Podem
tirar-me a nacionalidade guineense, impedir-me ou desencorajar-me de regressar à
Guiné, mas jamais apagarão do meu registo de nascimento, a minha naturalidade!
Retomo o tema sobre a naturalidade de Amilcar Cabral,
depois de ter recebido diversos comentários enviados a título de correspondência
privada, que por isso, não partilharei nesta abordagem. Porém, há um comentário
em forma de ponto de vista destinado a sustentar o debate sobre o tema, que
decidi trazer a público, por assim se justificar.
O comentário é do Dr. Silvestre Alves, cidadão
guineense, Jurista e Presidente do Movimento Democrático Guineense (MDG).
Agradeço e elogio o gesto do Dr. Silvestre
Alves, contudo, creio que a sua abordagem está desenquadrada com o conteúdo do
meu trabalho intitulado "O ÓDIO A AMILCAR LOPES CABRAL".
Efectivamente, a minha abordagem tem no
essencial, a questão da naturalidade de Amilcar Lopes Cabral e, por conseguinte,
do país onde Amilcar Cabral nasceu. Respeito tudo o que sustenta o Dr. Silvestre
Alves no seu comentário, mas não me vou pronunciar sobre o grosso da sua opinião
em relação aos pontos que apresentou, limitando-me ao debate do tema da
naturalidade de Amilcar Cabral.
Quero dizer ao meu amigo Dr. Silvestre Alves
que, a verdade, na vertente bíblica e partilhada por D. Settimio Ferrazzetta, é
a verdade que também defendo.
É a Verdade dos factos, a Verdade que dá a todos
a possibilidade de se pronunciarem, quer acusando, quer defendendo.
Questionar, é um exercício diário para mim.
Questiono e incentivo outros a questionarem, pois só assim estaremos a trilhar o
caminho da obtenção de respostas e soluções.
Questionar, caro Dr. Silvestre Alves, não é o
mesmo que afirmar, ou insinuar de forma conclusiva. Questiona quem desconhece.
Afirma quem se julga na posse de dados/factos.
Se alguém afirma que Amilcar Lopes Cabral não
nasceu em Bafatá, esse alguém não está a questionar se Amilcar Lopes Cabral
nasceu ou não em Bafatá. Esse alguém está a mostrar que tem provas de que o que
se sabe sobre a naturalidade de Amilcar Cabral, não corresponde à verdade.
Quem afirma que Cabral não nasceu em Bafatá, que
mostre o registo de onde efectivamente Cabral nasceu!
Quando vejo que o meu amigo Dr. Silvestre Alves,
que é Jurista, não põe em causa as afirmações de quem, com o argumento de que: "
se Amilcar Cabral
tivesse nascido em Bafata teria ainda lá alguém que pudesse
conhecer, pelo menos, filhos ou netos dos seus colegas que estudaram
com ele o ensino primario em Bafatá.", fico com a sensação de
que a Verdade referenciada pelo Dr. Silvestre Alves é uma Verdade de
conveniência, que passa por cima dos princípios e valores da Verdade bíblica ou
de D. Settimio Ferrazzetta.
Serão os argumentos de Felix
Siga elementos dignos de consideração, a nível judicial, académico ou social?
A meu ver não!
Quantos milhares de cidadãos
portugueses não nasceram na Guiné e noutras ex-colónias, ao longo de cinco
séculos, tendo sido registados nesses ex-territórios ultramarinos, com a
naturalidade da localidade onde realmente nasceram e que não têm nos colegas de
infância prova do reconhecimento de suas naturalidades?
Será pelo testemunho de
colegas de infância que se reconhece o registo de nascimento de alguém?
Eu Didinho, nascido e criado
em Bissau, que estudei com muita gente, de quantas pessoas me lembro dos meus
tempos da escola primária e o mesmo vale para todos esses colegas, ao ponto
disso servir para ajuizar onde nasceu quem?
