a situação na Guiné-Bissau.
Por: João Carlos Gomes*
27 de Setembro de 2007
Nesta peça, falaremos, entre outros, de: como é que a situação de tráfico de droga que afecta actualmente a Guiné-Bissau e, os fundos daí obtidos poderão, num futuro próximo, ser associados com o financiamento de actividades terroristas, não só na sub-região, mas também em outras partes do mundo; das recentes afirmações por parte das Nações Unidas que vêm reivindicar os avisos lançados pelo autor quanto à situação na Guiné-Bissau, e; da recente decisão altamente significativa por parte das Nações Unidas de transformar o ‘Grupo Internacional de Contacto para a Guiné-Bissau’ e torna-la, a partir de agora, parte integrante das suas estruturas regulares:
1. As suspeitas de uma possível ligação do intenso tráfico de droga na Guiné-Bissau com o financiamento do terrorismo internacional tornam-se, cada vez mais, uma consideração lógica porque, acima de tudo, existe uma situação clara e indisputável de envolvimento do país e de, pelo menos, alguns dos seus dirigentes, incluindo os mais altos níveis, no tráfico de droga. Com o volume de droga – cerca de uma tonelada - que alegadamente está a transitar diariamente pela Guiné-Bissau, e, como todo o mundo é oficialmente ‘inocente’ nas estruturas da governação, o tráfico de droga que tem lugar através do território da Guiné-Bissau passou ao estatuto patético de uma ‘operação de beneficência’. Ou seja, se não há interesses ou beneficiados a nível nacional, quem serão então os verdadeiros beneficiados de todo o lucro gerado no processo? Com esta pergunta, a situação complica-se ainda mais.
2. Quando os líderes da Guiné-Bissau afirmam publicamente que: não podem tomar medidas contra os traficantes de droga porque não conhecem a identidade dos indivíduos implicados; não estarem a beneficiar a eles próprios; ao mesmo tempo que também não tomam, nem sequer, as medidas que estão ao seu alcance imediato, então, o problema passa a assumir uma dimensão ainda mais complexa, aos olhos da comunidade internacional.
3. Ou seja, em termos analíticos, os dirigentes guineenses têm nas mãos a possibilidade de num futuro muito próximo, virem a fazer face a um outro factor ainda muito mais incriminador do que o tráfico de droga. Na conjuntura da estratégia geopolítica e, de segurança internacional actuais - aos olhos de algumas das principais potências mundiais - muitas vezes há uma distância muito curta entre o estatuto de ‘narcoestado’ e, o de estado ‘patrocinador de terrorismo’ internacional. Por razões óbvias, estes, são hoje, conceitos intrinsecamente ligados. Onde há droga, há lavagem de dinheiro. E, onde há droga e lavagem de dinheiro, hoje, há também que considerar a possibilidade real de tais actividades estarem ligadas ao financiamento de actividades ligadas ao terrorismo internacional.
4. Tal é o caso, sobretudo, quando na análise da situação de estados onde – enquanto com um desempenho económico oficial altamente deficitário, como é, obviamente, o caso da Guiné-Bissau – surgem sectores não tradicionais a gerar receitas (e despesas visíveis) consideráveis e inexplicáveis, completamente à margem das estruturas formais e legítimas, estabelecidas para permitir o controlo efectivo da actividade financeira. Neste caso concreto, existe o factor agravante de que, o produto em questão – droga - envolve transacções de alto valor comercial, e, de um carácter obviamente extraterritorial.
5. Especificamente, e, pela sua natureza, as actividades envolvendo a recepção, o armazenamento, e, a distribuição de estupefacientes – de uma envergadura e, com dimensões claramente internacionais, como está actualmente a acontecer na Guiné-Bissau - levam à emergência de situações que tendem, por si, a facilitar a lavagem de quantidades massivas de dinheiro, cujo destinatário final é normalmente impossível de determinar, ‘prima facie’ (com a transparência que se impõe).
6. Daí o facto de estas actividades, já à partida, claramente ilegais, suscitarem também suspeitas que, no mínimo, levem à necessidade premente de considerar a possibilidade de estarem ligadas ao financiamento de actividades como o terrorismo internacional. Neste contexto, vários são, por exemplo, nos Estados Unidos e, em outras partes do mundo, as organizações de carácter ostensivamente humanitária, que se dedicam à angariação de fundos - actividade outrora considerada perfeitamente de rotina - que hoje se vêem debaixo de um escrutínio estrito pelas organizações policiais internacionais.
7. A partir deste ponto de vista, é perfeitamente plausível a dedução lógica de que, devido à situação actual que prevalece no interior das suas fronteiras, a Guiné-Bissau e, os seus dirigentes – oficialmente, todos ‘inocentes’ e sem saber nada do que se passa à volta da questão do tráfico de droga, ou sobre quem são os beneficiadores - não poderem, de maneira alguma, ser excluídos dos rigores de um tal escrutínio microscópico. E, em virtude das circunstâncias, neste momento, seguramente que não o são. Daí que, ao ponderarem a natureza sensível da situação e, as suas consequências e vulnerabilidades, os líderes da Guiné-Bissau não devem esquecer, por exemplo, o facto de que, não fossem as prioridades da nova conjuntura acima referida, criada pela ‘guerra contra o terrorismo’, talvez fosse possível que o país irmão, Angola, ainda hoje estivesse sob uma guerra civil.
Dificuldades de responder às necessidades mais básicas da população: falta de dinheiro, ou; falta de seriedade e, incapacidade de estabelecer prioridades?
8. Por outro lado é preciso não esquecer que, enquanto refugiado em Portugal o agora Presidente João Bernardo ‘Nino’ Vieira concedeu várias entrevistas, amplamente disseminadas publicamente, nas quais afirmava não ter dinheiro, nem sequer, para cobrir as suas despesas mais básicas. De repente, o candidato Presidencial João Bernardo ‘ Nino’ Vieira, surge com vastos fundos a financiar uma campanha eleitoral, sem nunca ter oferecido qualquer esclarecimento público sobre as origens da sua nova fortuna.
9. E, no período que se seguiu à sua investidura, a Guiné-Bissau emerge não só como um dos cenários do tráfico internacional de droga, mas ascende rapidamente ao estatuto de primeiro narcoestado do continente africano, com os traficantes a operarem abertamente e, a beneficiarem de uma impunidade total.
10. Incidentalmente, no seu último trabalho, o autor levantou a questão da ambiguidade no comportamento institucional e governativo que na sua opinião, não só permitiu o roubo de centenas de quilos de cocaína dos cofres do Estado, mas também, toda uma série de outras acções de carácter claramente intimidativos que afectam o funcionamento normal das estruturas do Estado (ver: ‘As Lições do ‘Não’ da ONU aos Militares da Guiné-Bissau: Mais um Sinal a Ser Ignorado?’, parágrafos 18 a 29, datado de 19 de Setembro de 2007). Precisamente um dia após a publicação desta peça (20 de Setembro) surge um documento-queixa produzido pelo antigo Primeiro Ministro, Francisco José Fadul a corroborar virtualmente todos os pontos levantados na peça, relativamente a esta questão – impacto negativo de um funcionamento ‘de facto’ ambíguo e, altamente deficitário das estruturas, encorajado pelo próprio Presidente.
11. Por exemplo, enquanto o país se vê confrontado actualmente com um problema grave de falta de fundos para obter combustível e, responder a algumas das necessidades mais básicas da população como o fornecimento de energia eléctrica e água potável, que há já várias semanas afecta o país, o documento de José Fadul dá conta da existência de situações que indicam que:
12. Não há dúvida do facto de que ‘toda a corte tem o seu bobo’. Mas, tratando-se de questões que, pela sua natureza e seriedade - não só denotam uma falta de entendimento fundamental quanto ao papel consagrado a um membro do Governo, enquanto agente do Estado - mas, também, pelo facto de, potencialmente comprometer a governação.
Porque é que o Presidente Nino Vieira não se consegue desfazer de tais figuras, e acaba sempre se rodeando de indivíduos com comportamentos comprovadamente obscuros e, mesmo, sinistros? É o Presidente directamente responsável - ainda que, apenas por associação - por tais situações? Se não o é, quem é? Certamente que, na base da evidência dos factos, esta é uma pergunta perfeitamente legítima, e, cuja resposta, não requer a capacidade analítica de um Catedrático de Direito Penal!
As Nações Unidas acabam de repetir agora, oficialmente, avisos específicos, lançados há exactamente dois meses, pelo autor, numa das suas peças prévias
13. Para quem tem dúvidas de que a contribuição para o ‘financiamento do terrorismo internacional’ poderá constituir uma das próximas acusações que possivelmente poderão ser formuladas contra a Guiné-Bissau, aqui vão algumas das afirmações que - conforme o ‘Notícias Lusófonas’ de Portugal – teriam sido feitas recentemente em Dacar, capital do Senegal, por Amado Phillip de Andres, Director Adjunto do Gabinete das Nações Unidas para o Combate Contra a Droga e a Criminalidade, na Terça-feira, 25 de Setembro:
14. Igualmente de salientar, é o facto de que, o referido oficial fez agora um uso repetido e exacto de termos tais como, ‘desintegrar’ e, “explodir”, à semelhança do autor na sua primeira peça: “Nino Vieira, a Governação, os Militares, a Droga e, só Agora, a Reconciliação Nacional?” publicada sobre esta matéria há precisamente dois meses (26 de Julho último, parágrafos 14 a 17). Talvez um dia – em vez de antagonismos - os líderes da Guiné-Bissau venham a dar conta do grande favor que lhes prestou o autor, com a publicação avançada do material em questão, numa advertência que lhes está a permitir tomar medidas, antes que a situação se deteriore e, atinja ‘o ponto do não retorno’.