Quem sabia a naturalidade de
cada um, com 6, 7 ou 8 anos de idade, só por estudarem na mesma escola e por
fazerem parte da mesma turma?
O Amilcar Lopes Cabral, com
6, 7 anos de idade em Bafatá, sabia alguém que viria a ser uma grande figura
mundial, para que fosse desde logo "marcado"?
A minha filha mais velha
nasceu em Bissau a 30 de Outubro de 1984, tendo sido lá registada. Viveu lá até
aos 4 anos de idade e há 22 que se encontra em Portugal, sem ter regressado à
Guiné. Será que a sua naturalidade também foi forjada, porque não tem colegas de
escola/infância que possam testemunhar a seu favor?
Por que devemos acreditar
que Rafael Barbosa forjou a naturalidade de Amilcar Cabral, tal como afirma
Felix Siga: "
Amilcar Cabral nao é guineense. Pois, o seu boletim
de nascimento é falso e foi forjado
por Rafael Barbosa para convencer o ex-Presidente da Guiné-Conacri
Ahmed Sekou Turé aceita-lo residir em Conacri."
Quando Amilcar Cabral se
fixou em Conacri,
já era maior, casado, Engenheiro Agrónomo e tinha sido alto funcionário da
Administração portuguesa.
Como podia Rafael Barbosa
forjar o boletim de nascimento de Amilcar Cabral, quando Amilcar era já tudo
menos um menor de idade?
Caro Dr. Silvestre Alves, na
sua qualidade de Jurista, se quisesse comentar de forma pedagógica a questão da
naturalidade de Amilcar Cabral, poderia explicar-nos que um registo de
nascimento não se altera de qualquer maneira.
Podemos requerer as
nacionalidades que quisermos, pedir-nos-ão sempre a certidão/boletim ou outro,
de nascimento do país/localidade de origem.
É com esse documento que se
faz a transcrição para um novo registo, que nos contempla a nacionalidade
adquirida, mas que não altera, nem elimina o local onde nascemos.
A Guiné-Conacri teria
emitido um novo registo de nascimento a Amilcar Lopes Cabral, a pedido do seu
"tutor" Rafael Barbosa?
Se assim foi, tem a palavra
Felix Siga. A bem da Verdade, que apresente esse boletim de nascimento!
O Dr. Silvestre Alves não
acha isso tudo muito vago e de má fé?
Por que razão, o Dr.
Silvestre Alves, na qualidade de Jurista, não fez até agora uma investigação de
fundo sobre a naturalidade de Amilcar Cabral, para apresentar provas de que
Amilcar Cabral não nasceu em Bafatá?
É a família de Amilcar
Cabral que tem que apresentar provas, quando não é obrigada a isso, tal como o
Dr. Silvestre Alves ou eu não somos obrigados a fazer prova da nossa
naturalidade publicamente?
Que Felix Sigá, assim como
todos quantos se acham na posse de provas que dizem que Amilcar Lopes Cabral não
nasceu em Bafatá, Guiné-Bissau, tenham a coragem de comunicar e apresentar ao
Mundo, essas provas, para que se corrija a História, atribuindo ao país do seu
nascimento esse grande orgulho, já que, pelos vistos, não sendo uma questão
isolada, tal como referiu o Dr. Silvestre Alves, muitos guineenses não gostariam
de continuar a ter Amilcar Cabral como referência primeira do país.
Caro amigo Dr. Silvestre Alves, muito obrigado.
A bem da verdade, que prossiga o debate!
Aos que me enviaram seus comentários a título
privado, caso queiram partilhá-los neste trabalho, agradeço que me autorizem a
fazê-lo.
O
ÓDIO A AMILCAR LOPES CABRAL 21.01.2011
VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!
COMENTÁRIO do Dr. Silvestre
Alves, Jurista e Presidente do Movimento Democrático
Guineense (MDG).
Meu Caro
Didinho,
Já é
bastante tarde, não sei se faço bem em tentar reagir, tendo lido, apenas na
diagonal, o material que me enviaste. Se o faço, será por alguma questões de
princípio. Ou somos guineenses ou não somos. Ou a Biblia e Dom Septtimio têm
razão ao apregoar que a verdade vos libertará, ou não. Os Guineenses de hoje,
vivendo o desespero da independência que Cabral nos legou, creio, têm o direito
de indagar, sem receio de ser menos guineense que ninguém, sobre as verdades que
o PAIGC e Cabral nunca disseram.
A meu ver, mais vale mil discordâncias e dez mil questões intelectualmente
honestas que uma falsa verdade ou uma verdade mal partilhada e mal contada,
porque se mal contada, haverá alguma coisa a incomodar... Ninguém poderá
amordaçar ninguém. E não será por isso que deixaremos de chegar a algum lado...
Se a
história do PAIGC fosse tão autêntica e bonita, porque é que o PAIGC nada fez
para encorajar os nossos investigadores a estudá-la e escreve-la para que as
novas gerações a conheçam? Infelizmente, a nova geração nada sabe da nossa
história. Até hoje, ninguém teve coragem de falar abertamente sobre aspectos
essencias da nossa história. Evitam deliberadamente. Porque não tentar com o
senhor Luciano Indau, por exemplo? De longe a longe, um ou outro vai dizendo
alguma coisa que não nos autorizamos a fazer eco. Na sequência de algumas
conversas, tomei a liberdade de sugerir ao INEP, através do seu Director, em
conversa informal que distribua gravadores a um bom número de Combatentes da
Liberdae da Pátria para que gravem as suas memórias, dando-lhes a liberdade de
decidir o momento de devolver ou não o material, como forma de os descontrair.
Ninguém sabe como e porque foi fuzilado Honório Sanches Vaz. Ninguém sabe como e
porque morreu Osvaldo Vieira. Castanheira Neves não sabe dizer quantas (largas)
dezenas de guineenses (que outros não exitam a contar às centenas) na purga que
se seguiu à morte de Amilcar Cabral.
Dirigentes de origem cabo-verdeana até dizem que tomaram posição firme para
contrariar o massacre. Afinal quem a ordenou? Porque é que se matou tanta gente?
Ninguém sabe como e porque morreu Francisco Mendes. Delfim da Silva limita-se a
dizer no seu livro Guiné-Bissau - Páginas de história política, rumos da
democracia, a pp. 189 "Vi aquele automóvel branco (Peugeot 504) que capotou fora
de estrada, numa espécie de ravina, local íngreme, com algum declive, o
tejadilho do carro estava de tal modo amolgado para dentro, que me tornou fácil
perceber o estado em que ficou a nuca (machucada) do malogrado Chico Té. Voltei
a não poder conter as lágrimas. Aquele golpe sobre a nuca com a cabeça a
bater-se ao volante parecia-me que também poderia provocar lesões na face, pelo
menos na testa do malogrado. A verdade é que eu não tinha reparado em qualquer
lesão na fronte do Chico Mendes."
Na altura
em que o livro foi escrito, Setembro de 2003, todas as especulações já eram
conhecidas e a música de Zé manel retomou a questão afirmando que os camaradas é
que o mataram...
Delfim prefere insinuar alcolismo, mas nada diz sobre as especulações que a
praça produziu, tão pouco da sentença de Zé manel, quando o natural, para um
intelectual, na falta de dados, seria indagar, suscitar reflexão.
Porque
tanta meia verdade? Porque é que nos disseram que o PAIGC foi fundado por Cabral
e mais cinco companheiros? Porque é que tiveram vergonha de nos dizerem quem
eram? O que é que justifica o ditado "Guiné, má mãe, boa madrasta? De onde veio
o ditado "Nô oça morto no mede bardade"? O que é que justifica o ditado? Qual
foi a utilidade da luta? A situação em que o país se encontra justifica a luta?
Porque é que Amilcar Cabral avançou com o projecto de independência, através da
Luta Armada de Libertação Nacional, sem os "garandes" de Bissau, de entre eles
João Rosa, Duarte N'baná, José Lacerda e Godofredo, sendo estes últimos de
ascendência estrangeira, mas pessoas que se identificavam profundamente com o
sentimento da "guinendadi"? Será verdade que esses homens foram denunciados por
cartas anónimas à Pide? A quem interessaria a sua morte, se for verdade a
denúncia? Será verdae que José Leitão da Graça foi vítima de intriga, conforme
sugere o livro de José Vicente Lopes?
Cabral diz que lutamos para cada um mandar na sua própria cabeça, andar com os
seus próprios pés, construir, ele próprio o seu futuro e a sua prosperidade.
Sábias palavras! Mas quem havia de pensar pelos guineenses se, em 1974, Rui
Araújo era um dos dez únicos finalistas?
Porque
não tinhamos uma elite intelectual, tão pouco uma massa crítica, em número e em
qualidade que justificasse, o país está como está. Para quê então a guerra. Pela
sua soberba inteligência, Amilcar Cabral não estava obrigado a compreender que a
independência era precoce para a Guiné? Se admitirmos que pela sua inteligência
ele podia admitir a possibilidade de efeitos indesejáveis, será ou não natural
que se duvide dos reais móbeis da LALN? A situação em que o país se encontra não
será a prova acabada de que a Guiné não estava preparada para a independência?
Justificar-se-á falarmos de ódio a Amilcar Cabral? Teremos o direito de
desencorajar a indagação da parte de quem julga que ainda não sabe a verdade?
Não será preferível analisar o que cada um diz e convidá-lo a confrontar-se com
as suas eventuais incongruências, contradições ou hipotéticas faltas à verdade?
A desenvolver melhor os seus argumentos? Não seria melhor refutá-lo
metodologicamente na sua argumentação, demonstrando os vícios de raciocínio e a
desinformação?
A meu
ver, quanto mais evitarmos a discussão, quanto mais nos alarmarmos com a
indagação, mais ficará a sensação de insatisfação e mais estaremos a alimentar a
suspeição. Saudemos Felix Siga e todos quantos têm a coragem de manifestar a sua
dúvida. Abramos e estimulemos o debate. Tentemos, pedagogicamente, ajudarmo-nos
uns aos outros a apurar e a estabelecer os factos verídicos e a trilhar os
caminhos objectivos do raciocínio e da análise, em busca de uma verdade
autêntica, ainda que possa ser dolorosa, pois só com a verdade, poderemos
construir o futuro em bases sãs e sólidas. Doutro modo, creio, estaremos,
simplesmente, a adiar o processo.
Escrevi
espontaneamente, sem grandes preocupações, porque o tema é de sobeja
importância. Humildemente, quis deixar um contributo, essenciamente, de cariz
pedagógico. Não sou senhor de nenhuma verdade, embora tenha reflectido e
indagado junto de certas figuras, tentando pôr à prova informações que me
chegaram na minha tenra adolescência, uma pesquisa que, de certa maneira, fui
levado a retomar, por um militante do PAIGC, da primeira hora que se tornou meu
amigo, mas que não tenho que tomar por fonte segura apesar de todo o respeito e
credibilidade que me parece merecer.
A
preocupação de Félix Siga não é, nem de perto, nem de longe, isolada. Em
Setembro passado, fui ao Porto com o livro de Castanheira Neves em mãos. Fui
lendo durante a viagem. Um médico guineense interpela-me: Andas a ler isso?
Dentro de algum tempo, vamos publicar um livro para acabar com a mentira. Nem
esperou a minha resposta. Deixando no ar um certo sentimento de indignação.
Tenho nas mãos um projecto de seiscentas páginas, ainda no prelo, obra de uma
testemunha privilegiada, porque esteve lá e foi, de alguma maneira, o guardião
dos arquivos e tem formação vocacionada.
Enfim, cá
estaremos todos, se Deus Quiser, para discutir os estudos que forem dados à
estampa.
Um abraço e bom trabalho, com muita coragem.
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