15. Em virtude do acima referido, a comunidade internacional está à procura de explicações para as disparidades entre a situação económica e financeira obviamente precária do país, e, o comportamento ostensivo e injustificado de algumas das figuras directamente ligadas às estruturas do poder. É por isso que se torna de uma importância capital que os líderes da Guiné-Bissau prestem uma atenção muito especial a uma palavra-chave, ou seja, um som de alarme, na afirmação acabada de fazer pelo funcionário das Nações Unidas em Dacar: financiamento.
16. Se tal palavra não soa familiar aos ouvidos dos dirigentes guineenses, devia. Embora sem nenhuma referencia específica, neste caso - entre o dito e, o não dito - não é demais lembrar entretanto que, é graças a acusações desta mesma natureza que Charles Taylor, o ex-presidente da Libéria se encontra hoje em julgamento perante um Tribunal internacional, sob controlo das Nações Unidas.
‘Grupo Internacional de Contacto para a Guiné-Bissau’ agora parte das estruturas regulares das Nações Unidas?
17. Num outro acontecimento que teve lugar à margem dos trabalhos de Sexagésima Segunda Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, actualmente reunida em Nova Iorque, o ‘Grupo Internacional de Contacto para a Guiné-Bissau’ (GIC-GB), até agora, com um carácter, ‘ad-hoc’, acaba de integrar as estruturas da ONU, estatuto que lhe confere um carácter mais ou menos, permanente, ou pelo menos, de longa data. O mesmo havia sido criado em Setembro de 2006, para assistir à Guiné-Bissau nos seus esforços de recuperação.
18. Daí que, é lógico que este último desenvolvimento - para além duma Missão da ONU no terreno - não constitui uma indicação de que as coisas estão a melhorar no país. Pelo contrário. Conforme um aviso anteriormente lançado pelo autor, com a mudança que acaba de ter lugar agora, que não restem as menores dúvidas: na linguagem da comunidade internacional, este é mais um passo, entre vários outros, rumo à obtenção do estatuto legal de, ‘Estado falhado’.
Conclusões
19. Entretanto, conforme afirma ainda o Notícias Lusófonas, a ‘Comissão Inter-Ministerial’ responsável pela implementação do ‘Plano de Emergência para o Combate ao Narcotráfico’ considera a situação na Guiné-Bissau como sendo ‘urgente’, ao ponto de, o seu Coordenador, Nelson Moreira, opinar que requer ‘uma sessão extraordinária da Assembleia Nacional’. No entanto, este órgão encontra-se actualmente, “encerrada para férias, até finais de Outubro”!!!
20. A pergunta que se põe é: nas circunstâncias actuais, e, dada a urgência expressa da situação, como é isto possível? Quem é crente sabe que, mesmo nos ensinamentos de todas as versões da Sagrada Escritura, Deus ou Alah, nunca disseram a ninguém: “Fica de braços cruzados que tudo farei por ti”, mas sim: “Pui mon, pa n’djudau” (Crioulo para, “Põe as mãos que te ajudarei”).
Nota
1. Para um melhor esclarecimento sobre os temas aqui discutidos, vejam também dois artigos de reflexão mais abrangentes, intitulados: “NINO VIEIRA, A GOVERNAÇÃO, OS MILITARES, A DROGA E A RECONCILIAÇÃO NACIONAL”; “AS LIÇÕES DO "NÃO" DA ONU AOS MILITARES DA GUINÉ-BISSAU: MAIS UM SINAL A SER IGNORADO?” publicados pelo autor desta mesma peça, respectivamente a 26 de Julho, e a 19 de Setembro últimos, no site, www.didinho.org
Guiné-Bissau: Projecto CONTRIBUTO, pagina, ‘Nô Djunta Mon’.
2. Conforme anteriormente anunciado, o autor está completamente aberto à recepção de material que corrobore ou, dispute, a veracidade das suas afirmações e outros dados até agora apresentados, os quais após verificação, poderão resultar na correcção ou alteração do material anteriormente publicado. A preocupação fundamental é de contribuir para a edificação, na Guiné-Bissau, de uma sociedade na qual ‘todos os seus filhos’ possam encontrar, na decência, o ‘lugar ao sol’, de que tanto necessitam e, a que têm direito, pelo menos, dentro da sua própria terra.
*Escritor/Jornalista
Nova Iorque
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO